Referendo na Venezuela expressa quadro democrático e tendência histórica

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Gabriel Brito
18/02/2009

 

No último domingo, 15, Hugo Chávez venceu o referendo que colocava em questão a emenda que permite reeleições ilimitadas. Para analisar o impacto do resultado, o Correio da Cidadania conversou com o jornalista Gilberto Maringoni, para quem Chávez não representa perigo para a democracia, pois, apesar de seus desejos de continuísmo, aumentou consideravelmente a participação popular nas eleições, sendo que se mantêm os direitos civis e a liberdade de imprensa intactos.

 

O autor do livro "A Venezuela que se inventa" afirma que a qualidade de uma democracia não depende do tempo no poder de um governante, mas sim de como se conduz a sociedade em seu dia-a-dia. Como paralelo, cita governos parlamentaristas europeus cujos líderes também ficaram longo período no poder.

 

Maringoni, no entanto, alerta para o perigo que se avizinha das economias dos países de governos progressistas da região, muito dependentes das, agora, desvalorizadas commodities. Para ele, o cenário com o qual nos depararemos na Venezuela e em toda a região é uma grande incógnita.

 

Correio da Cidadania: Encerrado o referendo, o que o resultado significa em si, uma vez que Chávez havia sido derrotado na tentativa anterior de passar a emenda das reeleições ilimitadas?

 

Gilberto Maringoni: Desde 1998, houve 15 votações na Venezuela, e em todas elas o governo estava sob questão. É uma média superior a uma votação por ano, algo raro de se encontrar em qualquer lugar do mundo. O interessante é que se pegarmos os números dessa vitória do Chávez (59,5%), compararmos com a primeira eleição dele - de 1998 (56% dos votos) e observarmos também as demais votações, vemos que há uma constância, exceto pelo referendo no final de 2007, quando estava colocada a mesma emenda da reeleição ilimitada.

 

Em primeiro lugar, vemos um traço muito importante. O Chávez na Venezuela representa uma opinião arraigada e consolidada, não se trata de uma votação episódica. Ele oscila um pouco, mas tem mais da metade da sociedade a seu lado. E o interessante é que o índice de abstenção foi baixo, cerca de 70% dos eleitores compareceram, o que na Venezuela é bastante, já que o voto não é obrigatório, pois mesmo sob Chávez houve eleições com comparecimento de 35%, 40%. E com o fim do analfabetismo na Venezuela, o eleitorado cresceu.

 

Além disso, há o seguinte: onde ele perdeu as eleições de dezembro de 2008, obteve uma votação menor também agora. O referendo expressa um quadro sem fraudes e uma tendência histórica.

 

CC: Como você avalia a proposição em si? Por que Chávez tomou essa iniciativa?

 

GM: Primeiramente, devemos observar que isso não significa uma perpetuação garantida no poder, mas sim que ele poderá se candidatar mais vezes. Outra coisa: quem começou com a tendência de abrir a possibilidade de reeleições na América Latina não foi a esquerda, mas sim a direita, através de Menem, Fujimori e FHC. Ademais, o instituto da reeleição em si não indica que um país seja mais ou menos democrático. Os países parlamentaristas europeus têm seus exemplos. Thatcher ficou 11 anos no poder, Felipe González ficou 14, entre outros, chefes de Estado de fato, e que ficaram enquanto tiveram apoio do parlamento.

 

Na ditadura militar do Brasil os presidentes ficavam cinco anos cada no poder, havia um rodízio entre os generais. Médici, Geisel, Figueiredo, Castelo Branco se alternavam e o país vivia sob uma ditadura. Portanto, não é o tempo de permanência no poder que define alguma coisa, mas sim os métodos e procedimentos de como se democratiza a vida.

 

A democracia não é um regime perfeito; existem problemas na Venezuela, nos EUA e nos países europeus. Cada lugar tem uma democracia funcionando à sua maneira e a Venezuela é um país em que há separação de poderes, a imprensa trabalha livremente, os direitos civis estão assegurados etc.

 

Pessoalmente, acho que mesmo com essa possibilidade de reeleições infinitas é positivo que haja uma alternância no poder, que surjam novas lideranças. E reitero que não é uma reeleição ou não que definirá a qualidade de uma democracia, mas sim a dinâmica do dia-a-dia, da luta política e também o surgimento dessas novas lideranças.

 

CC: Mas o que pensa dos planos de continuidade do Chávez, especificamente, que já aventou até mesmo a hipótese de tentar ficar no poder até 2039?

 

GM: Não é um problema sério, pois ele pode perder as eleições também. A oposição teve 45% dos votos. Não é uma eleição que representa uma superioridade histórica, de 80%, 90%. E essa história pode se reverter. Como em 2007.

 

É um direito dele ficar mais tempo, mas não é a mera intenção que definirá isso.

 

CC: Há algum aspecto positivo nesse continuísmo para a Venezuela e a América Latina?

 

GM: Eu pessoalmente não acho que o melhor seja a permanência de alguém por muito tempo no poder, é muito bom que haja disputa. Mas isso está garantido na Venezuela, pois não ficou estabelecido que o Chávez ficará no poder até 2039.

 

Porém, até aqui seu governo foi extremamente positivo para a Venezuela e também para a América Latina. Os indicadores sociais subiram, os salários reais aumentaram, o desemprego caiu... Tudo também foi muito favorecido, obviamente, pela alta do petróleo nos últimos 4, 5 anos, até meados do ano passado.

 

O grande problema, e por isso o Chávez colocou a votação em jogo agora, é o cenário futuro, de médio prazo, que se apresenta difícil. Para os demais países também, mas no caso da Venezuela há o problema da dependência do petróleo, de uma economia extrativista, cuja extração desse fóssil responde por mais de 70% das exportações do país. A queda do seu preço acarretará sérios problemas, reduzindo os recursos do Estado.

 

Portanto, os serviços estatais, as missões de bairro, a própria gestão da coisa pública sofrerão muitas dificuldades por conta dessa baixa do petróleo. Eis o grande problema.

 

Na conjuntura latino-americana a crise econômica coloca uma sinuca para os países da região. Todos os países exportadores de commodities sofrerão conseqüências graves por conta da queda de seus preços.

 

Os governos progressistas da região estiveram associados a um período de bonança, crescimento e melhoria de vida. A grande incógnita é como será a partir de agora com os resultados da crise e quais serão as conseqüências políticas na Bolívia, Venezuela, Paraguai, Equador e também Brasil.

 

CC: A emenda não é perigosa no sentido de que, em caso de reviravolta política, mesmo a longo prazo, pode se tornar um instrumento valioso para um governo antipopular?

 

GM: Sim e não. Porque se for um governo que se submete a eleições, está dentro da regra do jogo.

 

Quero destacar que não se aumentou o mandato do Chávez até 2039, não foram destruídos os partidos de oposição, que, aliás, está mais ativa no plano institucional do que antes. Isso porque ela aderiu ao jogo institucional, mostrando sua força em 2007, 2008 e agora também.

 

A democracia está funcionando, e muito por conta de o governo Chávez ter aumentado a participação das pessoas nesse processo.

 

O número de votantes aumentou praticamente 20% entre 1998 e 2009, um crescimento bem superior ao próprio aumento proporcional da população. A abstenção caiu nos últimos anos, e em grande parte porque a oposição também se inseriu no jogo democrático.

 

Como o voto não é obrigatório, o governo chama seus apoiadores para votar, mas eles podem não ir. O fato de existir um aumento da votação significa que as pessoas estão mais interessadas em participar do processo político. Não é só uso da máquina, como diz a imprensa. Os dois lados fizeram força para trazer seus eleitores e a disputa se deu voto a voto.

 

CC: Você acredita, de todo modo, que houve um abuso no uso da máquina governamental por parte do governo?

 

GM: Não posso afirmar, pois não estive lá. No entanto, pelo que conversei com algumas pessoas, se, de um lado, o governo usa a máquina oficial, a oposição tem à sua disposição todos os canais privados, o capital financeiro e os ricos, todos alinhados a ela. Cada um lançou mão de todos os recursos que tinha ao seu alcance.

 

Gabriel Brito é jornalista.

 

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