A Revolução Mexicana em perspectiva

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Grupo São Paulo
02/10/2008

 

O candidato López Obrador, cuja eleição foi roubada em 2006, declarou um estado de alerta contra a eventual aprovação da reforma energética privatizadora no México, nessa primeira quinzena de setembro. Isso trouxe de volta ao cenário político internacional os reflexos positivos e negativos da revolução mexicana de 1910-1920. Nesse contexto, é objetivo desse artigo apontar possíveis limites, avanços e perspectivas desse momento histórico nos dias de hoje. A revolução, e suas ramificações ideológicas, só podem ser compreendidas se a colocarmos a partir de seus antecedentes, sobretudo no final do século XIX, quando começou a ser forjado o processo de formação do chamado capitalismo monopolista naquele país.

 

Nesse período, verificou-se uma tentativa por parte da chamada "elite crioula", brancos descendentes da colonização espanhola nascidos no México, da criação do que era chamado de nação mexicana. Após a independência do México, a "elite crioula" assume o poder com os liberais. Esse processo se intensifica com maior clareza no período que Porfírio Diaz, em função de uma suposta modernização do país, governou ditatorialmente o México entre os anos de 1879– 1910.

 

Em nome do progresso capitalista, iniciou-se então uma política de extermínio tanto de camponeses como das etnias indígenas e de suas organizações autônomas, intimamente ligadas às terras comunais. Na prática, foi uma tentativa de unificação da sociedade mexicana provocada pelo capitalismo internacional. Buscou-se a consolidação de uma democracia liberal, a partir da Constituição mexicana de 1857.

 

Essa visão unilateral da história do México priorizou a idéia de que uma nova nação só sairia do papel quando as diferenças fossem sobrepujadas pela noção abstrata de um contrato social entre indivíduos iguais, no qual a heterogeneidade perdeu o seu contorno em nome da homogeneidade. Os indígenas e camponeses não foram convidados para esse pacto nacional.

 

No entanto, continuaram resistindo movidos pela defesa de suas terras, costumes e de suas relações sociais, sendo gerado a partir daí o programa agrário da revolução. Na prática, foram os próprios povos organizados que criaram os mais importantes líderes populares desse momento histórico: Zapata e Villa. A constituição de 1917, como reflexo dessa luta, incluiu as conquistas revolucionárias expressadas e votadas pelos zapatistas, villistas e as alas radicais dos carrancistas e magonistas. Mesmo não tendo ultrapassado os marcos da propriedade burguesa, ela chegou a declarar inconstitucional uma das bases de funcionamento do capitalismo: os grandes proprietários e os latifúndios.

 

Foi nos anos 30, no entanto, que o então presidente Lázaro Cardenas procurou efetivar alguns fundamentos realmente populares conquistados pela revolução e outorgados pela constituição. Por outro lado, com a criação do Partido Revolucionário Institucional (PRI), os caudilhistas da revolução tentaram organizar e cooptar as forças políticas revolucionárias de fato, sobretudo camponesas e operárias, transformando-as em corporações no interior de um mesmo partido político. Foi aí que o México começou a vivenciar uma das ditaduras, fantasiada de democracia liberal e burguesa, mais longas da humanidade.

 

A partir de 1982, em um claro continuísmo desse longo período, intensificou-se no México o processo de desarticulação total das conquistas sociais e políticas da revolução com as pretensões privatizantes do capitalismo transnacional, dos organismos financeiros multilaterais e da tecnoburocracia. A História do México, segundo Pablo González Casanova, pode resumir-se na ocupação integral tanto da nação como do Estado, que está tendo seu compromisso cada vez mais reduzido a um mero assistencialismo transitório e particular. A privatização, nesse sentido, é o novo nome da ocupação no México.

 

As vertentes populares da revolução, no entanto, não se perderam. Seguiram e seguem sendo uma fonte de identidade, articulação e legitimidade para as expressões de resistência dos trabalhadores do campo e da cidade. Na expressão do Subcomandante Marcos, a luta continua a ser pela democracia, liberdade, justiça e pelo respeito às diferenças. "Não pretendemos um mundo zapatista. Não pretendemos que todos se façam indígenas. Nós queremos um lugar aqui, o nosso, que nos deixem em paz, que ninguém mande em nós. Nosso pensamento segue sendo o mesmo: não buscamos a tomada do poder, pensamos que as coisas se constroem desde baixo".

 

Na revolução mexicana, os camponeses contaram com uma forma de organização própria e tradicional, os Calpulli, distritos rurais autogeridos. Trata-se de uma forma herdada de séculos que o capitalismo monopolista não conseguiu eliminar. Vê-se, portanto, que a luta pela autonomia persiste e resiste até os dias de hoje, sendo esse o maior legado político deixado pela revolução.

 

Alejandro Buenrostro y Arellano, Guga Dorea, Marietta Sampaio, Elisa Helena Rocha de Carvalho, José Juliano de Carvalho Filho, do Grupo de São Paulo - um grupo de 10 pessoas que se revezam na redação e revisão coletiva dos artigos de análise de Contexto Internacional do Boletim Rede, editado pelo Centro Alceu Amoroso Lima para a Liberdade, de Petrópolis, RJ.

 

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Artigo publicado na edição de setembro de 2008 do Boletim Rede.

 

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