Correio da Cidadania

A não declarada Política Nacional de Meio Ambiente (3)

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No intuito de ampliar o debate, numa série de três textos, são apresentadas as principais ações do governo federal com reflexo direto sobre os ecossistemas brasileiros e a qualidade de vida das comunidades constituintes, no conjunto, entendidas como a política nacional do meio ambiente. Esta terceira parte trata da posição dos empresários frente às exigências para a elaboração de relatório de impacto ambiental, do errôneo foco sobre os danos irreparáveis ao meio ambiente ao invés da discussão com base na sustentabilidade, além de considerações finais.

 

Os empresários e a legislação ambiental

 

Os empresários brasileiros questionam a intrincada legislação e os custos excessivos para a preparação de relatório de impacto ambiental, com inúmeros e refinados estudos, incluindo a contratação de especialistas. Este subsidiará as discussões anteriores à instalação do empreendimento. Relatam que, além do relatório inicial, há a possibilidade de novas e continuadas solicitações, complementando o estudo no sentido de dirimir as dúvidas do órgão licenciador, implicando em mais custos e ampliando os prazos para a efetiva instalação do empreendimento. Isso sem contar com a possibilidade de liminares encaminhadas à justiça, que poderão arrastar o processo de licenciamento ambiental por anos, com final imprevisível.

 

Na verdade, os empresários têm interesse na redução da atuação do Estado e na minimização de custos e prazos, ampliando o lucro, prática comum no sistema capitalista. Não têm interesse nas práticas de exploração sustentável, de menor lucro no curto prazo.

 

O foco da discussão

 

Outro aspecto relevante na discussão da exploração ambiental, com discurso empregado pelo governo federal e incessantemente veiculado pela mídia, diz respeito ao foco da discussão. É inconcebível acreditar que a instalação de uma usina hidrelétrica ou de mineração não cause danos irreparáveis ao meio ambiente. Para se ter uma idéia, o lago da hidrelétrica de Santo Antônio (rio Madeira) tem como previsão 120 km de extensão. O simples ato de barrar o rio altera sua hidrodinâmica, a montante e a jusante. Então, o que imaginar de sua biota no cenário futuro pós-enchimento?

 

Sem dúvida, a estrutura e o funcionamento do ecossistema criado serão completamente modificados quando comparados à fase rio, anterior ao empreendimento, à fase reservatório, além da “fase floresta”, referente à expressiva porção da floresta inundada que comporá o lago. Complementa o problema a inundação em si, que ocorre sem a retirada da vegetação, e a subseqüente redução de qualidade da água represada relacionada ao baixo teor de oxigênio dissolvido decorrente da decomposição da matéria orgânica vegetal morta. Do ponto de vista ambiental, o estrago está feito e relatório de impacto ambiental que se preze nunca caracterizará que uma obra desse porte não causará danos irreparáveis ao meio ambiente. Isto sem levar em consideração os mosaicos peculiares de solo e vegetação e a possibilidade de fauna e flora endêmicas na área do empreendimento, implicando em dano ainda maior com a clara redução da biodiversidade.

 

Os danos são pertinentes não só à biota, mas à população local, com ônus a todos os brasileiros. Portanto, ao prevalecer a posição do MMA de que as hidrelétricas no rio Madeira “serão construídas somente se ficar constatado que elas não trarão prejuízos ambientais à região”, frase atribuída à ministra Marina Silva, sugere-se que, por coerência, a ministra deva vetar este e outros empreendimentos.

 

Assim, o foco da discussão não deveria ser sobre o dano em si, mas sim sobre qual é a extensão do dano considerado razoável em vista dos benefícios trazidos pela obra e seu produto final - no exemplo, a maior disponibilidade de energia elétrica -, e se são compatíveis, tanto o conceito da obra, quanto seus inevitáveis danos e benefícios, com os critérios de sustentabilidade.

 

Outras perguntas dizem respeito aos beneficiários, particularmente a qualificação e quantificação desse grupo. Quais os interesses políticos por trás desse empreendimento? Quanto está previsto em recurso financeiro para implantar as diversas fases da obra? Quem irá financiar a obra? Há alternativas de menor impacto e financeiramente menos vultosas, por princípio mais interessante? Quais são as garantias de ações concretas para minimizar os inúmeros impactos ambientais ocasionados pelo empreendimento? Neste caso, quem será responsável por sua implantação e com quais recursos financeiros? Quem e com quais meios se fiscalizará todo empreendimento? E quem fiscalizará o primeiro agente fiscalizador?

 

Considerações finais

 

Como apresentado nos textos referentes às partes 1, 2 e 3, política de investimento e crescimento nacional são voltados a empreender ações ao meio ambiente com impactos previsíveis, esbarrando em inúmeras questões ecológicas. Isso implica que deveriam ser despendidos esforços visando qualificar e quantificar estes impactos, culminando na elaboração de propostas alternativas ou corretivas, na direção da sustentabilidade - manutenção de um ecossistema saudável, produtivo, com sua biodiversidade e processos ecológicos intactos, que gere emprego e renda compatíveis ao ecossistema explorado, garantindo a vida com qualidade para as gerações presentes e futuras.

 

No entanto, quando olhamos o conjunto da obra das várias instâncias do governo federal, a única sensação que fica é que há clara política voltada a atender unicamente os interesses do grande empresariado, seja do agronegócio, da indústria ou das empreiteiras, em detrimento da sustentabilidade do ecossistema e das necessidades reais da maior parcela da população brasileira. Isto coloca o empresário como aquele que define a pauta relativa aos investimentos e às questões ambientais no Brasil. A falta de sensibilidade nas questões ambientais demonstra, mais ainda,  a clara e deliberada permissividade da política federal, tendo a exploração de nossas riquezas naturais e o seu uso indevido como os principais meios de lucro para poucos. Esta prática remonta há 500 anos e com péssimos e conhecidos resultados. Assim, um grande conjunto de representantes eleitos e os que têm assento nos cargos de confiança do governo federal não desempenham papel de mocinho, como fazem supor, e nem atendem aos interesses da maioria dos brasileiros.

 

Às forças vivas da nação cabe colocar na ordem do dia a discussão do Brasil que queremos, se aquele que tem como agenda prioritária as necessidades do cidadão comum, implicando num Estado mais presente e atuante, ao invés de cada vez mais reduzido, omisso e corporativo, pautado pelos interesses do agronegócio, da indústria e da empreiteira. Urge a transparência nas coisas públicas e a ampliação da participação de todos em qualquer foro de discussão nacional. Também é fundamental a constituição de uma frente que amplie as discussões desses temas e barre estas inúmeras e preocupantes iniciativas danosas ao meio ambiente e à qualidade de vida da população brasileira, patrocinadas pelo governo federal em acordo com os empresários dos diversos setores.

 

O futuro de nossos filhos e netos é sempre duvidoso e incerto, mas a prática continuada dessa perversa política, permitindo a exploração danosa do meio ambiente, conferindo lucro rápido e para poucos, refletirá um passivo ambiental incomensurável para todos e menor diversidade biológica, implicando num meio ambiente mais pobre, mais triste e cada vez mais próximo do limite da sustentabilidade.

 

 

Marcelo Pompêo é professor do Depto. de Ecologia da USP

 

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