Correio da Cidadania

A realidade da renda básica no Brasil pós-Lula

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É bem difícil iniciar um balanço das políticas sociais dos quatro governos do Partido dos Trabalhadores (PT) no Brasil (dois governos de Lula, de 2003 a 2011, e dois de Dilma Rousseff, de 2011 a 2015) neste momento em que o mandato em curso enfrenta não somente uma contestação popular maciça, mas também uma dramática depressão econômica, um gigantesco escândalo de corrupção e um processo de impeachment com final muito incerto em meados de abril de 2016. Apesar disso, essa situação realmente catastrófica não impede que as políticas sociais do governo Lula tenham legitimado socialmente um poder que poderia ter perdurado, uma vez que o PT planejava a recandidatura de Lula em 2018.

Ao mesmo tempo em que o poder do PT desmorona, suas políticas sociais e, sobretudo, o programa mais popular, o Bolsa Família, são objeto de consenso. Ninguém ousaria, hoje, querer reduzi-las, reformulá-las ou extingui-las. No entanto, trata-se de um consenso paradoxal, no momento em que essas políticas sociais são abaladas por três processos. Primeiramente, a violenta recessão associada à inflação muito elevada dos últimos anos reduzem progressivamente essas políticas sociais: tanto a seleção dos beneficiários quanto o montante dos repasses estão atualmente congelados, sem acompanhar a enorme inflação. Além disso, enquanto os programas minguaram nos últimos dois ou três anos, as populações a serem beneficiadas aumentam constantemente.

Por fim, o Brasil, assim como toda a América do Sul, retorna a políticas neoliberais, de modo que o segundo governo de Dilma Rousseff começou a implantá-las já desde sua ilusória vitória eleitoral. O PT e seus aliados não só efetuaram cortes drásticos nas despesas públicas e na proteção social (seguro-desemprego para os mais jovens, proteção dos pescadores e pensão por viuvez), mas também trabalharam para reformar especialmente o sistema de aposentadorias. Qualquer seja o cenário político institucional de saída da crise atual, até mesmo no caso – muito improvável – de sobrevivência do PT e de Lula, as aposentadorias permanecerão reduzidas com a adoção das receitas neoliberais. No entanto, veremos mais adiante que as aposentadorias constituem, junto com o salário mínimo instaurado já em 1938 pelo regime Vargas para o trabalho assalariado, o dispositivo fundamental de proteção social no Brasil.

Hoje, portanto, o destino do Brasil, “país do futuro”, é muito imprevisível, e a evolução em curso suscita um pessimismo generalizado. Nessa extrema incerteza, as mobilizações da esquerda residual, que defende o governo, desempenham um papel extremamente perverso, correndo o risco de abrir caminho para um “lepenismo” tropical. Ao mesmo tempo, o vazio deixado pela derrocada do PT e da esquerda também pode transformar-se em brecha para a radicalização de certas experiências positivas dos últimos vinte anos, como ocorreu em junho de 2013.

Este artigo tem como objetivo avaliar o alcance das políticas sociais realmente existentes no Brasil no período Lula do ponto de vista do debate geral sobre a Renda Básica de Cidadania. Ele inclui duas questões: 1. Essas políticas sociais – sobretudo os repasses monetários – foram pensadas na perspectiva de uma renda mínima? 2. A renda mínima poderia funcionar como vértice privilegiado de reorganização e integração dessas políticas sociais?

Podemos adiantar nossas respostas: as diferentes políticas de repasses monetários não foram concebidas na perspectiva da renda mínima (nem de qualquer outra forma de renda garantida). Elas são o resultado imprevisto de uma hibridação de três dispositivos diferentes: o sistema de aposentadorias, proveniente do Estado corporativo e autoritário; o sistema de seguro-desemprego como elemento tardio do Welfare fordista articulado com o emprego formal; e, por fim, os repasses monetários de assistência social. Estes últimos reúnem os programas do Benefício de Prestação Continuada, instaurado em 1995, e do Bolsa Família, implantado em 2004 no âmbito do “combate à extrema pobreza”.

Nossa análise seguirá dois eixos: a evolução dos debates em torno dessas políticas e a descrição das políticas de distribuição de renda. Esses dois eixos serão divididos em três fases: primeiramente, a realização do programa Bolsa Família, durante o primeiro governo Lula (2003-2006), a qual chamaremos de fase “católica” ou “esquerdista residual”; a segunda fase “lulista”, do segundo governo Lula e dos dois primeiros anos do primeiro mandato de Dilma Rousseff (2007-2012); e o “Lulismo selvagem” da guinada para os protestos de junho de 2013.
 
O período católico ou “esquerdista residual”

A chegada do PT ao poder foi antecedida por uma série de conciliações com vistas à aceitação do partido e de seu líder carismático pelos grandes interesses econômicos e políticos de um país que chegava apenas a sua terceira eleição presidencial direta realmente democrática. Lula prometera solenemente manter o sistema fiscal e honrar as dívidas e as privatizações anteriores. Para reforçar uma imagem de moderação, Lula escolheu como vice-presidente um riquíssimo industrial de Minas Gerais.

Para a grande decepção da maioria dos militantes (não somente da esquerda do partido), a chegada de Lula ao poder não representou, então, nenhuma revolução na política econômica. Ao contrário, suas primeiras medidas seguiram totalmente a linha de seu predecessor, Fernando Henrique Cardoso, como a reforma que reduzia as aposentadorias do setor público do modo como o governo anterior havia preparado – e o PT expulsou de suas posições os deputados que recusavam essa mudança.

O único projeto inovador foi o programa Fome Zero, um dispositivo de combate à fome já elaborado há muito tempo pelo Instituto da Cidadania, o think tank do PT que hoje é o Instituto Lula e está no centro dos escândalos de corrupção. Esse programa Fome Zero, inspirado nas ações de Betinho e de Frei Betto e também muito parecido com os Restaurants du Coeur de Coluche (França), deveria ter possibilitado que o Ministério do Desenvolvimento Agrário concretizasse o “direito fundamental à alimentação”.

Juntamente com uma distribuição física de produtos alimentares, foi programada toda uma série de ações consideradas emancipacionistas – restaurantes populares, cursos de formação profissional etc. Como se podia esperar, sua gestão muito cara e complexa do ponto de vista logístico impediu seu fortalecimento. Depois de menos de um ano de experiência, um Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) foi criado para coordenar e supervisionar esses programas de assistência social, principalmente aqueles dos repasses monetários.
 
O período lulista

No final de 2003, o governo Lula reformulou então radicalmente a equipe e o programa Fome Zero. Suas três diferentes políticas específicas foram reagrupadas: as transferências in natura (gêneros alimentícios) e em serviços (formação) foram suprimidas, em proveito dos repasses monetários unicamente. Esse novo programa Bolsa Família é rapidamente fortalecido para se tornar, em termos de público alcançado e orçamento alocado, o mais importante programa de transferência condicionada de renda do mundo: em dezembro de 2012, cerca de 45 milhões de pessoas (quase um quarto da população) foram beneficiadas com uma redistribuição do equivalente a 10 bilhões de dólares, 0,5% do PIB.

Com ou sem razão, esse programa monopolizou todas as apreciações do governo Lula na ocasião da reeleição de 2006, que sucedeu à grave crise política do escândalo do “Mensalão”. A direita, a mídia e a oposição de esquerda falaram de “populismo”, uma parte da esquerda de governo desenvolveu críticas idênticas, sem, contudo, condenar a política. Foi então que o antigo porta-voz do presidente no primeiro mandato, André Singer, lançou o conceito ambíguo de “Lulismo”.

Esse termo registra, inicialmente, a mudança da base eleitoral do PT entre 2002 e 2006, com menos camadas sociais urbanizadas de operários e classe média instruída das regiões mais desenvolvidas do Sul e do Sudeste do país, e mais populações das regiões do Nordeste e Norte, as mais pobres e consideradas o lumpenproletariado. Ele associa, além disso, essa transformação ao fato de que a crise vertical da militância de base do PT (exclusão da esquerda do partido, escândalo de corrupção) foi superada pela dimensão eleitoral do próprio Lula.
 
O “Lulismo selvagem”

Os protestos de junho de 2013 puseram fim ao Lulismo enquanto dinâmica vinda não de fora, mas da outra face do conjunto das políticas sociais dos governos do PT. Porque o fenômeno do “populismo” (positivo ou negativo) e o apoio passivo ao líder carismático ocultavam uma dinâmica selvagem de produção de subjetividade no cerne das políticas sociais de Lula, bem como para além delas. O movimento de junho de 2013 foi a explicitação dos limites não somente do Lulismo (sociológico ou político), mas também, e sobretudo, das diferentes críticas externas e internas dirigidas contra ele.

As políticas sociais (e o governo de modo geral) não podem ser avaliadas em si mesmas, de acordo com a coerência interna de sua concepção e execução, tampouco conforme seus discursos sobre a emergência de uma nova classe média. E muito menos segundo a crítica que as acusa de oferecer apenas uma inclusão pela integração no grande consumo. O que é preciso entender são os processos de subjetivação que se afirmam no e além de seu horizonte. Nas políticas públicas, o que importa não é tanto saber se elas podem “resolver” uma determinada situação (por exemplo, a extrema pobreza, a desigualdade), mas se elas dão acesso e se estão abertas às dinâmicas que podem mudar as relações sociais, dinâmicas horizontais e constituintes de mobilizações sociais capazes de transmutar os valores.

Enquanto o Lulismo estava totalmente mergulhado na euforia da emergência de um “país sem pobres”, de uma “nova” classe média apta a consumir automóveis e megaeventos da guinada neodesenvolvimentista do governo Dilma, os protestos de junho de 2013 mostravam a formação de uma nova figura social do trabalho metropolitano, totalmente selvagem e irrepresentável.
 
O debate sobre as transferências de renda durante o governo Lula

Dois grandes tipos de críticas gerais ou internas ao PT visam as políticas sociais de transferência de renda. As críticas externas reúnem curiosamente a convergência das oposições de direita e de esquerda, que consideram as transferências de renda como um assistencialismo aos pobres, incapaz de tirá-los da miséria, uma vez que a única solução seria o acesso ao trabalho pelo emprego. Só mais tarde, as perspectivas se separam.

A direita aposta na flexibilização do trabalho para que o emprego progrida no ritmo necessário. A esquerda visa uma mudança radical das políticas econômicas para que o crescimento ofereça mais empregos e mais direitos... trabalhistas. Essas críticas, porém, muito virulentas no início, foram combatidas tanto pela popularidade dos programas sociais quanto pelo clima geral de euforia que se instalou depois da crise financeira, notadamente no momento em que Lula realizou a proeza de conseguir eleger em seu lugar uma figura política bastante fraca, nunca tendo se candidatado numa campanha eleitoral.

Portanto, são as críticas “internas”, aquelas formuladas dentro do campo intelectual e político do PT e do governo, que podem nos ajudar a compreender melhor as potencialidades da experiência Lulista no debate sobre a renda universal ou básica. Essas críticas internas reproduzem em termos diferentes as abordagens externas, principalmente aquelas da esquerda, mas ultrapassam o consenso, operando uma desconstrução em dois eixos: o primeiro é o da reconstrução da genealogia neoliberal do programa; o segundo é o da relativização de seu impacto.

O programa Bolsa Família é efetivamente de origem neoliberal, como Lena Lavinas reconstitui de maneira detalhada e precisa. É um dos derivados das políticas de reestruturação ou de redução do Welfare lançadas nos Estados Unidos, já no início da década de 1970, para reorganizar a proteção social em função de outro regime de acumulação alternativo ao fordismo, o workfare. Este promoveu um processo de individualização da proteção social através de dispositivos ao mesmo tempo visados e condicionais. Por um lado, o horizonte de uma cobertura universal deixa então de ser visado em proveito de um “combate” dirigido aos “mais pobres” para responsabilizá-los a produzir seu próprio capital social pela escolarização e pela saúde dos filhos.

O inspirador do programa é, aliás, um pesquisador que havia colaborado com o governo neoliberal anterior, sem ter conseguido dar a essa política a envergadura que ela terá com Lula. Lena Lavinas reconhece, no entanto, que o Bolsa Família brasileiro tem a especificidade de ter sido introduzido por baixo, a partir de uma experiência municipal do PT de Brasília, entre 1995 e 1998. Essa primeira “bolsa escola” era um dispositivo híbrido tipicamente brasileiro, de origem católica, filantrópica, burguesa e socialista. O Bolsa Família, por outro lado, atinge um público gigantesco, por causa da amplitude do fenômeno da pobreza. Para ter acesso a ele, era preciso, em 2014, uma renda mensal de cerca de trinta dólares – equivalentes a quinze hoje – ou ser membro de uma família com mulheres grávidas, mães que amamentavam e/ou menores de 17 anos.

Em função desses critérios, a bolsa varia, mas sempre com uma série de condições: a inclusão – através da prefeitura do domicílio – no cadastro nacional dos programas sociais, a seleção do Ministério do Desenvolvimento Social e o compromisso de seguir uma série de ações (acompanhamento pré-natal das mulheres grávidas, participação em cursos de amamentação e alimentação). As famílias devem, além disso, comprometer-se com as vacinas das crianças, o acompanhamento da saúde das mulheres grávidas e a frequentação escolar das crianças em idade de até 17 anos. Em 2015, 13,9 milhões de famílias são beneficiadas dessa forma e, além disso, estão mais protegidas do controle delinquente exercido sobre os mais pobres.

A direita criticava (mais agora) o Bolsa Família por essa massificação e seus desvios eleitoreiros. As verdadeiras críticas, compartilhadas, num primeiro momento, pela “direita” liberal e pela “esquerda” governamental, relativizam os impactos reais do programa. Num artigo que compara a evolução da desigualdade na China e no Brasil, os economistas ortodoxos Pedro Ferreira e Renato Fragelli contestam, assim, que a melhor distribuição de renda no Brasil se deva sobretudo às políticas sociais praticadas a partir de 2003 pelo primeiro governo Lula.

“A parte da redução da desigualdade derivada das políticas de transferências de renda e do aumento do salário mínimo representa apenas entre 20% e 30% da redução total da desigualdade”. Alinhados às teorias do capital social, os dois economistas atribuem a parte essencial dessa redução da desigualdade (70% a 80%) à evolução geral da escolarização: queda do analfabetismo de 20% para 9% e aumento da escolaridade média da população, sobretudo dos mais jovens. A frequentação escolar dos jovens de 15 a 17 anos passou de 55% a 84%: “O aumento do número de pessoas escolarizadas que entram no mercado de trabalho faz baixar o valor de cada ano de estudos adicional. Mas como diminui, ao mesmo tempo, o número de trabalhadores pouco escolarizados, seus salários aumentam”. Os autores sugerem, concluindo, a abolição do financiamento público das grandes empresas e das universidades.

Dois tipos de críticas semelhantes são formulados pela esquerda de governo, mesmo sendo numa direção diametralmente oposta. O primeiro tipo visa as políticas de transferência de renda excessivamente focalizadas, sem dimensão universal e feitas em detrimento dos investimentos necessários para a construção de um verdadeiro sistema de proteção social. O outro tipo visa, como os liberais, o impacto econômico e social das transferências de renda, mas limitando-se, paradoxalmente, a uma estrita racionalidade econômica, sem levar em conta qualquer variável, como o capital social e os níveis de educação.

Encontramos, assim, a análise anterior, que afirma que a redução dos índices de pobreza na América Latina deriva, sobretudo, “do crescimento econômico e da criação de emprego”. Assim, seriam as políticas de revalorização do salário mínimo que teriam desempenhado o papel mais importante. São as políticas econômicas que importam, e não as políticas sociais, as quais dependeriam, em última instância, dos índices de crescimento e dos níveis de emprego. No lugar do workfare dos neoliberais, haveria apenas o welfare dos industrialistas.

Ora, segundo Lena Levinas, foram as revalorizações do salário mínimo através do emprego que contribuíram para a redução das desigualdades através do emprego e, sobretudo, através do sistema de aposentadorias. “Dois terços das aposentadorias públicas correspondem ao ‘salário mínimo’, e, entre janeiro de 2001 e maio de 2012, a criação de emprego e o aumento do salário mínimo, juntos, reduziram o indicador de pobreza para 15%, enquanto os programas de transferência de renda o reduziram ainda mais, pra 11%”. Aconteceu a mesma coisa com a pobreza extrema, que caiu para 4%.

E é aí que o emprego tem um papel muito menor que as aposentadorias, por causa do papel da revalorização do salário mínimo. Devemos acrescentar aqui duas observações. Em primeiro lugar, o sistema brasileiro de aposentadorias, principalmente do maior número delas, que corresponde ao salário mínimo, deve-se ao dispositivo não de proteção do trabalho, mas do não trabalho ou do trabalho informal.

Num país em que a metade do número de empregos é informal, as aposentadorias do sistema de seguridade social possibilitaram a criação de uma rede de proteção que, embora frágil, é muito extensa. Boa parte das aposentadorias provém, de fato, de uma política social implantada desde a ditadura para os agricultores, cujos empregadores não pagam as contribuições; ou seja, é uma espécie de antecipação do Bolsa Família.

Em segundo lugar, à medida que o salário mínimo instituído em 1938 se desvalorizava nas crises, transformou-se em mínimo para essas aposentadorias sociais. Por um lado, o dispositivo das aposentadorias tornou-se então um mecanismo central de amortização da pobreza, e o fato de que seu nível mais baixo corresponde ao salário mínimo impediu sua total desvalorização. Por outro lado, a valorização do salário mínimo faz dele um instrumento de distribuição de renda (como durante os governos de Lula), mas também uma espécie de teto móvel que bloqueia essa valorização em função de seu impacto direto sobre os orçamentos públicos.
 
A renda básica realmente existente no Brasil

A partir daí, quais são as perspectivas para a construção de uma renda básica que se torne, no Brasil, o terreno indispensável para uma virada biopolítica urgente capaz de sair da atual tragédia da guerra travada contra os pobres? Digamos que a renda básica já existe, mesmo que não represente absolutamente uma alternativa clara. O verdadeiro desafio é, pois, entender as linhas de conflito que separam sua precária existência empírica atual de sua construção como base de uma nova democracia. Podemos tentar traçar essas linhas em três tempos: a forma híbrida da renda básica hoje; o debate atual sobre a crise e a reforma das aposentadorias; e a questão da moeda.

A renda básica realmente existente no Brasil é composta por uma rede tênue de quatro dispositivos de proteção social. Por ordem de importância: o sistema de aposentadorias, o seguro-desemprego, o Benefício de Prestação Continuada e, por fim, o Bolsa Família. As contas das aposentadorias estão equilibradas, apesar do déficit crescente devido às generosas isenções concedidas pelo PT às empresas de diferentes setores e, sobretudo, às contribuições astronômicas que deixam de ser pagas pelas empresas.

O seguro-desemprego e o Benefício de Prestação Continuada, por sua vez, concedidos somente a três milhões de pessoas, pesam juntos cerca de 1,2% do PIB brasileiro, enquanto o Bolsa Família, cujos beneficiários são dezenas de milhões de pessoas, consome apenas 0,4% do PIB. Se consideramos equilibrado o sistema de aposentadorias, seu déficit representando apenas um conflito político acerca de como financiá-lo, os outros programas de distribuição de renda pesam, portanto, no máximo 1,6% ou 2% sobre o PIB. Ora, o governo Dilma deu às grandes empresas, em 5 anos, isenções fiscais que representam mais de três Bolsas Família por ano, e isso sem contar várias outras gratificações concedidas às firmas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento. No mesmo período, os juros da dívida custam ao governo mais de 5% do PIB (início de 2016, fala-se de 9%!), ou seja, cerca da metade do orçamento federal.

No crepúsculo dos governos do PT, temos assim as dimensões monetárias de duas dinâmicas da renda: a renda financeira e dos ricos era (antes da depressão atual) de 7% do PIB, enquanto a renda social não chega a 1,6% ou 2%. Poderíamos dizer que o “Lulismo” defendido pela esquerda hoje se baseia nessa mistificação, uma vez que é um governo para os ricos que quer falsificar a moeda diante de um “Lulismo selvagem”.

Vemos claramente que a renda básica já existe, mas que o financiamento público é distribuído, numa grande divisão, de um lado, aos Global Players (as grandes empresas) e detentores dos títulos da dívida pública e, de outro, aos pobres, através de outras microclivagens entre diferentes regimes de aposentadorias, seguro-desemprego e assistência social. Portanto, o desafio é construir uma grande unificação dos diferentes dispositivos numa Renda Básica que não tenha mais condicionantes além de sua dimensão progressista. Isso significaria começar pelos mais pobres e universalizar depois progressivamente.

Mas, para tanto, é preciso reconhecer que a moeda não tem valor em si mesma e de nada adianta decretar a redução dos índices de juros, como tentou fazer Dilma em 2011 e 2012. Para que a moeda mude de valor, a democracia deve imprimir em suas notas de dinheiro não mais “Que Deus seja louvado”, e sim “os pobres louvem os pobres”, “os pobres amam os pobres”. Foi o que começou a acontecer em junho de 2013, quando a luta contra a inflação aprofundou-se nas mobilizações radicalmente democráticas das ruas. Hoje, essa luta continua, mas suas dimensões constituintes caíram na armadilha da chantagem stalinista e falsamente reformista do medo e da repressão.


Giuseppe Cocco é cientista político.
Silvio Pedrosa é educador.
Publicado na Revista IHU online n.º 492, em 5/9/2016, e retirado do site da Uninômade.

Comentários   

0 #1 Viva a POBRETOLOGIA!José Marques 28-11-2017 21:18
Construir um Estado do Bem Estar Social é excelente, mas enquanto não chegamos lá, o governo precisa garantir o pão para os pobres. Por mais caridosos e assistencialista que possam ser garantir o pão é fundamental. Catar pão no lixo é uma aberração, e enquanto não se consegue uma vara para pescar, precisa-se dar o peixe. Para gerar emprego e renda proponho que só pequenos empreendedores, distribuídos por bairros, forneçam alimentos para presídio, hospitais, escolas. Bolsa família e restaurantes populares são fundamentais. Da Pobretologia para o Estado do bem estar social
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