Correio da Cidadania

O mito da idade mínima

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Co-autor de um projeto de reforma previdenciária elaborado sob encomenda de entidades de classe do setor financeiro, o economista Fabio Giambiagi (Valor Econômico, 30/07) defende o estabelecimento de uma idade mínima para a aposentadoria por tempo de contribuição no Regime Geral de Previdência Social.

 

A medida tem sua necessidade alardeada a partir de uma série de idéias falsas. A primeira delas é a velha história da inversão da pirâmide demográfica.

 

No Brasil, para cada idoso, há dez pessoas em idade de trabalhar. Segundo o próprio Giambiagi, em seu Diagnóstico da Previdência Social (IPEA, 2004), o número de beneficiários do INSS crescerá, até 2030, 3,1% ao ano. Para que a relação gasto do INSS/PIB diminua, basta que a economia cresça mais que isso. É verdade que a elevação do piso previdenciário também pressiona a despesa, mas, como Giambiagi não leva em conta os efeitos do crescimento do PIB sobre o emprego e consequentemente sobre a redução do número de aposentadorias, consideramos que as duas variáveis se anulam.

 

É preciso enfrentar também o problema do desemprego e da informalidade: para cada trabalhador em idade ativa descontando para o INSS, há 1,7 sem nenhuma cobertura previdenciária. O cerne da questão não está na pirâmide etária, mas na política econômica – mesmo porque permitir que as pessoas se aposentem mais cedo não aumenta os gastos do governo. Por força da sistemática de cálculo instituída a partir de 1999 (fator previdenciário), a idade pesa mais na definição do valor da aposentadoria por tempo de contribuição do que o próprio tempo de contribuição. O gasto do INSS se dilui ou se concentra no tempo conforme o trabalhador escolha receber uma aposentadoria menor por mais tempo ou uma maior por menos tempo; seu valor, todavia, pouco se altera.

 

Giambiagi afirma também que aposentadorias aos 55 anos são precoces. Mais um mito. Para atividades que demandam esforço físico, repetição de movimentos ou atributos como acuidade visual e bons reflexos, 50 anos já é uma idade alta.

 

Uma coisa é pedir a um cientista que não pare de trabalhar no auge da maturidade intelectual. Ele pode ser estimulado a permanecer em atividade através de um abono, como o INSS fazia até 1994 e a EC 41 estabeleceu para os servidores. Mas impedir um pedreiro, um motorista de ônibus ou mesmo uma telefonista de aposentar-se antes dos 60 anos é duplamente injusto. Além de essas atividades tornarem-se penosas com a idade, são justamente essas pessoas que começam a trabalhar mais cedo. Com a mudança proposta, elas se aposentariam com a mesma idade que os filhos das classes média e alta, que iniciam sua vida laboral mais tarde e vivem mais.

 

Giambiagi tenta negar essa distorção afirmando que “a aposentadoria por tempo de contribuição é tipicamente de classe média”. Uma simples pesquisa por amostragem no Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS) desmentirá esta afirmativa. A maioria dos detentores deste benefício é formada por pessoas das classes C e D. O valor médio das aposentadorias por tempo de contribuição concedidas em junho foi de R$ 999,82. É verdade que o cumprimento do requisito de 35 ou 30 anos de contribuição depende da permanência do trabalhador no mercado formal durante esse tempo, o que, em setores caracterizados pela alta informalidade e rotatividade de mão-de-obra, se tornou inviável. Mas defender restrições à aposentadoria com base nisso é usar uma iniqüidade para justificar outra.

 

Tampouco é certo que, “aos 60 anos, o trabalhador que tiver começado a trabalhar aos 15 anos irá multiplicar o seu salário médio de contribuição por um fator previdenciário de 1,17 e quem tiver começado a trabalhar aos 22 anos por um fator de apenas 0.97” e que, portanto, a injustiça seria corrigida pelo peso da idade no valor do benefício, como afirma o economista.

 

Embora permitir que o trabalhador se aposente mais cedo não aumente o valor total do que o INSS lhe pagará durante a vida, obrigá-lo a se aposentar muito tarde pode deprimir bastante o valor de seu benefício. Esta mágica acontece pela via torta do desemprego, conjugada com o diabólico sistema do fator previdenciário.

 

Para chegar aos 60 anos com um fator de 1,17, não basta que o trabalhador comece a contribuir aos 15 anos. É necessário que, dos 15 aos 60, seu fluxo de contribuições seja ininterrupto. Ora, no caso do trabalhador menos qualificado (principalmente o braçal), o mais provável é que ele perca o emprego por volta dos 50 anos. Neste caso, até que complete 60, o valor de sua contribuição será zero (quando muito, com a renda de alguns bicos, conseguirá contribuir em carnê sobre o valor mínimo). Como a aposentadoria é calculada pela aplicação do fator previdenciário ao valor médio sobre o qual o trabalhador recolhe, esses anos de contribuição mínima ou zero farão cair brutalmente o valor do benefício.

 

Giambiagi argumenta que a dificuldade para encontrar emprego não dá a ninguém o direito de se aposentar nos EUA, Suécia, Argentina ou Peru. Omite que na Alemanha – cuja expectativa de vida é 8 anos maior que a nossa – , o desemprego ou subemprego autoriza o trabalhador a antecipar a aposentadoria com drástica redução da idade mínima, que se torna semelhante àquela com que os brasileiros se aposentam por tempo de contribuição.

 

Omite também que, na maioria dos países, a dificuldade para encontrar emprego após os 50 anos permite o recebimento de generosíssimas prestações de seguro-desemprego. Este benefício, que no Brasil não dura mais que 5 meses e tem teto de R$ 710,97, é pago sem limite de valor na maioria dos países europeus durante um período de 5 anos (França), 4 anos (Dinamarca) ou sem limite de tempo (Alemanha). De uma maneira ou de outra, qualquer país tem gastos previdenciários com adultos em idade produtiva.

 

Esses gastos, além de um relevante papel social, cumprem uma função econômica importante: a de regular a oferta de mão-de-obra. Diminuindo o número de braços disponíveis, os sistemas de seguro-desemprego europeus e a aposentadoria por tempo de contribuição no Brasil estancam a queda dos salários, o que tem impacto positivo sobre a arrecadação previdenciária.

 

Monetaristas como Giambiagi não percebem isso porque são metodologicamente cegos aos efeitos econômicos positivos do gasto social, assim como ao impacto negativo do corte de direitos. Não enxergam, por exemplo, que, mesmo para os que continuarem empregados, a exigência de trabalhar até os 60 anos em atividades que exigem atributos que pessoas dessa idade não possuem amplia o risco de acidentes ou doenças profissionais e, consequentemente, o gasto com benefícios por doença. Quando enxergam, defendem restrições também a estes benefícios, o que tem graves conseqüências humanitárias. O caminho para a melhora dos números da economia – e, consequentemente, dos da Previdência – não é restringir direitos, mas ampliá-los.

 

 

Henrique Júdice Magalhães é jornalista, ex-servidor do INSS e pesquisador independente em Seguridade Social. Porto Alegre (RS).

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