Correio da Cidadania

Granier não viu o “Livro Branco sobre a RCTV”? (2)

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O problema do monopólio das televisões privadas no espectro radiofônico da Venezuela foi abordado no primeiro capítulo  do “Livro Branco sobre a RCTV”. O diretor-presidente da RCTV, Marcel Garnier, disse, em entrevista no programa “Canal Livre”, de 01/07, desconhecer, não ter visto, não ter recebido e não aceitar o referido livro como documento oficial. Na verdade, Granier pretendia fugir de fatos irrefutáveis constantes do referido petardo do Ministério do Poder Popular para a Comunicação e Informação (MPPCI), que contou com a colaboração da Comissão Nacional de Telecomunicações (Conatel), que é o órgão regulador do setor responsável pela outorga ou renovação (por tempo limitado) da condição de concessionário a uma pessoa física ou jurídica.

 

Até o dia 26/01/07, segundo aquele importante dossiê do MPPCI, as televisões privadas detinham 82% (UHF) e 78% (VHF) das concessões. O setor público, por sua vez, só detinha 22% (VHF) e 07% (UHF). O setor de serviços comunitários detinha 11% (UHF). Portanto, a disparidade entre o setor público e o privado era enorme. Ou seja, quem tem poder de autorizar as concessões (o povo, consubstanciado no governo da República Bolivariana da Venezuela) tinha pífia participação. O governo Hugo Chávez, em observância ao que determina a Constituição da Venezuela (artigos 57, 58 e 108) e a Lei Orgânica das Telecomunicações da Venezuela (artigo 7), resolveu alterar essa realidade no referido espectro de domínio público.

 

O dossiê do MPPCI/Conatel lembra ainda que a Declaração da Convenção Interamericana de Direitos Humanos da Organização de Estados Americanos (OEA), firmada em Washington, declara: “Os monopólios ou oligopólios na propriedade e controle dos meios de comunicação devem estar sujeitos a leis anti-monopolistas por quanto conspiram contra a democracia ao restringir a pluralidade e diversidade que assegura o pleno exercício do direito à informação dos cidadãos. Em nenhum caso, essas leis devem ser exclusivas para os meios de comunicação. As concessões de rádio e televisão devem considerar critérios democráticos que garantam uma igualdade de oportunidades para todos os indivíduos no acesso aos mesmos”.

 

Só pelos números acima descritos, não se pode ter a menor dúvida de que a Venezuela estava refém do oligopólio midiático das televisões privadas, que por sua vez estão de braços dados com o império multinacional das comunicações Ruppert Murdoch/Fox News Cannel et caterva, seguindo a pauta exógena para desestabilizar o governo Hugo Chávez e a Revolução Bolivariana. Diante de tal fato, a Venezuela não podia deixar de impor os limites legais para inverter essa lógica. Tal feito é imprescindível para o sucesso de um país livre, soberano e para o fortalecimento das instituições. E é papel de qualquer Estado nacional, que queira ser livre e soberano, buscar tais limites (disciplinar), para que todo o povo seja atendido e respeitado em sua cidadania. Democratizar as comunicações é, também, proporcionar mecanismos diretos de informação do povo com seus governantes (e vice-versa), sem intermediários.

 

Inconformado por tais ajustes na vida nacional venezuelana, o “atravessador da desinformação” Marcel Granier fez questão de atacar no “Canal Livre” a nova televisão pública (TVES), acusando-a de “ser uma televisão política, uma televisão de caráter doutrinário” do governo Chávez. E perguntamos: a RCTV não teve caráter doutrinário em diversos deprimentes episódios na Venezuela, notadamente o golpe de Estado, nas paralisações na PDVSA em 2002, além de não veicular notícias do governo nestes períodos? No presente momento, ela prossegue com tal doutrinação via internet, pela TV Caracol (Colômbia), e possivelmente prosseguirá com tais pregações no canal pago (a cabo), que iniciou transmissões nesse mês de julho.

 

Mas o governo venezuelano já está tomando as medidas para disciplinar as concessões na TV a cabo. “Faremos algumas reformas para que aqueles que operam a televisão por cabo e a televisão de sinal aberto sejam obrigados a respeitar a lei venezuelana”, disse o ministro do MPPCI, Willian Lara, à emissora estatal Radio Nacional da Venezuela, em 19/07, último. As televisões terão que transmitir, mesmo a contragosto, comunicados dos poderes públicos daquele país caribenho. Ou seja, o governo da Venezuela está “pondo ordem na casa”.

 

A vida coletiva impõe limites

 

O “Livro Branco sobre a RCTV”, ao combater o oligopólio das televisões privadas, citou, por exemplo, o escritor venezuelano Roberto Hernández Montoya, que em 2002 afirmara: “Os donos dos meios de comunicações na Venezuela têm tanto poder que não percebem que esse poder tem limites”. E o MPPCI acrescentou: “E esses limites impõem as leis e os cidadãos, que exigem respeito. O Estado, por sua vez, está advogando lograr o florescimento das liberdades, emulando o que foi dito pelo presidente Hugo Chávez em entrevista concedida recentemente”.

 

Mas Granier parece, pelo que vimos no “Canal Livre”, não ter noção de limites. Ele disse que as televisões privadas “estão vivendo num clima de temor, que estão com medo de se manifestar”. É só entrar no portal da RCTV e ver que ele mente. E ele não iria confessar, também, para os brasileiros que as TVs privadas continuam aferradas na promoção do terror contra o governo da Venezuela. A Globovisión, por exemplo, segundo noticiários das agências estatais, tem incitado algumas camadas de venezuelanos (sobretudo o pessoal que usa camisetas Lacoste) a ir para as ruas fazer badernas em defesa da RCTV.

 

Após “chorar as pitangas” e posar de vítima, Granier teve que reconhecer (queimou sua língua mentirosa) o fato de a RCTV não ter sido fechada pelo governo Chávez. Granier reconheceu que seus empreendimentos estão em andamento. A RCTV está em pleno funcionamento na internet, assim como a TV Caracol. Mas reclamou: “Estamos transmitindo, mas não com o alcance de antes, pois já chegamos a 91% e atualmente estamos em 45%. Nós chegamos, no último dia, a mais 80% e, no último mês, foi em média de 45%”. Realmente, o “comunicador” venezuelano não tem noção de limites, precisa do rigor da lei do Estado venezuelano para se emendar.

 

“Não se trata do fechamento da RCTV, a empresa terá oportunidade de operar, mas a partir de outra estrutura midiática, como, por exemplo, a televisão a cabo”, disse o ministro Willian Lara no “Livro Branco sobre a RCTV”, publicado em março de 2007. Viram? O governo venezuelano tem palavra: prometeu não renovar concessão, e não renovou. Prometeu que a RCTV teria uma nova chance na vida, e deu à RCTV a concessão para operar na TV a cabo (iniciou em 19/07). Mas terá que se adequar aos rigores das leis venezuelanas.

 

E sobre a não renovação da TV aberta, o referido ministério deixou claro: “Tampouco se trata de uma retaliação política do governo, senão das graves faltas de responsabilidade social da referida empresa midiática ante a sociedade venezuelana”. O ministério ressaltou que a criação da TVES (Televisão Social), no lugar de renovar a concessão da RCTV, tem como objetivo “favorecer a formação da cidadania e o avanço da estratégia de democratização das comunicações na Venezuela. E tudo debaixo do amparo das leis nacionais e do respeito aos acordos internacionais sobre a matéria”.

 

O fim do “latifúndio midiático”

 

O “Livro Branco sobre a RCTV” destaca o relato do pesquisador Gustavo Hernández, que, em seu trabalho intitulado “Concentração da propriedade e poder dos traficantes do rádio e da televisão na Venezuela”, sublinhou: “O sistema de radiodifusão que predomina em nosso país é denominado misto inautêntico, o qual se caracteriza pela coexistência em desigualdade de condições do regime privado-competitivo e do regime público-governamental. Este sistema foi historicamente implantado pelo governo de López Contreras (1936-1941), quando se outorgaram 27 concessões de radiodifusão sonora a titulares privados. E igualmente esta situação se ratifica durante a presidência do general Marcos Pérez Jiménez (1948-1958), quando foram conferidas 4 concessões de televisão a titulares privados”.

 

Segundo dados do MPPCI/Conatel, de um universo de 99 redes de televisão, os principais grupos que detêm o controle o setor são os proprietários da RCTV e da Venevisión (75%, no terceiro trimestre de 2006). As demais (97) detêm 25%. Todas, destaca o livro, mantêm um mesmo padrão de conteúdo, embora tenham ações diferentes. “Nessas duas empresas [RCTV e Venevisión] se concentram 85% dos investimentos publicitários em meios de comunicação no país; elas têm 66% do poder de transmissão, dominam as redes de transmissão e difusão de sinal; controlam, ademais, 80% da produção e elaboração de notícias, informações e conteúdos que difundem na Venezuela”. No entanto, aquela edição do “Canal Livre” pretendeu levar o telespectador brasileiro a crer que totalitário é o governo Chávez. Pelo visto, há muita hipocrisia no assunto. Esse é o objetivo até hoje: passar Hugo Chávez como totalitário.

 

O livro branco deu como exemplo, ainda, que um estudo sobre as televisões venezuelanas, elaborado pelo Instituto Nacional do Menor (INAM), em 1995, constatou que a maioria (67%) dos programas transmitidos correspondia a produção estrangeira e que a metade da programação (52%) correspondia aos anúncios publicitários. Ou seja, tal realidade agride as exigências da Lei de Responsabilidade Social em Rádio e Televisão, sancionada há dois anos, destacou o dossiê.

Diante de tal disparidade, o livro do governo da Venezuela sublinha que “a liberdade de expressão não deve ser só entendida como liberdade de difusão, que se outorga às empresas de comunicação, mas deve, sim, incorporar a dimensão social do indivíduo, dar-lhe cidadania através da educação e do conhecimento, os instrumentos para construir sua consciência de realidade, sua cultura, sua problemática (...) O mais grave dessa situação é que, quanto maior seja a concentração por parte desses monopólios e oligopólios, menor é possibilidade de participação individual e de grupos sociais na geração de notícias”.

 

Assim, o governo da Venezuela foi ao encontro dos reclames das amplas classes de venezuelanos, que denunciaram a baixa qualidade dos serviços televisivos, suas baixarias e programas inadequados para a formação da cidadania. O “Livro Branco sobre a RCTV” vem recheado de passagens, que abordaremos aqui, que demonstram a veracidade de tais protestos populares. As denúncias vêm por parte de organizações de telespectadores (usuários e usuárias), que agora têm direitos consagrados para expressar suas opiniões. Os mesmos direitos possuem as instituições públicas, organismos judiciais e as organizações não-governamentais.

 

Concluímos este segundo artigo com uma apropriada declaração da professora de História Virgínia Fortes (UFF), constante no vídeo “RCTV: fim de um império midiático”, da ADIA - Associação para o Desenvolvimento da Imprensa Alternativa: “É impressionante a paciência que o governo Chávez teve com a RCTV, durante os últimos cinco anos, após o golpe de Estado de 2002. Chávez aguardou pacientemente o encerramento da concessão para não renová-la”. A professora ressaltou que essas redes privadas de televisão formam uma espécie de “mega-latifúndios da comunicação”, que também estão organizados em outros setores da economia venezuelana. “A gritaria da imprensa brasileira, na verdade, se dá, pois ela tem o mesmo comportamento da RCTV. Todas as redes só apresentam a voz do capital”, destacou a professora.

 

No próximo artigo traremos mais informações sobre esses “mega-latifúndios da comunicação”, constantes no “Livro Branco sobre a RCTV”. Falaremos sobre os principais grupos que dominam o espectro de radiodifusão na Venezuela. Assunto do qual fugiu Marcel Granier em entrevista no programa “Canal Livre” (Band).

 

 

José Carlos Moutinho é jornalista.

 

Leia também “Livro Branco sobre a RCTV”? (1)

 

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