Correio da Cidadania

Encruzilhada na Cúpula da Amazônia: renováveis e petróleo nos bastidores das discussões

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Reprodução

Em meio às atuais discussões globais sobre a reindustrialização nos países desenvolvidos, o Brasil se empenha em revitalizar sua indústria e liderar a área de energias renováveis na região, capitalizando seus recursos naturais e ecossistemas.

Essa perspectiva ficou evidente na Cúpula da Amazônia, onde o governo estabeleceu a meta de fortalecer a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), sediada em Brasília. A ideia é que a OTCA dê apoio aos países da região para implementar projetos que promovam o chamado “desenvolvimento sustentável”.

Apesar disso, a polêmica questão da expansão das atividades petrolíferas não deverá figurar na pauta da Cúpula da Amazônia, uma vez que não há consenso entre as nações participantes. Países como Venezuela, Peru e Equador, que dependem economicamente dessa exploração, sustentam posições divergentes sobre o assunto. Já Suriname e Guiana, que têm suas expectativas de desenvolvimento ancoradas nas recentes descobertas de reservas petrolíferas, também apresentam posturas distintas.

Ao que tudo indica, a contradição tropical brasileira entre tentar ser o país protagonista das energias renováveis e, ao mesmo tempo, manter a previsão de ampliação de pesquisas e explorações petrolíferas deve permanecer mesmo em um cenário de desaceleração do consumo de petróleo. Segundo o relatório publicado em junho, a Agência Internacional de Energia (AIE) projeta uma desaceleração na demanda global por petróleo nos próximos anos. Com base nas políticas governamentais atuais e nas tendências do mercado, espera-se um aumento desacelerado de 6% na demanda entre 2022 e 2028, atingindo 105,7 milhões de barris por dia (mb/d).

Esse abrandamento é atribuído à expansão dos veículos elétricos, ao crescimento dos biocombustíveis, à melhoria na eficiência dos combustíveis, além da diminuição dos custos das energias renováveis. No debate “carrocêntrico”, embora as montadoras do mundo estejam tentando se adaptar às novas exigências impostas pela transição energética, a Alemanha, por exemplo, optou por se abster da votação da União Europeia (UE), que buscava proibir a venda de veículos com motores a combustão a partir de 2035, resultando no adiamento da decisão. Entende-se que a indústria alemã de automóveis não está preparada para uma reconversão rápida e total para a produção de veículos elétricos.

Em contraste, nos Estados Unidos, foi anunciado um investimento de dois bilhões de dólares da Lei de Redução da Inflação (IRA – sigla em inglês) para acelerar a produção nacional de veículos elétricos. Esse impulso envolve empresas que já nasceram elétricas, como é o caso da Tesla e da Rivian. Na América Latina, a chinesa BYD, a maior fabricante mundial de carros elétricos, busca se consolidar como um polo nesse amplo mercado, tendo anunciado recentemente uma fábrica na Bahia.

As transformações no setor de transportes elétricos irão contribuir para a desaceleração do consumo de petróleo. Nesse contexto, a AIE ressalta a importância de países produtores de petróleo estarem atentos a essas mudanças. Contudo, projeta-se que os principais produtores de petróleo (fora da Organização dos Países Exportadores de Petróleo – Opep) continuarão a aumentar a capacidade, como é o caso do Brasil, apesar da desaceleração na demanda.

Isso sugere que a exploração de petróleo tende a continuar em países com histórico e dependência nessa atividade, predominantemente devido à interdependência global na economia do petróleo e à realidade de que, dadas as atuais estruturas de consumo e produção, é basicamente impossível prescindir do petróleo.

Desta forma, é compreensível que a Cúpula da Amazônia adote uma postura mais flexível em relação à pesquisa e exploração de petróleo e minérios. Embora essa posição possa ser inicialmente decepcionante, ela nos leva a uma reflexão crucial: as indústrias petrolíferas estão entre aquelas que mais investem em fontes de “energia limpa”. Neste sentido, qual o papel estratégico da Petrobras na transição energética brasileira? A Exxon Mobil, por exemplo (uma espécie de estado corporativo dentro do estado americano, conforme afirmou Steve Coll no livro Private Empire), anunciou recentemente que pretende diversificar suas atividades e apostar na extração de lítio em território estadunidense.

À medida que a transição energética ganha força, fica evidente que ela é altamente dependente de matérias-primas para a fabricação de painéis solares e baterias, como é o caso do lítio. Sabendo que mais de 60% das reservas mundiais de lítio estão concentradas no “triângulo do lítio” (Argentina, Chile e Bolívia), entra em cena uma segunda reflexão: qual o papel deste subcontinente na transição energética global?

Elaine Santos é pesquisadora do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP.
Publicado originalmente em Jornal da USP.

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