Correio da Cidadania

A economia brasileira se recupera?

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Resistindo à tentação de tocar no assunto Renan – nesse momento em que o venerando Senado Federal acaba de absolvê-lo, da primeira, apenas da primeira das graves denúncias que o comprometem – vou me arriscar a fazer alguns comentários sobre a atual situação econômica que atravessamos. O que me motiva são os resultados que acabaram de ser divulgados pelo IBGE, com relação aos números da atividade econômica referentes ao segundo trimestre desse ano.

 

O PIB do país cresceu 5,4% neste segundo trimestre em relação ao mesmo período do ano passado. Com esse resultado, obtivemos também a expansão de 4,9% no primeiro semestre, também em comparação com o mesmo período do ano passado. Quem está puxando o crescimento pelo lado da produção é a indústria (6,8%), com o setor de serviços se expandindo a uma taxa de 4,8% e a agropecuária praticamente estagnada; e pelo lado da demanda houve uma expansão de 13,8% nos investimentos e de 5,7% no consumo das famílias. Na indústria, os destaques foram os setores de transformação – automotivo, material elétrico, produtos químicos e metalúrgicos – e a construção civil. Nos serviços, intermediação financeira (9,6%) – naturalmente - e comércio se destacaram. Os dados referem-se às comparações entre o segundo trimestre desse ano com o mesmo período do ano passado. A área externa manteve a tendência de um ritmo de crescimento maior para as importações em relação às exportações.

 

O fato é que possivelmente teremos novamente um conjunto de avaliações, a serem amplamente divulgadas pela grande imprensa, que a partir do óbvio – a economia está em crescimento – procurará infundir na população um otimismo que não encontra amparo na realidade, infelizmente. Observo que algumas agências de notícias já apresentam os resultados apurados pelo IBGE em relação a esse último trimestre como “o melhor resultado em três anos”. Convém um pouco de cuidado nessas comparações numéricas, envolvendo diferentes períodos, e onde a memória de cada conjuntura não pode ser desprezada: no segundo trimestre do ano passado, por exemplo, em decorrência da greve dos fiscais da Receita Federal, a contabilização das exportações e importações ficou prejudicada, bem como naturalmente a comparação entre os resultados apurados em cada um dos períodos. Como conseqüência, a própria expansão da atividade econômica desse trimestre em relação ao primeiro trimestre do ano – 0,8% - deve ser relativizada. A rigor, essas comparações ficam completamente comprometidas.

 

Contudo, o que significa esse crescimento, particularmente para as condições objetivas de vida da imensa população? Quando constatamos que o crescimento do consumo das famílias se deu em um ritmo superior ao crescimento da massa salarial, notamos a importância da expansão dos mecanismos de crédito e do volume de recursos que têm sustentado esse incremento. Não sem razão, além da atividade de intermediação financeira ter se destacado na área de serviços, mais significativo ainda foi o aumento em 26,5% do saldo das operações de empréstimos a pessoas físicas. Isto demonstra muito bem como tem funcionado a expansão daquilo que alguns já denominam de economia do endividamento. Reflete-se também nos resultados que os balanços dos bancos demonstram, com o crescimento das receitas das operações de crédito, embalado pelo crédito consignado. Com risco zero para os credores e taxas elevadas de juros, mas que comparativamente ao cobrado nas operações de cartão de crédito e de cheques especiais – sem falar nas financeiras e agiotas em geral – tornaram-se atraentes e muitas vezes a solução para muitos endividados.

 

Mas, até agora apenas constatamos resultados que nos indicam tendências de curto prazo. Para a resposta referente às condições de vida da população, inclusive para a aferição das condições de consumo mais estabilizado das famílias, a principal referência é o nível de emprego e as condições de remuneração. O atual ciclo de crescimento econômico, com baixas taxas de expansão, não tem sido capaz de gerar empregos em número significativo com remuneração acima de três salários-mínimos. Saldo líquido de geração de empregos, com o número de contratações superando o número de demissões, só se encontra nessas menores faixas salariais. Não há dúvida que isso gera um efeito positivo na vida das pessoas beneficiadas nesse processo, mas também deixa claro os limites do tipo de “desenvolvimento” que estamos gerando para o nosso futuro.

 

Levando-se em conta a produção brasileira, estamos em pleno ajuste liberal-exportador, especializando o Brasil – na divisão internacional de trabalho, entre os países – na produção e fornecimento de água e energia, através da exportação maciça de produtos primários, de natureza agrícola e mineral, ao mesmo tempo em que nos aprofundamos em importante centro montador de indústrias de bens de consumo duráveis. Com tecnologia sob controle das matrizes estrangeiras das empresas internacionais aqui instaladas, dadas as excepcionais condições que o nosso mercado interno oferece e que as regras de liberalização financeira permitem, grandes corporações internacionais aqui fortalecem o seu poderio com produções voltadas para o mercado nacional e para as exportações.

Enquanto isso, nossa população vive a crônica situação de crise nos serviços públicos, em todas as áreas que digam respeito ao interesse das maiorias. Educação, saúde, transportes públicos, habitação popular, saneamento ou segurança pública para a população pobre são exemplos de descaso e falta de investimentos à altura das necessidades que temos.

 

E é nesse ponto que, com os números conjunturais do IBGE, podemos apontar o principal problema que enfrentamos. Neste último trimestre, a chamada Formação Bruta de Capital Fixo – uma medida dos investimentos que são realizados em uma economia – alcançou a 17,7% do PIB. Para que o país estabilize uma taxa de expansão de 5% ao ano, as projeções indicam que teríamos de ter um nível de investimento de ao menos 21% do PIB; para um crescimento de 6%, 25% do PIB. Ocorre que para que isso venha a ocorrer, o Estado deveria se desvencilhar da armadilha financeira em que os liberais, financistas e políticos corruptos nos meteram. Para isso é necessária a coragem política que falta a Lula e aos seus aliados, que durante anos combateram o modelo econômico liberal, mas que a partir de 2002 abandonaram as suas antigas posições.

 

E enquanto isso, quando observamos as dificuldades para alcançarmos níveis de crescimento de 5% ao ano, dada a nossa taxa de investimentos, e mesmo submetidos a um modelo bem ao gosto das grandes corporações multinacionais, outros países em desenvolvimento continuam a nos superar com folga. Neste segundo trimestre, os crescimentos observados na China (11,9%), Índia (9,3%), Rússia (7,8%), Venezuela (8,9%) ou a Coréia do Sul (6,7%), dentre outros, deixa claro que não podemos compartilhar do pensamento pequeno que desconsidera que desenvolvimento econômico para a nossa imensa população - carente de renda, de riqueza e de justiça – é outra coisa.

 

Originalmente publicado em http://www.chicoalencar.com.br

 

 

Paulo Passarinho é economista.

 

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