As manchetes de 2009

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Jurandyr O. Negrão
05/01/2009

 

A coluna se dedica hoje à futurologia, explorando o que se pode esperar da economia em 2009. Conforme apontei na coluna anterior – que ao apresentar uma retrospectiva de 2008 falou mais da economia internacional do que da brasileira –, nesta farei o contrário.

 

2009: recessão global

 

Os países ricos já estão em recessão. A dúvida é se ela começará a ser superada ainda no ano que vem, ou se demorará ainda mais para que os EUA, a Europa e o Japão voltem a crescer.

 

Os EUA, porque são o epicentro da crise, não cessam de divulgar novas iniciativas para debelá-la. O governo Obama costura um gigantesco pacote de investimentos em infra-estrutura, visando criar três milhões de vagas de trabalho e, assim, frear a alta, assustadoramente rápida, do desemprego. E o banco central dos EUA já cortou a taxa de juros a zero, e fala em despejar dólares na praça, com pavor da deflação.

 

O pavor se justifica. A queda generalizada e progressiva de preços é um fenômeno perigoso no capitalismo. Ao levar ao adiamento de compras, cria o risco de uma contração contínua do emprego, que pode redundar numa espiral sem fim.

 

A deflação é tão perigosa que se tornou um fenômeno raro desde a crise de 1930. As instituições foram mudadas: o seguro-desemprego e os sistemas de previdência se generalizaram, instituiu-se em muitas nações a irredutibilidade dos salários. E a política econômica mudou: consagrou-se a prática da ação anti-cíclica do Estado, voltada a abreviar os períodos recessivos por meio da criação de estímulos monetários (juros baixos, crédito facilitado) e fiscais (aumento dos gastos públicos, redução de impostos) à demanda e, portanto, à atividade econômica.

 

Ainda assim, ainda ocorre de uma economia enredar-se na armadilha da deflação. Foi o que aconteceu com o Japão, que depois de crescer vertiginosamente por décadas vem rodando em falso desde o final dos anos 1980.

 

Na raiz da prolongada crise japonesa está o estouro de uma imensa bolha de especulação imobiliária – razão pela qual o exemplo japonês tem sido invocado (te esconjuro!) pelos americanos.

 

As autoridades japonesas não souberam dar uma resposta eficaz ao estouro da bolha. Permitiram que o consumidor japonês assumisse uma postura extremamente cautelosa, da qual até hoje não saiu. O japonês tornou-se um obcecado poupador. Acostumado a um ambiente de crescimento econômico contínuo e desemprego baixo, ele se apavorou ante a onda de demissões. Para agravar, o país não contava com um sistema amplo de previdência – uma razão a mais para o japonês poupar o máximo para ter como manter-se no final da vida.

 

O consumidor americano está em maus lençóis. Embalado pela euforia do mercado de construção residencial, sentindo-se cada vez mais rico (afinal, o preço das suas casas dobrou entre os anos de 2000 e 2006), ele se endividou numa proporção nunca antes vista. É natural que as autoridades temam que ele agora, a exemplo do japonês, se tranque numa jaula de cautela, poupando desesperadamente para dar conta de suas dívidas.

 

Pacotes de "bondades"

 

O ano de 2009 já começou no Brasil. Explico: a forte queda da confiança e a travada do crédito em nível internacional, a partir de setembro, mudaram bruscamente o ambiente. A economia brasileira, que se mantinha em crescimento a um ritmo razoável (para os padrões internacionais; alto, pelos nossos padrões degradados por duas décadas de instabilidade extrema e baixo dinamismo), já desacelerou. Transitou-se para um ambiente de maior incerteza e menor confiança, o ambiente que deverá preponderar em 2009.

 

O governo vem anunciando, dia após dia, medidas voltadas a mitigar a freada da economia. O imposto de renda das pessoas físicas foi reduzido, assim como o imposto na compra de carros. Os depósitos que os bancos têm de manter no Banco Central foram diminuídos, para que os bancos tenham mais recursos para emprestar. Só falta o Banco Central começar a reduzir a estratosférica taxa de juros (mas parece que não falta muito, não).

 

Essa constatação já marca o maior contraste entre a crise atual e as precedentes: o governo, por não mais estar em situação pré-falimentar, tem tido condições de tomar medidas de estímulo à atividade econômica. O padrão anterior era o oposto: com a corda no pescoço, o governo apelava a um empréstimo do FMI, que exigia em contrapartida cortes de gastos, aumentos de impostos, restrições ao crédito: medidas que agravavam a tendência de desaquecimento da economia. Eram os famigerados "pacotes de maldades" de final de ano.

 

A mudança crucial foi o acúmulo de reservas de dólares e a redução da dívida pública em dólares (por meio do pagamento dos empréstimos do FMI e do resgate dos títulos de dívida interna com correção pela cotação do dólar). Agora que a cotação do dólar deu um salto a dívida pública não deu um salto. Pelo contrário: caiu muito (porque as reservas de dólares são de US$ 200 bilhões, o triplo da dívida pública externa em dólares, que está pela casa de US$ 60 bilhões).

 

As manchetes de 2009

 

Isso vai fazer a diferença no âmbito da política econômica. O quanto isso vai fazer a diferença no desempenho da economia fica em aberto, sobretudo porque a crise internacional pode chegar a uma dimensão muito difícil de se imaginar.

 

Mesmo assim, já dá pra antecipar algumas manchetes que quase certamente leremos ao longo de 2009:

 

"Governo reduz impostos" – só leremos "Governo aumenta imposto" se for imposto pra inibir importações (os asiáticos deverão tentar compensar a queda das vendas aos EUA reforçando a "invasão" dos mercados em outras regiões – e os produtores brasileiros vão pedir proteção ao governo).

 

"Taxa de juros baixa" – é provável que a manchete seja repetida várias vezes.

 

"Desemprego aumenta" – essa manchete também vai ter vários bis.

 

"Vendas mais fracas" – idem.

 

"Exportações caem" – essa é batata: com o mercado internacional bem mais fraco, vão cair tanto os preços dos bens exportados como a quantidade deles que será embarcada para o exterior.

 

"Superávit primário diminui" – o governo vai economizar menos (embora ainda vá economizar muito) pra pagar os juros da sua dívida (lembrando: o superávit primário é a porção das receitas que o governo deixa de gastar em saúde, educação etc. para pagar juros aos seus credores). Além da intenção do governo de preservar os investimentos do PAC, vai pesar pra isso um desempenho muito mais fraco da arrecadação, ligado à forte redução do ritmo de crescimento da economia e às reduções de impostos que estão sendo e serão determinadas.

 

"O setor tal pede socorro oficial" – as montadoras de automóveis já ganharam, outros vão pedir e ganhar.

 

"Crédito perde velocidade" – os bancos já estão reduzindo as suas operações de crédito: não se dispuseram a emprestar o volume gigantesco de recursos que o BC, por meio da redução dos depósitos compulsórios, colocou à sua disposição.

 

"Inflação diminui" – essa não é certeza: a inflação pode até não diminuir, mas dada a força da queda dos preços internacionais das matérias primas e a freada da demanda interna, dificilmente ela vai aumentar.

 

E em 2010? Poderemos, ou não, ter manchetes parecidas com as de 2009. Vai depender essencialmente do que estiver acontecendo nos EUA e na Europa.

 

O governo brasileiro agora pode, e vai, remar contra a maré recessiva internacional. Mas, do jeito que a economia está organizada (bastante parecido com o jeito que estava no governo anterior), o seu desempenho depende muito dessa maré – e o governo não pode fazer nada pra mudá-la.

 

Jurandyr O. Negrão é economista.

 

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