Correio da Cidadania

Acidente em Congonhas foi 'tragédia anunciada'

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Buscando esclarecer as inúmeras dúvidas que surgiram na cabeça dos brasileiros após a tragédia no aeroporto de Congonhas, em São Paulo, onde um Airbus A320 da empresa TAM não conseguiu pousar corretamente e explodiu após se chocar com depósito nas cercanias da pista, o Correio da Cidadania entrevista o comandante Carlos Gilberto Camacho, diretor de Segurança do Vôo do Sindicato Nacional dos Aeronautas.

Camacho analisa os possíveis atores na crise que culminou com a tragédia em São Paulo, além de comentar as atribuições da ANAC e a responsabilidade das empresas aéreas em relação ao caos aéreo que se instalou no Brasil.

 

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Correio da Cidadania: Qual é a sua percepção da situação que o setor aéreo vive hoje no Brasil? De quem é a responsabilidade por tamanho caos?

Carlos Gilberto Camacho: Nesse momento, a responsabilidade é de um conjunto de atores, não há um responsável isolado. As coisas foram acontecendo durante anos e anos. Não é culpa de um nem de dois governos, mas sim de uma falta de planejamento estratégico no país em relação ao transporte aéreo. Isso é uma discussão que permeia mais conhecimento e o envolvimento de autoridades.

CC: Você concorda com a abertura de capital da Infraero, depois de tantos problemas?

CGC: Na verdade, os problemas existem para ser resolvidos. A repetição deles é que abre espaço para discutirmos competências de cada agente público, de cada elemento que se envolve ao redor do transporte aéreo brasileiro. Agora, não conhecemos a prerrogativa e aquilo que realmente cada órgão deve fazer. O que é necessário é que a sociedade, como um todo, refaça a discussão sobre o setor.

CC: Qual a sua opinião sobre o aeroporto de Congonhas, palco da maior tragédia da aviação brasileira? Você é favorável ao fechamento do aeroporto?

CGC: Sou progressista e acredito que aquilo que está funcionando não pode deixar de operar. Na verdade, o aeroporto de Congonhas perdeu, ao longo do tempo, sua vocação, que era atender a vôos regionais com até duas horas de duração. No limite, uma aeronave poderia decolar de São Paulo, pousar em Salvador e retornar. Hoje, o aeroporto é um hub de distribuição de vôos nacionais e internacionais; há um excesso em sua utilização exatamente por conta da oferta e da demanda, uma equação que tem uma capacidade de equilíbrio incrível.

Se for levado em consideração que o aeroporto tem limites e restrições, particularmente no que diz respeito à sua operacionalidade, é um aeroporto que pode sim ser utilizado. Porém, devem ser alterados os tipos e o peso das aeronaves que o utilizam e, em dias de chuva, o aeroporto sequer deve ser operado.

É preciso, simplesmente, afastar o risco da possibilidade de um acidente: se ele existe e se apresenta em dias de chuva, eliminemos a chuva. Como não há como impedir que chova, que em dias de chuva o aeroporto permaneça fechado. Essa é a posição do Sindicato e de outras organizações que trabalham em nome dos usuários e trabalhadores.

A essa inadequação no que diz respeito à utilização do aeroporto de Congonhas, soma-se a ganância das empresas aéreas. Isso é um complicador grande, pois, se pararmos para analisar, o aeroporto poderia muito bem atender às pontes aéreas de São Paulo até o Rio, Belo Horizonte, Curitiba e Brasília, por exemplo. Mas se trata de um aeroporto que está saturado, e as autoridades responsáveis sofrem diversos tipos de pressões.

No ano de 2006, houve quatro grandes derrapagens no aeroporto, que foram a antecipação da tragédia. Fomos avisados; a natureza não nos enganou.

CC: São, portanto, fortes e reais as pressões que empresas como a TAM e a Gol exercem para aumentar a lucratividade?

CGC: Temos, basicamente, a lógica do lucro; se o capital não é contido ao ocupar o seu espaço e lugar, ele vai avançando. O capital tem a necessidade de aferir cada vez mais lucratividade e quem regula esse modelo é a sociedade. No aeroporto de Congonhas, que é um dos aeroportos mais lucrativos do mundo, logicamente iria haver essa pressão pela concentração de vôos.

Quem tem o papel de regular isso são as autoridades, nossos representantes legais. Quando não o fazem, é necessário repúdio, através de medidas via Ministério Público, Justiça Federal, sociedade etc. Estes instrumentos legais estão aí para coibir abusos e excessos. Foi exatamente isso o que aconteceu quando, no início deste ano, o Ministério Público Federal tentou interditar o aeroporto de Congonhas.

Particularmente, como piloto e como dirigente de uma entidade que os representa, eu garanto que a necessidade de interromper definitivamente as operações no aeroporto não seria a mais adequada, mas sim um reestudo da malha aérea. A sociedade precisa pressionar os seus agentes, para que tomem as medidas necessárias. Já sabíamos que tal acidente poderia acontecer, foi uma tragédia anunciada. Todos nós do setor sabíamos que, mais hora ou menos hora, tal tragédia aconteceria.

CC: A Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) tem sido refém dessas pressões privadas, incapaz de uma regulação efetiva do setor?

CGC: A ANAC é uma agência nova, que ainda está ganhando experiência, que ainda está aprendendo. Os capitalistas do setor, não; esses têm muito conhecimento de causa. O que houve foi uma dicotomia, um desencontro total. Se levarmos em conta que 92% do setor estão nas mãos de duas empresas, um duopólio, não tenha dúvidas de que essas empresas terão um peso muito grande nas decisões da Agência.

O Conselho de Aviação Civil (CONAC) já havia se reunido outras vezes nos últimos anos, apresentando diversas propostas para o setor. No entanto, a ANAC não atendeu a nenhuma das resoluções. A agência serve sim aos interesses das empresas, em detrimento dos interesses da sociedade.

CC: Você é a favor da desmilitarização do controle de vôo no Brasil?

CGC: Hoje, existem apenas três países em que os militares ainda detêm o controle do tráfego aéreo: um país africano, o Uruguai e o Brasil. É certo que as forças armadas possuem um papel muito importante para a defesa da nação, mas o controle aéreo é um serviço que não deve ser prestado por elas.

Os militares são subordinados ao presidente da República, e precisam responder a ele. A partir do momento em que o controle do tráfego aéreo foi colocado nas mãos dos militares, eles nos devem explicações. Para desaparelhar isso, levará algum tempo.

 

 

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