Correio da Cidadania

Antecedentes da Revolução Mexicana de 1910 (2)

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Qual é o legado do estadista liberal Benito Juárez para o México contemporâneo, em plena comemoração dos 100 anos de sua revolução? Com essa questão, entre outras, encerrei meu último artigo no Correio da Cidadania. Figura expoente daquele país na segunda metade do século XIX, Benito Juárez foi um dos principais precursores do que o México e a América Latina são hoje.

 

Logo após a declaração de independência do país em 1810, comemorada oficialmente pelo México no dia 16 de setembro, o que predominou no país foi uma árdua luta, muitas vezes sangrenta, entre três forças, antagônicas na grande maioria das vezes, mas semelhantes em outras: conservadores, moderados e liberais.

 

Em uma breve passagem pela lógica política de cada uma dessas correntes, os moderados almejavam o retorno do período colonial, com a volta do poder hegemônico da Igreja Católica. Nesse período, convém frisar, os conquistadores espanhóis e seus descendentes brancos eram os proprietários da maior parte da até então chamada Nueva España, que englobava não só o México de hoje, mas grande parte da América Central até a Costa Rica, incluindo o atual sudoeste dos Estados Unidos.

 

A luta pela independência, para localizar com maior precisão na História, só foi conquistada oficialmente no dia 24 de agosto de 1821, com a assinatura do Tratado de Córdoba, ratificando o Plano de Iguala. Entre 1810 e 1821, portanto, travou-se a luta pela independência liderada pelo padre de ascendência européia e grande estudioso da teoria liberal, Miguel Hidalgo.

 

Com o grito "Viva La Independencia, viva La Virgen de Guadalupe, Muera el mal gobierno", esse general lançou as bases para a libertação do México da dominação espanhola e dos poderes absolutos implantados pela Igreja Católica. Hidalgo, no entanto, foi perseguido, derrotado e morto por forças contrárias até que, em 1821, Agustín de Iturbide, general espanhol que passou para o lado dos independentistas, se auto-proclamou imperador.

 

Oficial monarquista na guerra pela independência, Agustín falhou em sua tentativa de combater o líder insurgente Vicente Guerrero. Por conta disso, aliou-se a Guerrero em um acontecimento conhecido como "Abraço de Acatempan". Dois anos depois, vale a pena enfatizar, uma rebelião contra Agustín, em 1823, gerou a criação dos Estados Unidos do México e, no ano seguinte, Guadalupe Victoria tornou-se o primeiro presidente da República mexicana.

 

Outra figura histórica importante naquele período foi o ditador Antonio López de Santa Anna, período em que o México perdeu parte de seu território para os Estados Unidos, não só devido à guerra contra os estadunidenses (1846-48), mas pelas terras vendidas pelo próprio ditador.

 

Em 1855, dando um pequeno salto nessa curta historiografia, o líder dos moderados, Ignacio Comonfort, foi eleito presidente. A aprovação da Constituição Mexicana de 1857, que ocorreu em seu governo, foi uma tentativa dos moderados para encontrar um meio termo entre o passado colonial e o futuro liberal. Explicando melhor, essa Constituição manteve parte dos privilégios da Igreja, mas tirou dela o título de religião oficial do país, o que desagradou tanto os liberais como os conservadores.

 

Todo esse processo gerou a chamada Guerra da Reforma (dezembro de 1857 a janeiro de 1861), momento histórico fundamental para entendermos a concepção do que é o México hoje. O que ocorreu, nesse período, foi uma intensa polarização muitas vezes sangrenta, entre as três forças, que buscavam a sua hegemonia política. Uma verdadeira gangorra se instalou no território mexicano quando os moderados passaram, em um momento inicial, para o lado dos liberais contra os conservadores e o ainda poder excessivo da igreja.

 

Vale lembrar que no período em que Comonfort era presidente, Benito Juárez era presidente do Supremo Tribunal de Justiça, significando que ele assumiria o poder máximo em caso de afastamento do presidente eleito. Como reflexo dos conflitos, cada vez mais violentos, Comonfort debandou-se para os conservadores, chegando inclusive a prender Benito Juárez e a suprimir alguns preceitos constitucionais relativos às garantias e liberdades individuais.

 

Foi aí que o México ficou dividido entre os que apoiavam o retrocesso e os defensores da ordem constitucional vigente. Aproveitando a fraqueza e a insegurança de Comonfort, os conservadores passaram então a forçar o executivo a revogar cada vez mais as reformas liberais previstas pela Constituição.

 

Inseguro politicamente, o então presidente voltou atrás em sua decisão de se juntar aos saudosistas de um passado colonial. Rompeu definitivamente com os conservadores e voltou aos braços dos liberais, chegando até a libertar Benito Juárez da prisão. Imerso em uma guerra civil e com um governo extremamente instável, Comonfort não suportou as pressões políticas de todos os lados, abandonou seu posto no Executivo e abriu as portas para uma luta derradeira entre conservadores, moderados e liberais.

 

Liderados por Benito Juarez, que na qualidade de presidente do STJ assumiu oficialmente o posto de presidente, os liberais montam seu governo, que se estabelece na cidade de Vera Cruz. No entanto, o conservador Félix Zuloaga é proclamado presidente e faz o mesmo na Cidade do México.

 

A guerra civil entre esses dois governos torna os liberais itinerantes, que após sofrerem algumas derrotas fixam seu poder na cidade de Vera Cruz, de onde nascem as leis da Reforma, proclamando-se oficialmente a laicização do Estado e a nacionalização dos bens da igreja.

 

Porém, a luta continuou. Em janeiro de 1859, os conservadores nomeiam Miguel Miramón presidente, mas esse não consegue desalojar Benito Juarez de Vera Cruz. Os EUA, enquanto isso, reconhecem o governo liberal de Benito Juárez que, ao vencer a facção conservadora, assume o poder de vez instalando seu governo na Cidade do México.

 

Foi aí que o governo de Juárez forjou de vez o que seria uma concepção de modernidade para o México, mas não sem passar por intempéries e trovoadas no caminho. O mandato presidencial de Juárez (1858-1871) foi interrompido pela ingerência da França que, ao lado dos conservadores, chegou a reinstaurar uma monarquia limitada, colocando no poder o imperador Maximiliano de Habsburgo.

 

O resultado não poderia ser outro. Maximiliano desagradou tanto os conservadores, ansiosos pela volta de uma monarquia absoluta, como os liberais, que desejavam o fim definitivo do passado colonial. Como Benito Juárez manteve seu governo intacto mesmo durante a intervenção francesa, instalou-se de vez a República mexicana em 1867, inclusive com a elaboração de uma nova Constituição genuinamente liberal do ponto de vista político, social e cultural.

 

Ressentidos, os conservadores implantaram o chamado Plano de Tuxtepec (1876), após desencadearem uma rebelião contra Juárez, liderada pelo general Porfírio Díaz, que desempossa o governo vigente e é empossado como o novo presidente mexicano. É possível dizer, nessa perspectiva, que o México de hoje talvez seja uma mistura política deixada por essas duas eminentes e controversas figuras, ambas apontando sua flecha para o México moderno.

 

Esse, no entanto, é um assunto para ser debatido no próximo artigo. Quais são as diferenças e semelhanças entre essas duas concepções políticas, uma genuinamente liberal (Benito Juarez) e a outra se declarando positivista e cientificista? Até a próxima.

 

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Guga Dorea é jornalista e cientista político. É atualmente colaborador do Projeto Xojobil e integrante do Instituto Futuro

 

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