Setor elétrico: recuo para evitar fiasco maior

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Heitor Scalambrini Costa
05/12/2012

 

Ao editar a medida provisória 579 em 11 de setembro último, que trata da renovação das concessões do setor elétrico e da redução de preços nas tarifas de energia, o governo deu um prazo final para a assinatura dos aditivos contratuais até terça-feira dia 4 de dezembro, para que as empresas envolvidas decidissem se aceitavam ou não a proposta governamental.

 

Ao todo estão em jogo 20 contratos de geração (num total de 22 mil MW potência instalada – total de usinas hidroelétricas, 78,5 mil MW), nove contratos de transmissão (num total de 85 mil km de linhas – total no Brasil 103 mil km) e 44 contratos de distribuição que vencem entre 2015 e 2017, e para os quais o governo ofereceu um valor de indenização para os ativos que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) considerou ainda não amortizados. Pela proposta, as concessionárias terão um novo contrato, por mais 30 anos, ficando com uma tarifa que cubra os custos de operação e manutenção e uma taxa de remuneração de 10% (há controvérsias sobre estes valores impostos pela Aneel). Sem dúvida a empresa mais afetada foi a Eletrobrás, estatal federal, cuja diretoria não entrou em polêmicas públicas com sua controladora, a União.

 

Desde então, sem nenhuma discussão a priori com os envolvidos na questão, os responsáveis pelo setor energético no país sempre afirmaram, no alto da prepotência e da arrogância, peculiar a estes servidores públicos, que não modificariam a MP 579. Era reafirmado para quem quisesse ouvir que o governo não raciocinava com a hipótese de aumentar o valor das indenizações nem no valor das tarifas.

 

A reação contrária à MP foi muito grande, e partiu não só das empresas atingidas (com alguns dirigentes se pronunciando contrários às medidas anunciadas), mas também da academia, de especialistas do setor elétrico, de sindicatos de trabalhadores e de várias organizações não governamentais. Além do governo federal, os únicos defensores da MP 579 foram a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e a Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), que lançaram uma campanha publicitária - nos jornais e na televisão -, e mais recentemente a Confederação Nacional das Indústrias (CNI).

 

A pressão das empresas e de seus controladores surtiu efeito. Levou o governo a editar uma outra medida provisória, a MP 591 (29/11), que reconheceu os investimentos em linhas de transmissão anteriores a maio de 2000, e que não tinham sido levados em conta anteriormente, pois eram consideradas totalmente amortizadas. Também editou a portaria interministerial MME-MF nº 602 (29/11), com os valores retificados das indenizações referentes às usinas hidrelétricas a serem pagas aos concessionários de geração. Os valores de ressarcimento de geração foram corrigidos e levados em conta os gastos que elas tiveram ao construir suas usinas hidrelétricas, reconhecendo assim os chamados “custos retardatários” (modernização de turbinas, contingências judiciais por desapropriações, investimentos socioambientais ao longo do período de concessão...).

 

Quando definiu o cálculo das indenizações para as geradoras, o governo usou a metodologia conhecida como Valor Novo de Reposição (VNR), que remetia para os custos de hoje o quanto às empresas gastaram no momento de construir seus ativos. Segundo técnicos governamentais, a alteração na metodologia pode levar a um acréscimo de até 10% no VNR. E nas vésperas do chamado dia “D” (3/12), oficializou, através do decreto no 7850, um novo incentivo às empresas para que renovem antecipadamente seus contratos de concessão. As companhias geradoras terão agora até o fim de 2013 para fornecer informações complementares sobre os investimentos realizados em seus ativos e, assim, se tornarem elegíveis a novas compensações oferecidas pelo governo. A nova compensação poderá vir na forma de reajuste nas indenizações pagas pelo governo ou com um aumento tarifário.

 

Mesmo com estas medidas as assembleias gerais de acionistas das empresas como a CESP, CELESC, COPEL, CEMIG decidiram não renovar as concessões. Já empresas como a Eletrobrás, com cerca 30% da capacidade instalada total da companhia, e no caso das subsidiárias Eletrobrás Chesf e Eletrobrás Furnas, respectivamente, 86,8% e 38,3% de sua capacidade instalada, decidiram por renovar suas concessões. Já algumas empresas se anteciparam em anunciar a decisão de renovar as concessões, como foi o caso da Companhia Paranaense de Energia (Copel) e da Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE) do Rio Grande do Sul.

 

Agora resta as empresas aguardarem a tramitação da MP 579 no Congresso Nacional para manifestarem o interesse pela renovação dos contratos de concessão, que poderá sofrer modificações (pouco provável). Do ponto de vista dos trabalhadores, sem dúvida, sofrerão em breve os reflexos das contenções de despesas que certamente ocorrerão por parte das empresas, que já reativaram seus planos de demissões voluntárias e incentivadas.

 

De toda maneira, fica uma lição deste episódio, a necessidade mais que urgente de se democratizarem as decisões tomadas pelo governo federal responsável pelo setor elétrico, tão estratégico para o país.  Certamente fica também constatado que, para as empresas, sempre haverá a possibilidade de o governo recuar, mas para os trabalhador@s...

 

Heitor Scalambrini Costa é professor da Universidade Federal de Pernambuco.

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