Os desafios da realidade peruana

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Lucas dos Santos Ferreira e Fábio Napoleão
28/04/2011

 

O candente conflito entre os adeptos do livre-cambismo e o campo nacional-popular, arraigado em toda a América Latina, é uma das características marcantes do processo eleitoral ora deflagrado no Peru. O candidato nacionalista Ollanta Humala, fortemente apoiado por significativas parcelas das populações indígenas interioranas e alguns dos principais sindicatos urbanos, enfrenta Keiko Fujimori, filha primogênita do ditador Alberto Fujimori (1990-2000), responsável pela adoção de diretrizes monetaristas que afetaram negativamente a economia peruana e pela atroz violação de direitos civis que o condenou a 25 anos de prisão (extermínio de aldeamentos indígenas, massacre de Barrios Altos etc.).

 

Após vitória eleitoral sobre Mario Vargas Llosa (que já havia abandonado seus princípios em favor do ideário neoliberal), Alberto Fujimori destruiu a democracia formal peruana, decretando o fechamento do Congresso Nacional e submetendo o poder judiciário a seus desígnios. No campo econômico, seguiu religiosamente as diretrizes do Fundo Monetário Internacional (FMI), reduzindo bruscamente os investimentos públicos, privatizando empresas rentáveis (produção de combustíveis, setor energético, etc.) e promovendo, por intermédio de política cambial irresponsável e acordos bilaterais, abertura comercial desregrada que viria a danificar a infante indústria nacional.

 

A hegemonia neoliberal foi mantida nos governos de Alejandro Toledo (2001-2006) e Alan Garcia (2006-2011). Garcia, além de abandonar os ideais de Haya de la Torre em sua fase nacionalista, continuou a ignorar a antiga orientação progressista da CEPAL de edificação de protecionismos regionais (razão pela qual a instituição propõe a formação do Pacto Andino em 1969). O ainda presidente peruano cria condições para que as multinacionais tenham lucros ainda maiores deixando menores dividendos no país (mineração, principalmente) e continua a política de privatizações, chegando a propor sua extensão ao vastíssimo patrimônio cultural e histórico (rechaçada por grandes manifestações populares).

 

A candidatura do ex-militar e cientista político Ollanta Humala representa a possibilidade de estruturação de um projeto nacional de desenvolvimento capaz de alavancar efetivamente os indicadores sociais peruanos. O robusto programa de governo apresentado como "alternativa à modernização neoliberal" propõe a criação de condições para que seja gestado vigoroso processo de industrialização (controle cambial, redução de juros, incentivos fiscais, aprimoramento do mercado de capitais etc.), maior regulação das empresas estrangeiras instaladas no país (aumento dos royalties da mineração e retomada do controle estatal da Petroperu) e robustecimento do mercado interno por intermédio de plano de expansão salarial.

 

Trata-se, pois, da possibilidade de iniciar a superação da mentalidade colonial herdada de séculos passados e do modelo neoliberal imposto pelo imperialismo estadunidense (hoje representado por K. Fujimori), sobretudo a partir da gestão de Robert McNamara no Banco Mundial. Trata-se, pois, como afirmava um dos maiores expoentes do socialismo latino-americano, José Carlos Mariategui, da "peruanização do Peru".

 

Lucas Ferreira é pesquisador no Laboratório de Planejamento Urbano e Regional – LABPLAN; Fábio Napoleão é professor dos departamentos de Geografia e Economia da UDESC.

 

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