Correio da Cidadania

Regulamentação do direito de greve pelo STF confirma escalada da repressão

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O Correio da Cidadania entrevista Jorge Luís Martins, o Jorginho, ex-dirigente da CUT e atual dirigente da Intersindical.

 

Jorginho comenta a regulamentação do direito de greve feita pelo STF, as políticas recém-promovidas que buscam minar os direitos trabalhistas no país e a relação atual entre os servidores públicos e os governos federal, estaduais e municipais.

 

Confira abaixo.

 

 

Correio da Cidadania: O Supremo Tribunal Federal acabou de determinar regras mais rígidas para a realização de greves no setor público. Qual a sua opinião sobre a decisão?

 

Jorge Luís Martins: Em primeiro lugar, foi uma decisão arbitrária do STF, uma vez que o funcionalismo não tem direito à negociação, ou seja, não se estabeleceu na reforma da Constituição de 1988 o direito a uma data base e sequer alguns mecanismos de obrigação para que o Estado, seja em nível federal, estadual ou municipal, reponha minimamente as perdas salariais dos trabalhadores, além de outros pontos econômicos.

 

Então, ao não haver mecanismos de negociação e nem obrigações para com o Estado, essa medida do STF visa simplesmente atar as mãos e os pés dos trabalhadores enquanto os governos descumprem descaradamente acordos coletivos - algo que muitos deles sequer negociam. A medida tem por objetivo central inibir qualquer possibilidade de reação dos trabalhadores frente ao descaso dos governos nas três esferas.

 

Um segundo elemento é que está evidente que qualquer regulamentação que não seja a liberdade do direito de greve, em minha opinião, irá limitar esse direito. Na prática, os trabalhadores não gostam de fazer greve; só o fazem quando não lhes resta nenhum caminho, nenhum mecanismo de negociação e nenhuma possibilidade frente aos governos.

 

Acreditamos, então, que deve haver a liberdade de greve e que os trabalhadores, obviamente com a sua responsabilidade e sensibilidade, determinem os pontos elementares que são realmente imprescindíveis em relação à questão da vida, para que mantenham algum tipo de atendimento em caso de emergência. Afora isso, não acreditamos que seja o melhor caminho qualquer regulamentação que não seja a liberdade incondicional e irrestrita do direito de greve.

 

CC: A que você credita o fato de a decisão ser tomada pelo STF e não pelo Poder Legislativo?

 

JLM: O que acontece é que tanto as propostas do Legislativo quanto as do Executivo são ruins, que exigem acima de 40% de funcionamento nos setores que consideram "essenciais" - o que, na prática, é limitar também o direito de greve. Várias categorias, se continuarem funcionando com 40% de seus funcionários, terão obviamente a pressão de seus sindicatos e de suas organizações muito reduzida, não sendo capaz de fazer o governo cumprir com sua responsabilidade quer seja de negociar ou de cumprir os acordos coletivos.

 

CC: Qual a real situação dos acordos coletivos entre governos e os servidores, que você mencionou anteriormente como “descaradamente descumpridos”?

 

JLM: Não existe uma negociação, mas sim "ensaios". O governo federal criou aquilo que chamam de "mesas de negociação permanente", que os trabalhadores apelidaram de "mesas de enrolação permanente". Em uma ampla maioria, não existem negociações salariais e os governos vão, a seu bel-prazer, determinando as políticas de reajustes dos trabalhadores.

 

Nos dois últimos mandatos de FHC, os servidores não tiveram nenhum reajuste e, mesmo durante o governo Lula, esse reajuste foi baixíssimo devido a um grande arrocho salarial. Além disso, houve a ausência permanente de um programa de cargos e salários, algo que é uma grande reivindicação do setor e os governos têm se recusado, de forma sistemática, a negociar qualquer plano de cargos e salários. Obviamente, isso vai desgastando e desmotivando o servidor ao trabalho público.

 

É dramática a situação. Por um outro lado, os governos têm realizado muito poucos concursos públicos. Milhares de servidores se aposentam a cada ano e os governos se recusam a abrir novas vagas, sucateando o serviço público. Obviamente há uma estratégia por trás disso, que é cada vez mais privatizar os serviços públicos, transferindo tais áreas à iniciativa privada. É só observarmos a educação, as universidades, em que grande parte do funcionamento regular hoje está na iniciativa privada - ou seja, virou um grande negócio para o empresariado obter lucros a partir dos serviços sucateados pelo poder público.

 

CC: Qual a sua opinião sobre o fim da obrigatoriedade do imposto sindical, já votado na Câmara? Tal ponto é parte de uma reforma sindical efetiva?

 

JLM: Eu, pessoalmente, sou favorável ao fim do imposto sindical. Agora, essa medida, por si só, não resolve o problema dos sindicatos. É, no entanto, um grande passo, que fará com que os sindicatos busquem realmente o apoio efetivo dos trabalhadores e discutam com eles a melhor forma de sustentar o seu sindicato, podendo discutir livremente a sua contribuição voluntária.

 

Basicamente, somos a favor da liberdade e da autonomia sindical e do fim da unicidade sindical, entendendo que os trabalhadores devem discutir livremente a forma de se organizar nos sindicatos. E o sindicato, para ser único, primeiro precisa ter representação e democracia.

 

Outro ponto fundamental que deveria ser pensado junto a essa discussão é o fim do poder normativo da Justiça do Trabalho. Não acho que seja correto a Justiça do Trabalho julgar ilegais as reivindicações de greve dos trabalhadores e, em muitos casos, impor pesadíssimas multas aos sindicatos.

 

Todos esses pontos precisariam ser discutidos, para que tivéssemos uma verdadeira reforma no sistema sindical do país.

 

CC: A somatória de todas essas medidas, além da tentativa de aprovar a Emenda 3, faz parte de um projeto de reforma trabalhista, que estaria sendo feita "em pedaços"?

 

JLM: Sim, isso é óbvio. Medidas tomadas desde o governo FHC iniciaram mudanças que vêm compondo uma avalanche de desregulamentação dos direitos trabalhistas. Foi assim com os contratos temporários; agora há a Emenda 3.

 

O grande objetivo do patronato é estabelecer no Brasil a liberdade de negociação, ou seja, que o que for negociado prevaleça sobre o que está legislado. Os empresários formularam a teoria do "custo Brasil", onde os impostos e os encargos sociais aumentam muito o custo de seus produtos e, com isso, têm conseguido emplacar várias medidas que vão de encontro à flexibilização ou a uma permissão para que contratos abaixo do que está estabelecido na lei sejam feitos.

 

Esse conjunto faz parte de um amplo processo de desregulamentação que ocorre não só no Brasil como também em diversos países da Europa nesse momento. São medidas que visam dialogar com o setor patronal e facilitar a vida dos empresários.

 

Algo nesse sentido também ocorre com as propostas de reforma da Previdência, como é o caso do aumento do tempo de contribuição e do aumento da idade mínima necessária para se aposentar - além da série de obstáculos criados para viúvas e pensionistas.

 

CC: Podemos considerar que hoje, no processo de reforma sindical, há um excesso de “cupulismo”, em detrimento das bases, e um “neoestatismo”, em detrimento da autonomia e liberdade sindicais, além de uma revisão pouco efetiva e ilusória da unicidade sindical?

 

JLM: Sim, está em curso exatamente isso. A grande maioria das direções sindicais não renovou as suas direções e está em um processo de acomodamento muito grande. Como exemplo, podemos citar a CUT, que historicamente foi contra o imposto sindical e a unicidade sindical e hoje defende tais pontos. Isso porque, com as novas medidas e com a legalização das Centrais, 10% de todo o imposto serão distribuídos a elas.

 

Fazer sindicatos e mesmo centrais sindicais está virando, hoje, um grande negócio; as pautas dos trabalhadores cada vez mais têm sido deixadas de lado e os interesses das grandes estruturas, das grandes cúpulas sindicais, é o que tem prevalecido no debate.

 

Está em curso no Brasil um processo de envelhecimento da proposta sindical e um abandono de suas propostas, da liberdade sindical, da organização no local de trabalho e da formação política. É um processo de concessão e um retrocesso muito grande quanto ao chamado "novo sindicalismo", que surgiu na década de 1970 com princípios e propostas para revolucionar o sindicalismo no país.

 

CC: Existem antídotos possíveis para tal cenário?

 

JLM: O principal antídoto seria a conscientização dos trabalhadores. A grande tarefa dos sindicalistas classistas que ainda resistem ao processo em curso é politizar e chamar os trabalhadores a tomar os sindicatos em suas mãos, a contestar qualquer tipo de flexibilização e se organizar no local de trabalho. Essa é a única possibilidade.

 

A nosso ver, tem acontecido uma escalada de repressão, quer seja no combate ao direito de greve, quer seja nas demissões de dirigentes sindicais, quer seja através da violência contra os movimentos sociais. Há também uma tentativa de criminalização partindo do governo, com o apoio da grande mídia. A isso, apenas os trabalhadores organizados serão capazes de resistir.

 

CC: No início deste ano, houve uma renovação de ânimos devido à união de diversas centrais, afastadas umas das outras há um bom tempo, em torno do combate à Emenda 3. Esse ânimo ainda persiste?

 

JLM: Houve esse momento de otimismo, mas hoje está um tanto quanto congelado - muito embora Lula não tenha vetado por completo a Emenda 3 e tenha dito que irá criar uma proposta alternativa.

 

Esses esforços conjuntos deverão ser necessários também no futuro, com novas propostas do governo que prejudiquem os trabalhadores, independente de cores ou de ideologias. Infelizmente, a postura da CUT tem sido extremamente dócil com o governo, algo que dificulta muito tal processo.

 

 

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