A era Benito Juárez e a história do liberalismo no México

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Guga Dorea
11/05/2010

 

Considerado por muitos como um herói da pátria e por outros o personagem que por sua visão liberal de mundo veio a defender os interesses da classe burguesa daquele país, esquecendo a miséria e exclusão da grande maioria da população, Benito Juárez foi um dos principais precursores do que é o Estado mexicano contemporâneo.

 

Segundo Carlos Monsiváis, em entrevista concedida ao Masionare, suplemento do Jornal mexicano La Jornada, no dia 26 de fevereiro de 2006, "que nenhuma pessoa, por mais extraordinária que seja, forja um Estado-Nação. A própria idéia de forjar é inaplicável. Dito isso, e garantida a humildade das contribuições pessoais, sem Benito Juárez o Estado que conhecemos seria algo muito diferente".

 

Benito Juárez não governou para os índios, mas foi o primeiro e único presidente indígena mexicano do México moderno. Para Monsiváis, na mesma entrevista, ele jamais abandonou as suas origens. No entanto, uma de suas ações, no período em que foi governante, foi a de retirar as terras dos indígenas, sob a alegação de que a agricultura mexicana deveria acompanhar o ritmo e o desenvolvimento frenético do mercado capitalista "civilizatório".

 

Por outro lado, revelando-se uma figura carismática e contraditória, Benito Juárez combateu radicalmente qualquer racismo contra os indígenas, apesar de sabermos que o preconceito jamais deixou de ser uma realidade no México. "Depois de 1867, ser racista à custa de Juárez foi a estratégia preferida da direita ansiosa por ressuscitar Maximiliano", enfatizou ainda Monsiváis.

 

Sempre visto, até pelos seus opositores, como um homem de ação e pensamento, Juárez defendeu a liberdade de imprensa, de cultos religiosos e do indivíduo como motores para o desenvolvimento da História e do progresso. Republicano de coração, lutou pela implantação da democracia liberal e representativa no México, contra a monarquia e o poder absoluto da Igreja. Combateu a intervenção francesa (1864/1867), que tentou empossar Maximiliano como imperador de um México que o estadista Benito Juárez empregava todas as suas forças para não retornar mais.

 

O seu primeiro cargo político foi o de governador do Estado de Oaxaca (1847/1853). Como opositor da corrupta ditadura de Antônio López de Santa Anna, chegou a ser exilado. Em 1854, começou a esboçar o México liberal ao ajudar a criar o Plano de Ayutla, levando os liberais a se armarem e lutarem contra a ditadura de Santa Anna, que renunciou em 1855, seguido da posse interina de Juan Alvarez para, na seqüência, Ignácio Comonfort assumir a presidência do México. Nesse período, Benito Juárez retornou do exílio e se tornou presidente do Supremo Tribunal da Justiça.

 

Antes mesmo da posse de Juárez na presidência do México, Comonfort, apesar de instável politicamente, proclamou em seu governo a Constituição de 1857 que, com forte tendência liberal, retirou da Igreja Católica o título de religião oficial do país.

 

Com a saída de Comonfort, como já assinalado no último artigo, Benito Juárez assume a presidência, mas não sem encontrar barreiras, inclusive bélicas, pela frente. Félix

 

Maria Zuloaga é proclamado presidente paralelo do México, em nome dos conservadores, dando início à chamada Guerra da Reforma. Ao seu término, os liberais se consolidam no poder, promulgando-se as chamadas leis da reforma, que estabeleceram o rompimento político com a Igreja Católica (laicização do Estado), a anulação dos privilégios do clero e a nacionalização de suas terras, entre outras leis nitidamente liberais.

 

Tendo ainda de combater o governo de Zuloaga, Benito Juárez chegou ao poder, sem a duplicidade na presidência da República, em 31 de janeiro de 1861. Pela primeira vez, a imprensa é livre, apesar de a maioria dos jornais passar a ser o instrumento dos setores mais radicais da lógica liberal, o que gerou um impacto determinante na opinião pública mexicana.

 

O jornal La Orquestra, só para citar um dos exemplos mais significativos, chegou a apontar as contradições do próprio Benito Juárez quando apóia algumas de suas ações políticas e ideológicas, como a implantação de um Estado laico e do matrimônio civil, mas combate as suas medidas econômicas que extinguem as terras comunais indígenas.

 

O jornal também publica artigos defendendo a repartição das terras e o estabelecimento de empresas estatais, além da educação pública e gratuita, contrapondo-se ao ideal liberal que prevê o Estado mínimo e a privatização. Segundo alguns especialistas na História do México, já era uma nítida influência do que seria promulgado logo em seguida pelo Manifesto do Partido Comunista, de Karl Marx e Frederico Engels.

 

No período da intervenção francesa, no entanto, o La Orquestra fez uma campanha pró-Juárez e chama a população a apoiar o governo vigente. Nascido em 21 de março de 1806, Juárez governou o México desde 1858 até sua morte, em 18 de julho de 1872. Nesse período, venceu definitivamente as forças conservadoras que tentavam retornar ao poder, ficando para o México como um dos governantes mais amados de sua História.

 

Tendo sempre o apoio dos Estados Unidos, ele não teve passado militar, como os governantes anteriores, apesar de ser lembrado como um combatente de extrema habilidade e astúcia. Com a entrada no país da expedição francesa, enviada por Napoleão III, Juárez liderou uma luta armada que se estendeu por três anos (1864-1867), que culminou com a derrota de Maximiliano em Querétaro e o seu retorno triunfal ao poder após o fuzilamento do até então imperador.

 

Um dos seus grandes feitos, que levou a França, com o apoio inicial do Reino Unido e da Espanha, a intervir no México, foi o de suspender os pagamentos dos juros referentes a diversos empréstimos contraídos por governos que o antecederam. "Trata-se de pôr em perigo nossa nação, e eu, que por meus princípios e juramentos sou o chamado a sustentar a integridade nacional, a soberania e a independência, tenho que trabalhar ativamente, multiplicando meus esforços para corresponder o depósito sagrada da Nação, que no exercicio de suas faculdades me confiou", revelou o próprio Benito Juárez em carta direcionado a Maximiliano.

 

O verdadeiro pêndulo político que se instaurou no México moderno não encontrou momentos de paz mesmo com a derrubada de Maximiliano e a restauração da República, na considerada vitória derradeira dos liberais contra os saudosistas de um período histórico materializado pelo poder absoluto do clero. Novos conflitos entre os liberais e uma nova onda conservadora, só que agora com um verniz de modernidade, se instaurou em pleno governo do índio Zapoteca Benito Juárez.

 

Após a sua morte, Sebastián Lerdo de Tejada assumiu a presidência levando a lógica liberal, já solidificada, às últimas conseqüências. Essa radicalização fez com que os chamados porfiristas pegassem em armas derrotando Sebastián em sua tentativa de reeleição. Na prática, os seguidores de Porfírio Diaz já estavam descontentes com o longo tempo de poder de Benito Juarez. Diaz assume o poder em 1876, dando seqüência à conturbada e instigante historiografia mexicana.

 

Para alguns pesquisadores, trata-se aqui de uma continuidade no processo de modernização do México. Outros, no entanto, defendem a hipótese de que a ditadura implantada por Porfírio Diaz, representada pelo lema positivista "ordem e progresso", rompeu com os ideais liberais defendidos por Benito Juárez.

 

Guga Dorea é jornalista e cientista político. Atualmente é colaborador do Projeto Xojobil e integrante do Instituto Futuro Educação (IFE).

 

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