Correio da Cidadania

Anne Frank ou a escrita que constrói a paz

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Anne Frank era uma menina de treze anos que amava os pais, os irmãos e os livros. Judia holandesa, viu sua jovem vida ser invadida pelo monstro do nazismo e da guerra. Obrigada a viver escondida dos nazistas durante o Holocausto, ela e sua família, juntamente com mais quatro pessoas, viveram 25 meses escondidos em alguns quartos acima do escritório de seu pai, em Amsterdã.

 

Ali não se podia falar alto nem fazer barulho, para não chamar a atenção. Mas como para quem tem imaginação e capacidade de introspecção não há prisão eficaz, Anne encontrou na escrita sua forma de resistência à violência da qual era vítima. Escrevia em seu diário (que ganhou de aniversário), ao qual deu o nome de Kitty. Em seu Diário Anne escrevia o que sentia, pensava e fazia. Kitty era sua única amiga dentro do Anexo Secreto.

 

Anne foi deportada para o campo de concentração e ali morreu, assim como vários membros de sua família. Seu diário ganhou mundo e foi publicado em muitíssimas línguas, tendo em cada uma várias edições.

 

No dia 25 de junho de 2007 completaram-se 60 anos de edição do Diário de Anne Frank. Em comemoração, a Fundação Museu Anne Frank, sediada em Amsterdã, em parceria com a Plataforma Brasil Holanda, traz ao Brasil a versão em português da exposição itinerante "Anne Frank, uma história para hoje".

 

A exposição oferece um conteúdo extremamente atual para ser refletido. A história é contada através da perspectiva da família Frank e é relacionada à história do Holocausto a partir do relato de sobreviventes. Mas contém ainda diversos elementos que desafiam a pensar sobre as semelhanças e diferenças entre aqueles eventos do passado e acontecimentos de nosso mundo atual, com o objetivo de estimular a reflexão sobre a importância de conceitos como tolerância, respeito mútuo, direitos humanos e democracia.

 

O objetivo inicial no Brasil é que a exposição contribua na educação para a não violência. Nosso país vive um momento difícil. Diariamente a mídia nos põe em contato com terríveis violências praticadas contra pessoas indefesas, crianças, jovens, mulheres, anciãos.

 

Adolescentes como Anne Frank não encontram no Brasil de hoje condições para viver e se desenvolver em paz e cercados de segurança e respeito. Ler o diário dessa menina que não se rendeu ao desespero e à dor mas, ao contrário, legou às gerações futuras um testemunho de serenidade e tolerância pode certamente trazer enorme benefício aos jovens brasileiros.

 

Três semanas antes de ser capturada pelos nazistas, Anne Frank escreveu: "É um espanto eu não ter abandonado todos os meus ideais, já que parecem tão absurdos e pouco práticos. Mas me agarro a eles porque, apesar de tudo, ainda acredito que no fundo as pessoas são boas". Esta menina de apenas 13 anos que viverá muito pouco em termos cronológicos mas deixará atrás de si um legado que o tempo não logrará desgastar continua falando através de seu diário. Em tempos como os nossos, quando a juventude parece ter tomado tão perigosa distância da palavra escrita, o contato com o diário de Anne Frank certamente tem potencial para converter aqueles e aquelas que dele se aproximarem ao milagre da escrita com toda a sua potencialidade terapêutica e construtiva.

 

É com iniciativas como esta que se vai construindo um mundo diferente, onde a paz não seja mais um sonho longínquo, mas uma realidade possível. Isso só acontece quando as pessoas, assim como Anne Frank, não desistem de seus ideais, ainda que eles pareçam absurdos e pouco práticos.

 

 

Maria Clara Lucchetti Bingemer, teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio. É autora de "Deus amor: graça que habita em nós” (Editora Paulinas), entre outros livros.

 

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