Correio da Cidadania

Os pequenos e médios empresários sofrem; os trabalhadores morrem (1)

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Se você sempre quis ser um empresário de médio porte e acaba de ganhar R$ 10 milhões na mega-sena, terá duas formas de encaminhar sua vida doravante.

Caso opte por desistir de tal sonho e passe a viver de rendas, aplicando seu capital neste nosso país de juros tão atrativos, terá uma receita anual, descontada a inflação, de cerca de 5%, que, pago o imposto de renda, corresponderá a uma renda real mensal de cerca de R$ 38,8 mil.

Desta forma você poderá levar uma vida confortável, com rendimento igual ao de qualquer membro do judiciário (embora bem inferior ao dos magistrados superiores), mas... Sua sorte acabará quando do futuro colapso do sistema bancário financeiro. Aí todas as rendas serão congeladas sem data para devolução, ou simplesmente desaparecerão (vai ser o Dia do Juízo Final do capitalismo...).

E, enquanto for novo rico, você precisará ter cuidado para não ser sequestrado, pois a loteria divulga o nome dos seus sorteados como propaganda.

Qualquer outro tipo de investimento com o fito de obter renda fixa implica algum risco de você ser atingido pela crise do capitalismo: terrenos que são invadidos; casas que não encontram locatários; queda de ações na bolsa (o índice Bovespa, descontada a inflação, vale 1/3 do que valia há dez anos; incertezas que rondam a aplicação em moedas eletrônicas do tipo bitcoin etc.

É claro que todos preferem ter esses problemas acima do que não tê-los e viver agoniado com salários que nunca chegam ao fim do mês (ou sem salário algum).

Já se você quiser realizar o seu antigo sonho de ser empresário médio (aspirando tornar-se adiante um grande empresário, meta bem difícil mas que, se for concretizada, a coisa muda de padrão), com R$ 10 milhões isto é perfeitamente possível. Aí você verá o que é ser capitalista no atual estágio da concorrência nacional e mundial de mercado.

Seja qual for a atividade empresarial que você se disponha a empreender, constatará que os lucros diminuem cada vez mais (confirmando a tese marxiana da queda tendencial da taxa de lucro). Aí a guerra concorrencial de mercado exigirá de você uma imensa capacidade de sobrevivência para não quebrar nem sofrer prejuízos nessa selva mercadológica.

Enquanto médio ou pequeno empresário, você terá de se haver:
 
— com uma legislação que defende o paraíso social na terra, com leis ecológicas quase perfeitas, mas que você não pode cumprir porque o seu concorrente não as cumpre e isso o deixaria em desvantagem com relação a ele;  

— com uma legislação trabalhista que pretende dar aos trabalhadores condições e um ambiente de trabalho dos sonhos (vã tentativa jurídica de compensação pela exploração a que o capital submete os que para ele trabalham), mas que você não pode atender porque os custos respectivos reduziriam substancialmente seus lucros e, como a concorrência não cumpre a legislação, lhe acarretariam uma desvantagem competitiva;  

— com uma carga fiscal cara (estapafúrdia e sem retorno) que lhe cobrará impostos federais, estaduais e municipais em cascata e por mecanismos tão diferenciados que implicam gastos com funcionários para organizarem os muitos boletos a serem pagos, além da perda de tempo precioso, que você gostaria de estar dedicando aos negócios;

— com fiscais de todo tipo que se consideram corretos cobradores da aplicação do idealismo de justiça contido nas leis que são incompatíveis com sua realidade econômico-financeira negocial (ou, não raro, ser alvo do achaque da chantagem da corrupção);
 

— com a obrigação de pagar por serviços que o Estado deveria proporcionar mas não o faz, numa bitributação que onera para cima o chamado custo Brasil, além de uma burocracia injustificável (em nosso país o cidadão é considerado pelo Estado como infrator até prova em contrário);

— com o desapontamento de constatar que a sua conta bancária é todo dia diminuída por taxas de serviços absurdas e caras, e que só lhe resta suportá-las calado, pois os demais bancos operam da mesmíssima maneira e sem banco não há como você tocar os seus negócios;

— com o risco de fornecer créditos a compradores, pois a concorrência usa essa estratégia de vendas e você não pode ficar inferiorizado diante dela, ainda que seja obrigado a conferir todo dia se houve inadimplência(s), pois nestes tempos de crise aumenta o número dos não-pagadores, minando seus lucros e privando-o do capital investido;

— com as exigências do poder público para a concessão de alvarás de funcionamento e outros serviços sem os quais você não pode funcionar, obrigando-o a satisfazer os requisitos de uma burocracia interminável, incluindo a juntada de certidões de quitação de impostos de todos os tipos, bem como de quitação da previdência social;

— com a necessidade de recorrer a um despachante para se livrar da burocracia insana, sendo que tal despachante não só cobrará por seus serviços, como vai exigir o reembolso da gorjeta para o funcionário público que carimba os papéis (e às vezes aparece um chefão que exige o pagamento de uma propina mais gorda, sob pena de indeferir seu pedido);

— com vultosos gastos publicitários, pois se o seu produto tem melhor qualidade que o do seu concorrente (o qual, por isto mesmo, produz com menor custo e vende mais barato), precisará extrair o máximo proveito de tal vantagem competitiva, caso contrário obterá volume de vendas e lucros incompatíveis com seus custos operacionais;

— com as consequências da crise capitalista, pois o Estado, diante da falência que agora o atinge, passou a lhe sufocar com uma carga tributária exacerbada, considerando-o, a priori, o grande vilão a ser achacado nessa história;

— com o assédio de todos aqueles políticos candidatos que, prometendo proteger os seus interesses empresariais no poder Executivo ou Legislativo, vêm pedir-lhe ajuda para as suas campanhas eleitorais (temendo cair em desgraça com o vencedor, você acabará satisfazendo a todos, para não deixar de obter as benesses com que a concorrência contará, se for somente ela a ajudá-los); e

— com, acaso as vendas caiam, o desagradável imperativo de demitir aqueles funcionários esforçados e competentes que você admira, pois então os custos operacionais já não comportarão o pagamento dos seus salários.

Dalton Rosado é advogado, escritor e compositor. Foi secretário de Finanças de Fortaleza no governo de Maria Luíza Fontenele.
Retirado de Náufrago da Utopia.

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