Solução do conflito colombiano pela via da negociação política é a única possível

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Pietro Alarcón
18/09/2012

 

O direito à paz é um direito humano, não porque esteja formalmente estampado em valiosos documentos internacionais ou na Constituição dos Estados, senão porque, da compreensão de sua substancialidade e, sobretudo, de sua efetivação, se desprende a possibilidade de potencializar as liberdades humanas, numa perspectiva ética, de compromisso com o bem-estar das presentes e futuras gerações.

 

Por isso, razões não faltam para comemorar o início de conversações para a paz, com fundamento numa agenda de pontos relevantes, entre o governo e a guerrilha na Colômbia no mês de outubro, depois de uma série de encontros exploratórios realizados em Havana entre fevereiro e agosto do presente ano.

 

Note-se como mudou o ambiente regional com o anúncio da agenda. Oxigenar o ar rarefeito produzido pela existência de um conflito de longo e amplo espectro é uma necessidade para gerar novos avanços na unidade dos povos, na UNASUL e outros espaços, e daí que sejam determinantes as manifestações internacionais de apoio ao diálogo, a cobertura jornalística responsável do processo, o acompanhamento dos governos aos mecanismos e procedimentos da negociação.

 

Certamente, e há que dizer com todas as letras, a solução do conflito colombiano pela via do diálogo e da negociação política é a única possível. Diremos hoje o que temos dito em outras oportunidades: não há saída militar ao conflito.

 

O conflito armado interno na Colômbia tem elementos estruturais que transcendem a conjuntura, e são nesses elementos ou causas da violência que a sociedade colombiana e a comunidade internacional devem concentrar esforços para que esta não seja apenas mais uma tentativa de paz, como as que aconteceram em 1984 durante o governo de Betencourt, ou a começos da década passada durante o governo de Andrés Pastrana.

 

Por isso, uma análise equilibrada não admite visões parciais, fragmentadas, que não levam em consideração os vários fatores envolvidos, questões que se entrecruzam e fazem parte da agenda de diálogo hoje em pauta.

 

O primeiro desses elementos é o reconhecimento de um acúmulo atávico de exclusão social e econômica. A prioridade dos arquétipos econômicos tem sido a de fomentar a concentração da riqueza, impedindo uma distribuição que permita níveis de vida adequados para segmentos completamente esquecidos e vítimas do conflito, como os indígenas, os afrodescendentes das zonas costeiras, os camponeses obrigados a expandir a fronteira agrícola, condenados à usurpação das suas terras desde antes da segunda metade do século passado.

 

Daí que um modelo de desenvolvimento que elimine políticas regressivas para os setores produtivos, acompanhado de uma reorientação do gasto público para diminuir a pobreza, é essencial para gerar um contexto de consolidação da democracia num possível cenário pós-conflito.

 

Depois, a exclusão política, oriunda de uma dinâmica promovida desde os altos escalões do poder, na qual não se toleram o questionamento e a crítica, utilizando-se com espantosa regularidade de formas cruéis de violência a fim de eliminar o opositor político. Personagens incrustados no Estado, nos momentos em que a oposição democrática gerou condições de modificar a correlação de forças nos órgãos legislativo e executivo ao longo do território nacional, apelaram à estigmatização e ao macarthismo. A criminalização do protesto social veio por meio do ataque verbal, fazendo das expressões “guerrilheiro” ou “auxiliar da guerrilha” o argumento ameaçador para silenciar aqueles que discordavam civilmente das iniciativas governamentais.

 

E nesse cenário os grupos paramilitares apareceram para executar uma tática de assassinatos seletivos, seguidos de verdadeiras chacinas nos locais e regiões com ampla maioria dos setores que contestam o establishment.

 

A conquista da paz deve ser uma política de Estado, não pode ser o resultado da boa intenção ou da visão imediatista de um governo, mas uma transcendental mudança do regime político do país, o que implica, necessariamente, em garantias para a oposição, ou seja, a verificação, no plano real, concreto, de que não existem mais assassinatos, desaparições, armações contra as lideranças populares. Deve-se afirmar a pluralidade, a tolerância, a edificação de regras do jogo para uma ação política na qual seja possível concorrer com programas de governo numa democracia reforçada.

 

A questão não é fácil, mas, pelo mesmo, determinante e crucial. Os grupos paramilitares – e isso na Colômbia é vox populis –, segundo um informe da Procuradoria Geral da Nação, reconhecem ter assassinado mais de 30.000 pessoas e desaparecido com mais de 5.000 nas últimas duas décadas. O pior é que esses grupos atuaram sob a batuta de agentes do Estado de vários níveis, incluindo os ligados ao governo anterior de Uribe, bem como de agentes ligados ao poder econômico tanto nacional como transnacional. Com a persistência de paramilitares não pode haver um cenário propício para à paz. Por isso, tal fator que entorpece o processo deve ser de imediato combatido. Hoje, 24 das 32 províncias em que se organiza administrativamente o país informam ter no seu interior presença paramilitar. Enquanto a vida estiver ameaçada pela ação destes grupos, a paz continuará a ser esquiva.

 

Há que oferecer uma proposta modernizadora para a participação política, que reconheça a existência de setores sociais divergentes, que não permita os atentados contra a crítica e o pensamento diferente, e que fomente a inclusão e a tolerância, numa cultura de respeito pelo outro.

 

Depois, existe o desafio de um debate transcendental relacionado ao narcotráfico. Este deve ser abordado como atividade mercantil e à margem da legalidade, que gerou e gera uma economia também marginal, mas da qual se aproveitaram atores políticos para, com o lucro fácil, financiarem campanhas aos órgãos de governo. Originou-se, daí, a narcopolítica, da qual emerge o confronto entre uma tradicional estrutura de poder dominante e uma paralela, que aos poucos começa a ser deslocada da institucionalidade neste governo de Santos.

 

E nesse debate é preciso esclarecer qual a participação de camponeses, da insurgência, dos intermediários, distribuidores, cartéis, políticos tradicionais e a responsabilidade dos grandes capos, famílias e negociantes nos Estados Unidos e União Europeia.

 

Não há como esquecer que a expansão dos cultivos ilícitos na Colômbia é o resultado do abandono do camponês, da concentração da terra, da ausência de infraestrutura para a produção e comercialização de produtos, de vias de comunicação, de créditos, de mercados.

 

Outrossim, há que fechar espaços às vozes que, de maneira simplista e irresponsável, argumentam que a negociação entre o governo e a guerrilha é a negociação entre o Estado democrático e o narcotráfico. Primeiro, porque essas opiniões não resistem a uma análise séria, com fundamento histórico e que retrate a evolução dos atores do conflito, as diversas fases do Estado colombiano e a maneira como o negócio do narcotráfico impactou e se introduziu na sociedade. Tais vozes, descompromissadas com o império da paz, estão consciente ou inconscientemente atreladas a uma visão parcial e inconsequente da realidade, propiciando as condições para a continuidade da guerra a partir da desinformação e da falta de critérios.

 

Opiniões alentadas, porque não é possível esquecer este fator, pelos mercadores da guerra, a partir dos Estados Unidos e outros países, vendedores de armas e agentes de mercenários, desestabilizadores porque a paz agride seu lucro de morte, buscando abortar qualquer processo de paz e deixá-lo sem possibilidades de avanços.

 

Enquanto isso, a Colômbia se ressente de ser o país com a maior quantidade de deslocados internos e o segundo maior povo refugiado no mundo, segundo dados do ACNUR, o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados.

 

Na Colômbia, a experiência diz que há que construir a paz aos poucos. Com clareza podem-se enxergar três possíveis cenários para o futuro: o primeiro, o de uma vitória militar de alguma das partes, que é bastante improvável porque os atores armados têm capacidade de atingir um ao outro, mas estão bastante longe de conquistar um triunfo real e definitivo; o segundo, o de um conflito contínuo, persistente, no qual os atores se atingem mutuamente com sucessos que não definem os rumos da confrontação, com incremento da militarização da vida nacional, um processo traumático, de altíssimo custo em vidas humanas; e, por fim, uma saída negociada, que coloque as bases para uma abertura à democracia, com um modelo de desenvolvimento para as maiorias nacionais.

 

Esta última é uma alternativa real, a melhor, a mais razoável, a que geraria as condições para procurar a máxima efetividade dos direitos, afastando a guerra como lógica de solução para os conflitos inerentes ao sistema.

 

Por isso é necessário, em primeiro lugar, e como boa premissa, esperançosa premissa, insistir num cessar bilateral e imediato das ações bélicas.

 

É claro que uma solução negociada ao conflito armado não elimina as contradições entre os setores e grupos sociais, mas essas contradições bem que poderiam ser conduzidas por caminhos novos, não pela criminalização do movimento social nem pela prática dos atos militares.

 

O direito à paz não admite mais dilações. A lógica da guerra não pode mais determinar os rumos de toda uma sociedade. Efetivar a paz é questão de humanidade e é a real alternativa popular.

 

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Pietro Alarcón é professor do Departamento de Direito Público e de Relações Internacionais da PUC/SP.

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