Correio da Cidadania

A não declarada Política Nacional de Meio Ambiente (1)

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Há tempos, as discussões relativas às questões ambientais estão vivíssimas no Brasil. Mas como é de praxe nas diversas instâncias de governo, como no Ministério do Meio Ambiente (MMA), não há clara e transparente definição, e por escrito, de sua política, de maneira geral são discussões cifradas e de bastidores. Quando apresentada, a política é fracionada, destacando aspectos pontuais, técnicos e não conectada com as outras esferas de governo. Muitas vezes não é pertinente nem mesmo às demais ações do próprio Ministério.


Estes procedimentos não ocorrem por acaso. Na esfera do governo federal, as discussões cifradas e de bastidores seguem a premeditada lógica da falta de transparência, dificultando a compreensão da política ambiental brasileira. Basta verificar as intermináveis discussões do MMA com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, a ministra chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, e o ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão, Paulo Bernardo Silva. Além disso, muitas das políticas efetivamente implantadas, após seus ajustes internos no governo, continuam com inúmeros pontos obscuros e extremamente polêmicas. Este é o caso das recentes proposições do MMA.


Numa série de três textos, são apresentadas as principais ações do governo federal com reflexo direto sobre os ecossistemas brasileiros e a qualidade de vida das comunidades constituintes, no conjunto, entendidas como a política nacional do meio ambiente. Também se discute quem são os principais beneficiários dessa escamoteada política.


No primeiro artigo, é abordada a transposição do São Francisco, a construção das usinas no rio Madeira (RO), as mudanças ocorridas no IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), a lei que regulamentou a exploração de florestas públicas, e o projeto de lei que regulamentará a exploração mineral em áreas indígenas. Na parte 2, discutem-se o impacto da produção do álcool proveniente da cana-de-açúcar, os transgênicos e a posição do Grupo dos Cinco sobre concessões em detrimento do crescimento econômico. A terceira parte trata da posição dos empresários frente às exigências para preparação de relatório de impacto ambiental, do errôneo foco sobre os danos irreparáveis ao meio ambiente ao invés da discussão com base na sustentabilidade, além de considerações finais.


A transposição do São Francisco


É notória a polêmica referente à transposição do rio São Francisco, com greve de fome, inúmeras reuniões e a falta de atenção aos compromissos assumidos pelo governo Lula. Recentemente instalou-se mais um foco de polêmica com a ocupação por inúmeras entidades, em particular o povo indígena Truká, do canteiro de obras em Cabrobó (PE). As discussões referentes à transposição se estenderam por anos, mas foi com Lula que de fato teve sua implantação iniciada. A condução do processo de negociação referente à transposição demonstrou a agressividade e a insistência do atual governo em tocar essa obra mesmo após inúmeras e fundamentadas considerações contrárias a sua instalação. Mesmo as soluções alternativas e de menor custo foram descartadas. Sua implantação favorece o agronegócio latifundiário nas áreas marginais ao canal de transposição, que usarão suas águas para irrigar culturas de exportação.

 


As usinas Jirau e Santo Antônio no rio Madeira (RO)


Outra relevante questão ambiental diz respeito ao caso das licenças ambientais para a construção das usinas Jirau e Santo Antônio no rio Madeira (RO). Tornou-se público que a indefinição na liberação dessas licenças deixou o presidente Lula irritado e, segundo servidores do IBAMA, foi a gota d´água responsável pela reestruturação da instituição.


A ministra Marina Silva (MMA) alega que a reestruturação do IBAMA e a criação do Instituto Chico Mendes, definidas por Medida Provisória (MP 366), não facilitarão a liberação das licenças ambientais, apenas melhor organizarão o órgão. Os funcionários, ainda em greve, são veementes em dizer que esse é um ato deliberado do governo federal que visa enfraquecer o IBAMA e facilitar o processo de licenciamento ambiental.


De fato, o envio da MP após as críticas do presidente dá margem a essas interpretações. O mais correto, como sugere o Deputado Fernando Gabeira (PV-RJ), é a retirada da MP para ampliar o debate sobre as questões ambientais e a propriedade da reestruturação do IBAMA no Brasil. O governo aproveitaria a oportunidade para esclarecer sobre os interesses que conjugaram as ações para a ágil modificação do IBAMA por MP, sem transparência e sem debate. Boa intenção apenas não basta.

 


O PAC - Programa de Aceleração do Crescimento


Há também as propostas relacionadas ao PAC em curso pelo governo federal que, segundo o presidente Lula, será o grande impulsionador do progresso no Brasil. O PAC visa principalmente desenvolver grandes obras de infra-estrutura, a gosto das empreiteiras. A construção das usinas no rio Madeira é considerada uma de suas principais obras. Desta forma, o PAC tem nas questões ambientais um enorme desafio, já que não se cresce sem impactar o meio ambiente.


No entanto, o PAC deixa as questões ambientais em último plano, focando o desenvolvimento do Brasil em obras de grande porte. Têm também as discussões / chantagens sobre a ampliação do emprego de termoelétricas e da energia nuclear (Angra 3), sempre polêmicas, na impossibilidade da construção das usinas no rio Madeira, não abordadas neste texto. Entre outras questões, o PAC falha em não disponibilizar recursos financeiros para estudos sobre fontes alternativas de energia como o biogás (biodigestores), a energia eólica, a energia solar (painel fotovoltaico), as pequenas centrais hidrelétricas (PCHs), a energia dos mares e os coletores solares (para aquecimento de água). Estas energias alternativas são viáveis para usos em situações específicas, principalmente em pequenas comunidades, e o seu emprego em grande escala tem efeito sinérgico positivo sobre o meio ambiente, já que são de baixo impacto e reduzem a necessidade de grandes obras de engenharia, como as usinas no rio Madeira.


Se contar com a melhoria na qualidade de vida das comunidades assistidas, estas são iniciativas que há muito deveriam ter sido implantadas. Relativo aos coletores solares e reuso da água (processo pelo qual a água é reutilizada), deveria ser instituída lei federal com obrigatoriedade na sua instalação em construções com área e volume de água empregado acima de valores pré-estabelecidos. Haveria economia de energia e usos mais nobres da água tratada. Não se pode esquecer que, na apresentação do PAC, o ministro Guido Mantega explicitou que o programa também tem como um dos principais objetivos a remoção (grifo nosso) de obstáculos burocráticos, administrativos, normativos, jurídicos e legislativos ao crescimento. As mudanças ocorridas no IBAMA e a pouca relevância dada às questões ambientas seguem esta proposta de “remoções de obstáculos”?

 


A exploração de florestas públicas - Lei 1.284/2006


Outra questão diz respeito à Lei 1.284/2006, que regulamentou a exploração de florestas públicas. A concessão por até 40 anos, como definido na Lei, para a exploração de florestas primárias e públicas, em particular a Floresta Amazônica , por ser a porção mais expressiva das florestas públicas brasileiras, criará novas zonas de exploração e conflito e é questionável a garantia da sustentabilidade das atividades na exploração da floresta e a geração de emprego e renda para a população local.


 

A exploração mineral em áreas indígenas


Em outra investida, o governo federal prepara projeto de lei que regulamentará a escabrosa exploração mineral em áreas indígenas. A proposta é pagar royalties aos índios para que permitam a exploração de minério em área indígena. O valor referência divulgado pela imprensa é de, no mínimo, 1,5% do faturamento com a extração do minério.


Ao invés de proteger as áreas de valor histórico e cultural dos índios, o governo federal pretende trocá-las por benesses, facilitando a desagregação da já fragilizada comunidade indígena brasileira. A União deveria fortalecer os laços entre as comunidades indígenas e oferecer outras possibilidades como contraponto à exploração mineral. Nesta proposta, estarão inclusas garantias de qualidade de vida para a comunidade durante e após o término da exploração mineral? E como será minimizado o passivo ambiental e seu reflexo na comunidade indígena?


Sendo este um empreendimento de lucro certo, ao invés de permitir que terceiros desconectados da realidade local explorem o minério, além de oferecer apoio técnico, a União deveria criar linha de crédito específica para que os próprios índios captassem recursos, gerenciassem o negócio e explorassem suas riquezas minerais. Parte do minério poderia ser empregada como garantia do empréstimo e resgatada em prazos definidos em contrato. O aspecto mais importante é trazer desenvolvimento e dignidade à comunidade indígena ou permitir lucro fácil às grandes empresas de mineração, em detrimento da qualidade de vida do povo indígena?


Na melhor das hipóteses, o governo federal considera os índios cidadãos de segunda categoria, sem competência para arcar com a responsabilidade de gerir seu próprio negócio e não merecedores de políticas públicas que resgatem a dignidade dessa comunidade. O governo deve demarcar as terras indígenas e oferecer todas as condições para que tenham tranqüilidade para viver segundo seu conceito e ritmo. A extração mineral em terra indígena, e as inimagináveis degradações ambientais e da qualidade de vida originadas, deveriam ser a última alternativa para esse povo. Será que já chegamos nessa etapa?

 

 

Marcelo Pompêo é professor do Departamento de Ecologia da USP

 

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