A dívida dos Estados Unidos é um problema da China

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Venâncio de Oliveira
13/08/2011

 

 

O Partido Republicano anunciou a tragédia: quer dar o maior calote da história do capitalismo mundial. Parece sensacionalismo, mas qualquer observador, independente de sua matriz teórica, entende a proporção do perigo de não pagar uma dívida de 9 trilhões de dólares. Neste mesmo movimento de fatos que abalaram o otimismo do ano de 2011, está a tragédia que efetivamente aconteceu: um terrorista norueguês de ultra-direita, nacionalista e ex-militante de um partido legalizado em seu país cometeu um atentado contra seu próprio povo, em nome do perigo da mestiçagem.

 

Duas bombas para o dito mundo civilizado, que nem vieram dos outros mundos, mas daqueles mesmos que sempre condenaram calotes e terrorismos, ou seja, da direita que reivindicava para si o status de modernidade e superioridade moral.

 

O segundo semestre de 2011 anuncia as catástrofes sociais do ano de 2012. As bolsas de valores do mundo nem esperaram o calote futuro, já o fazem presente. Nestas duas semanas, a inabalada bolsa brasileira vem caindo e caindo, fora dos sonhados 72.000 mil pontos, está para baixo dos 60 mil.

Efetivamente, o que mudou da crise de 2008 e o que pode vir desta crise futura, anunciada em 2011?

 

Para entender esta crise futura provocada pelos Estados europeus e estadunidense é necessário olhar para as raízes da crise de 2008, mas também para o líder do mundo emergente: a China. Aqui se encontra o começo e os possíveis desenvolvimentos desta crise. Por mais que seja difícil para muitos aceitarem que o Imperialismo não é só feito de Estados Unidos, é necessário entender que a geoeconomia do capitalismo está em processo de mudança. Aqui temos uma hipótese: não é um sino-centro que se gesta, mas uma efetiva multipolarização, quebra do bloco unipolar liderado/imposto pelos Estados Unidos, forçando, assim, a volta do acirramento da disputa por mercados.

 

A China é um pouco mais da metade do PIB dos Estados Unidos em paridade de poder de compra, mas tem o terço da dívida americana. É da consciência comum: uma pessoa que tem um patrimônio alto, mas uma dívida que é mais de sua metade, possui mais ilusão do que efetiva riqueza, ou seja, os Estados Unidos são um país em quebra econômica e a China efetivamente está caminhando para polarizar com o líder do antigo dito primeiro mundo.

 

Mas aqui existe uma relação contraditória, mais que proeminência absoluta: o enriquecimento chinês é produzido com a falência estadunidense. Por isto existe uma polarização e o acirramento de uma disputa, mais do que um novo líder. Por que isto? A dívida estadunidense foi produzida por anos de crescimento econômico fictício, isto é, não houve produção efetiva de valor e excedente por parte dos Estados Unidos, mas criação de bolhas e mais bolhas, com dinheiro que não tinha correspondência com o lado “real da economia”. O que isto produz? Aumento de consumo e, portanto, de importação.

 

Desde o surgimento das duas bolhas de Bush, a do mercado imobiliário e a da “guerra contra o terror” em 2001, o Estados Unidos gastaram mais do que produziram. Assim, acumularam inúmeros saldos negativos em Balança Comercial (Exportação menos Importação): chegaram ao déficit histórico (IPEADATA, 2011) de 856,5 bilhões de dólares (Balança negativa) no quarto trimestre de 2006.

 

Foi neste momento que houve aperto no crédito imobiliário, a taxa de juros foi para 5,25% ao ano em junho de 2006 (conforme Ernani Teixeira e Gilberto Rodriguez, 2008), sendo que em maio de 2004 estava em 1% ao ano. O preço dos imóveis como resposta foi decrescendo em 2007, pois todo o mercado imobiliário – e a acumulação e produção de setor importante da economia dos Estados Unidos – dependia de juros baixos e do capital fictício do subprime.

 

Em 2007, a bolha imobiliária começa a estourar, levando à queda do déficit com a caída do consumo. Mas a dívida mantém-se crescendo pelo aumento da taxa de juros. A crise de 2008 demonstrou que a fantástica fábrica de dinheiro chamada subprime tinha seu limite. Os juros aumentaram e as pessoas endividadas deram o calote. Os bancos quebraram e o governo dos Estados Unidos se endividou ainda mais para salvá-los (os bancos).

 

Ainda assim, aqui desponta a China que se consolidava como um novo capital-imperialista com força para disputar mercados. Em 2008, os EUA importaram 1,342 trilhão de dólares de produtos. Só de produtos chineses, foram 252,8 bilhões, sendo 18 % de produtos industrializados; destes, 29% eram de produtos de alta tecnologia, diferentemente dos costumeiros “1,99”, já que a China se consolida como produtora de Ipad e DVD (COMTRADE, 2009). Com a retomada do crescimento e o arrefecimento da crise das hipotecas, os Estados Unidos voltaram a importar mais do que exportavam. Em 2010, o déficit volta a subir, de 391,9 bilhões para 471,9 bilhões de dólares no primeiro trimestre de 2011 (IPEADATA, 2011).

 

Agora está evidente a disputa por mercados. Durante a crise, algumas empresas quebraram e outras se fundiram, os investimentos feitos pelas translatinas, empresas transnacionais da América Latina (conforme CEPAL, 2011) cresceram e entraram para disputar também territórios. A JBS Friboi, empresa brasileira do setor de carnes, se tornou a maior do mundo no ramo, incorporando a Pilgrims, de capital estadunidense.

 

O que se evidenciou em 2010 é que os acordos multilaterais fracassaram. Em reunião do G20, os acordos e os cumprimentos foram mínimos e as trocas de farpas contra a chamada guerra cambial foram o tom das reuniões. Mas o que estava difuso neste jogo, e que tende a evidenciar-se, é a política por outras vias, a disputa bélica por territórios. Talvez estejam aí as rusgas entre Coréia do Sul e Coréia do Norte, e a Guerra Fria ensinou que é melhor exportar a guerra para os elos mais fracos da corrente do Imperialismo.

 

Os chineses detêm grande parte da dívida estadunidense, o que advém do crescimento abissal de sua produção, isto é, existe um excedente chinês que está acima da capacidade de absorção do capitalismo mundial. A dívida dos Estados Unidos reflete mais que governos aloprados, mas sim a crise também da China, que tem tanto excedente de dinheiro que busca investir em títulos fictícios de dólares que não têm correspondência de valor na economia real. Também porque a China vende mercadorias compradas com mais dinheiro fictício dos Estados Unidos.

 

Assim, a bolha dos mercados subprime explodiu, e foi engolida pelo governo estadunidense. Por outro lado, esta bolha produziu outra mais gigante, a do excedente chinês, que incha ainda mais a bolha americana, investindo os 1,6 trilhão de dólares em títulos da dívida dos EUA.

 

Mas os perigos do estouro destas bolhas são outros, os políticos e os militares, pois as dívidas precisam ser quitadas e para isto é necessário mais mercados para explorar. Por outro lado, os credores querem cobrar, e como farão isto? Aqui entra nossa pátria, as burguesias de todo o mundo culparão a nação inferior pela crise. Aqui está o nosso terrorista norueguês de direita para recomeçar esta história.

 

Bibliografia

 

Gilberto Rodrigues Borça Junio e Ernani Teixeira Torres. Analisando a Crise do Subprime. Revista do BNDES. Rio de Janeiro, v. 15, N. 30, p 129-159. Dezembro de 2008.

 

Comisión Económica para América Latina y el Caribe (CEPAL). Estudios Economico de América Latina y Caribe, 2011. 

 

Venâncio de Oliveira é economista.

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