Correio da Cidadania

Democracia, liberdade de imprensa e monopólio das comunicações

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Portanto, junto à defesa da “liberdade de imprensa”, o debate atual também evoca um conceito particular de “democracia”, de tal forma que, no jargão oficial, enquanto o primeiro é afetado, a segunda está irremediavelmente comprometida. Contudo, há algo básico a discutir, pois um regime democrático não pode conviver com o monopólio dos meios de comunicação. Não é necessário buscar críticos modernos acerca do tema, pois mesmo Adam Smith, em 1776, que não viveu o auge da revolução industrial, mas observou os primórdios da acumulação e concentração de capital, realiza na Riqueza das Nações uma severa crítica ao que denominou de “espírito de monopólio”, quando estes ainda não tinham nem remotamente a feição das grandes corporações que na atualidade ditam o ritmo dos negócios e controlam o estado moderno. A propósito, Adam Smith anotou que “a baixa rapacidade e o espírito de monopólio que prevalecem entre comerciantes e manufatureiros (que tampouco foram chamados para serem os diretores da humanidade, nem existe razão para tal), ainda que não possam provavelmente ser corrigidos, pode-se sim evitar que perturbem a tranqüilidade de outras pessoas”.(2) Para não deixar dúvidas acerca de sua posição, concluiu em seguida: “seus interesses, considerados deste ponto de vista, são contrários aos da imensa maioria do povo”.

 

Muito tempo depois, John A. Hobson, o liberal inglês que chamou a atenção de Lênin para o tema do imperialismo, anunciou o problema central da mídia em uma sociedade capitalista moderna: sua imensa capacidade de fabricar a opinião pública. Em agosto de 1902, o bom liberal, preocupado com a expansão imperialista da Inglaterra sob o domínio das finanças, revelou a estreita aliança entre as empresas de comunicação e o mundo dos negócios – ou seja, os monopólios – contra os interesses populares. “A influência direta – afirma Hobson – que os grandes círculos financeiros exercem na ‘alta política’ se completa pela capacidade que possuem de dirigir a opinião pública valendo-se da imprensa, que em todos os países ‘civilizados’ está se convertendo cada vez mais em obediente instrumento a seu a serviço. Enquanto os jornais dedicados especificamente às finanças impõem ‘fatos’ e ‘opiniões’ às classes sociais que vivem dos negócios, o grosso da imprensa está cada vez mais influenciado, consciente ou inconscientemente, pelos interesses financeiros (...) e essa política de tomar a propriedade dos jornais para fabricar uma determinada opinião pública é coisa corrente nas grandes capitais européias. Por outro lado, o fato de que os lucros da imprensa se obtenham inteiramente de anúncios produziu uma espécie de aversão a enfrentar-se com os grupos financeiros que controlam uma parte tão importante do negócio dos anúncios”. (3)

 

Desde então sabemos que nesta matéria ninguém pode comparar a fabricação de sapatos à difusão da informação ou simplesmente ocultar sob o manto sagrado da “liberdade de imprensa” os interesses dos grandes monopólios. Não obstante, sempre que uma concessão pública é discutida, logo aparecem os interesses de sempre defender a primazia do que falsamente denominam “mercado” e a necessidade imperiosa do “respeito aos contratos”, como se informar a opinião pública cumprisse a mesma função que a produção de vestidos ou veículos.

 

A propósito, Noam Chomsky acertou na mosca quando comparou o jornalismo moderno a um “modelo de propaganda”, revelando conexões óbvias entre os grandes monopólios e os interesses comerciais, industriais e financeiros dominantes, destinados a controlar o pensamento. (4) Não obstante, na América Latina, parece ser simplesmente um absurdo levantar a hipótese de que o público pode ter melhor informação se os meios de comunicação estiverem em mãos populares ou sob controle da sociedade civil. A situação é tal que mesmo a prática de “ouvir o outro lado”, pilar da promessa liberal, implica em severo questionamento do padrão jornalístico que finalmente se impôs.

 

Curiosidade elementar: enquanto nos países centrais a crítica sobre o funcionamento da imprensa como grande empresa é um ato de lucidez básica, na periferia capitalista implica em sérias dúvidas sobre as convicções democráticas daqueles que esgrimem o argumento. Não obstante, como afirmou alguém com lastro na profissão, “fulano pode ir para Beirute ou Bagdá; no entanto, é em Seattle ou Atlanta que Bill Gates e Ted Turner já decidiram que nada do que passa no Líbano ou Iraque fará sombra aos aliados e negócios da Microsoft ou da Time Warner”.(5)

 

***

 

Notas:

 

(2) Smith, Adam. Investigación sobre la naturaleza y causas de la riqueza de las naciones, p. 437, FCE, Sexta reimpresión, México, 1990. No momento em que encerro esta breve reflexão, os jornais anunciam que a empresa de publicidade canadense Thompson Corp. comprou a agência de notícias e informações financeiras Reuters por 17,2 bilhões de dólares. Com a aquisição, a nova empresa será o maior grupo de notícia financeira

do mundo, com 34% do mercado, um pouquinho acima da Bloomberg, que detém 33 e era a atual líder mundial.

 

(3) Hobson, J. A. Estudios sobre el imperialismo, p. 76, Alianza Editorial, Madrid, 1981.

 

(4) Chomsky, Noam. Ilusiones necesarias. Control del pensamiento en las sociedades democráticas. Libertarias/Prodhufi, Madrid, 1992.

 

(5) Halimi, Serge. Os novos cães de guarda, Editora Vozes, p. 15, Petrópolis, 1998.

 

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