A Revolução Mexicana e as forças políticas em jogo

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Guga Dorea
27/08/2010

 

A política desenvolvimentista de Porfírio Diaz gerou todas as condições possíveis para a deflagração de uma das revoluções que marcou o século XX: a mexicana. O que diferenciou esse momento histórico das revoluções francesa e russa foram as forças políticas de oposição, que se uniram apenas em função da tomada do poder.

 

O objetivo desse artigo, diante disso, será o de apontar quais as principais diretrizes ideológicas que se mobilizaram para combater o governo "cientificista e positivista" de Porfírio Diaz. As condições estruturais estavam criadas. O México, no final do século XIX e início do XX, estava diante de uma das piores distribuições de renda daquele período.

 

Uma elite minoritária, produtora da opinião pública, convivia, nem sempre de forma pacífica, com uma grande maioria da população desempregada ou subempregada. O homem do campo, enquanto isso, estava na beira da proletarização, somando-se a um operariado que não se encontrava em situação melhor.

 

A cartilha positivista do porfirismo, no entanto, também desagradava a uma parte da burguesia mexicana. Influenciada pelo capitalismo liberal, em plena efervescência dos grandes centros urbanos europeus, essa elite burguesa se uniu estrategicamente à esquerda revolucionária gerando uma oposição extremamente complexa e não poucas vezes dúbia e contraditória.

 

Nesse contexto, a frente de luta revolucionária ficou dividida, de um lado, entre o grupo liberal democrata e burguês, representado, entre outros, por Camilo Arriaga e Francisco Madero; de outro lado, estavam Pancho Villa e Emiliano Zapata, os protagonistas da esquerda mais radical.

 

Conectados a um liberalismo mais radical no início e posteriormente a teorias anarquistas, os irmãos Flores Magóns também influenciaram substancialmente a revolução. De origem pequeno-burguesa, eles atuaram principalmente no movimento estudantil e nos meios de comunicação alternativos, dando sempre ênfase aos problemas sociais e políticos do México. Os irmãos Magóns defenderam, em linhas gerais, uma espécie de coligação com os operários e camponeses na luta contra a desigualdade gerada pelo governo Diaz.

 

No início, todas essas forças revolucionárias se agruparam nos chamados clubes políticos, tais como o Círculo Liberal Ponciano Arriaga. Desses grupos, nasceram os partidos políticos que, cada um à sua maneira, passaram a brigar pela transição do poder. Entre esses partidos, o Partido Liberal Mexicano (PLM) sofreu nítidas influências do liberalismo do século XIX. O PLM representou ainda uma tentativa de resgatar a Constituição de 1857, algo como um sonho saudosista da época de Benito Juárez e das reformas liberais.

 

Até os Magóns, pelo menos no início, foram influenciados por essa linha de ação, mas já apontando para um projeto mais transformador quando criaram o jornal "Regeneración", enquanto os liberais lançaram o jornal "Renacimiento". Dois congressos foram realizados entre 1900 e 1901 e, como resposta à repressão desencadeada por Porfírio Diaz, o tema defendido pela oposição, já a partir de 1903, foi o da não reeleição.

 

Dando um pequeno salto na História, Porfírio Diaz, para surpresa de muitos, anunciou a sua intenção de renunciar, o que, em 1908, desestruturou a oposição já em pé de guerra. Foi nesse instante, por outro lado, que os partidos políticos de oposição foram se definindo em nome da conquista do poder.

 

O Partido Nacional Democrático, liderado por Madero, passou a defender abertamente o retorno ao liberalismo, o que desencadeou uma crítica mais à esquerda de que ele estaria preservando a figura política de Porfírio Diaz. Também a partir de Madero surge, em 1909, o Partido Anti-reelecionista, que englobava parte da classe média descontente com o governo de Porfírio Diaz, profissionais liberais e a chamada "nova classe mercantil e industrial do norte e nordeste".

 

Acreditando em uma transição pacífica, Madero se lança candidato. A eleição realizada em junho de 1910, no entanto, deu a vitória justamente a Porfírio Diaz, que havia anunciado a renúncia ao poder. O terror e a ditadura, portanto, permaneceram de pé, o que levou ao exílio tanto Madero como os irmãos Magóns, entre outros oposicionistas.

 

Madero, diante dessa nova realidade, radicaliza a sua posição política e propõe a insurreição armada. A partir daí, a população do norte passou a se mobilizar, liderada por Villa, o mesmo acontecendo com o sul de Zapata. Historicamente, a Revolução Mexicana de 1910 ficou marcada como tendo sido realizada no dia 20 de novembro desse ano.

 

Porfírio Diaz ainda tenta frear a revolução apelando para o governo norte-americano, mas não obteve sucesso. No entanto, novembro de 1910 foi apenas o início de algo bem maior e complexo, de trilhos escorregadios por terem, em suas entrelinhas, os mais diversos interesses políticos e ideológicos. Por conta disso, muitos pesquisadores das ciências humanas chamam esse momento de "revolução inacabada". Temos ainda a célebre obra de Adolfo Gilly, "La Revolución Interrumpida", na qual o autor coloca esse momento histórico como uma resposta ao avanço indiscriminado de um modo de pensar egocêntrico e anti-coletivo.

 

Utilizando as próprias palavras de Adolfo Gilly, "o capitalismo, com sua doutrina individualista, com sua oposição a toda forma de organização autônoma das massas, necessita acabar com essa forma de organização camponesa que eram os povos livres norteados em torno de suas terras comunitárias".

 

No entanto, acrescenta Adolfo Gilly, os indígenas e camponeses resistiram, não foram eliminados por completo e muito menos perderam suas características particularidades. Mas que singularidades são essas e por que o avanço avassalador de um sistema que não perdoa obstáculos de qualquer natureza não conseguiu liquidar os chamados "povos livres"? Esse é um tema para artigos futuros, sendo que o próximo irá priorizar o papel político de Villa e Zapata no processo revolucionário.

 

Leia mais:

 

Antecedentes da Revolução Mexicana de 1910 (1)

Antecedentes da Revolução Mexicana de 1910 (2)

 

Guga Dorea é jornalista e cientista político. Atualmente é colaborador do projeto Xojobil e integrante do Instituto Futuro Educação (IFE).

 

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