Correio da Cidadania

Avaliação dos “maus investimentos” e da corrupção na formação da dívida da Petrobras

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Este é o terceiro artigo da série na qual trabalhamos para revelar a realidade da Petrobras. No primeiro demonstramos “O mito da Petrobras quebrada” (1), no segundo justificamos porque a “Principal meta da Petrobras, na gestão Parente, é temerária” (2). O mito foi o pilar ideológico do Plano de Negócios e Gestão (PNG 2017/21) (3) que tem como principal objetivo privatizar, com o álibi da redução do endividamento. O mito da Petrobras quebrada é alimentado pela lenda do endividamento ameaçador. O “terrível monstro” do endividamento teria sido alimentado pela corrupção e por maus investimentos.

Agora ele estaria a ponto de quebrar a Petrobras e a única alternativa seria privatizar os ativos da estatal a toque de caixa. Neste artigo vamos estimar o impacto da corrupção e dos investimentos em ativos ditos improdutivos no endividamento da Petrobras. Será revelada a lenda da origem perversa do endividamento que alimenta o mito da Petrobras quebrada e suporta ideologicamente o objetivo da privatização fatiada da estatal que é disfarçada pela meta da redução da alavancagem.

Nossa motivação resulta da necessidade de esclarecer dúvidas registradas nos comentários aos dois primeiros artigos da série e que intrigam a nós mesmos e a muitos brasileiros:

a)    Quanto da dívida da Petrobras foi adquirida para cobrir ativos improdutivos? Muitos acreditam que grande parte da atual dívida da Petrobras foi utilizada para cobrir ativos sem nenhum retorno. Será que é verdade?

b)    Qual o efeito da corrupção nos resultados (atuais e futuros) da companhia? Já lemos e ouvimos comentários dizendo que “a corrupção quebrou a Petrobras”. Evidentemente, nós sabemos que a empresa não está quebrada, pelo contrário, e isto pode ser visto no nosso primeiro artigo “O mito da Petrobras quebrada”(1). Mas sabemos também que a corrupção reflete no resultado da empresa. Qual é este reflexo? Qual a consequência sobre a dívida?

Pelo que é do nosso conhecimento até hoje ninguém tentou responder estas perguntas. Neste exercício utilizamos dados oficiais publicados pela empresa e estudos que nos pareceram confiáveis. Nada impede que no futuro, havendo razões que justifiquem mudanças nas premissas, as conclusões possam ser revisadas, mas este trabalho pode ser utilizado como referência.

1)    Efeitos dos ativos improdutivos na divida

Os investimentos são feitos a partir de recursos próprios e de terceiros. Para estimar cada fração consideramos o período de 2009 a 2014, quando foram feitos grandes investimentos para produzir e agregar valor ao petróleo e gás natural do pré-sal, refinarias, fertilizantes, fracionamento do gás natural etc. No período foram investidos mais de US$ 250 bilhões, como vemos a seguir:

2009

2010

2011

2012

2013

2014

Total

35,13

45,68

43,16

42,95

48,10

37,00

252,02


Tabela 1: Investimentos da Petrobras (2009-2014), em bilhões de dólares


Foi o período de maior investimento na história da empresa, gerando empregos, desenvolvendo a indústria nacional e treinando pessoal, além da proporcional arrecadação de impostos.

 
Gráfico 1: Investimento da Petrobras, por área de atuação (1985-2015) (5)

Com tal volume de investimentos qualquer empresa teria necessidade de captar recursos de terceiros. Com a Petrobras não foi diferente e o endividamento da companhia sofreu a seguinte evolução:

 
Gráfico 2: Dívida bruta da Petrobras (2006-2016)

Verificamos que a dívida alcançou o máximo em 2014 com US$ 136,04 bilhões. De 2009 a 2014, a dívida cresceu US$ 78,42 bilhões que representa o montante captado para cobrir menos de um terço (31%) dos investimentos no período que totalizaram US$ 252,02 bi.

Do total investido entre 2009 e 2014, US$ 173,60 bilhões (252,02 – 78,42) foram cobertos com recursos próprios, mostrando a forte capacidade de geração de caixa, mesmo num período em que o consumo interno foi subsidiado, dividendos foram distribuídos aos acionistas e participação nos lucros aos funcionários.

 
Gráfico 3: Fontes do investimento da Petrobras (2009-2014)

Muito tem se falado sobre a formação da dívida da Petrobras. Alguns alegam que em grande parte ela foi gerada por investimentos “não produtivos” e como consequência da formação do cartel das empreiteiras e da corrupção.

Uma das funções da reavaliação dos ativos pelo método contábil da imparidade, ou “impairment”, é exatamente ajustar nos balanços o valor dos ativos em função da variação da sua potencial lucratividade.

Entre 2014 e 2016 a Petrobras fez muitos “impairments” que estão sendo questionados, seja na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) onde estão em andamento dois processos, RJ-2015-3346 e SP-2016-182, ou no Conselho Fiscal da estatal onde dos cinco membros, dois não aprovam os balanços desde 2014. Ou seja, os balanços da Petrobras estão sendo aprovados por maioria simples dos conselheiros fiscais (3 x 2).

Para avaliar o impacto dos ativos ditos “improdutivos” no endividamento da Petrobras vamos utilizar os dados dos balanços que estão sendo questionados na CVM e por conselheiros fiscais. No futuro, caso os balanços precisem ser refeitos, nossa avaliação também precisará ser revisada.

Até o momento, as imparidades feitas no imobilizado da Petrobras são as seguintes:

US$ MILHÕES

ATIVO

VALOR

CONTÁBIL

(A)

IMPAIRMENT / BAIXA

VALOR RECUPERÁVEL

C = A - B

2014

2015

2016

TOTAL

(B)

Comperj

10.475

8.220

1.352

903

 10.475

     ----------

2º trem RENEST

6.207

3.442

 -----------

 780

  4.222

  1.985

SUAPE

 2.847

 1.121

   200

   619

 1.940

   907

ARAUCARIA

   367

   116

 ------------

   140

   256 

    111

NSS JAPAO

   129

   129

-----------

-----------

   129

 ----------------

BIOCOMBUSTIVEIS

   134

 -----------

    46

 -----------

    46

    88

UFN III *

  654

 ------------

   501

   153

   654

 ---------------

UFN  V *

   190

 ------------

   190

 -----------

   190

 --------------

QUIXADA

    28

 -----------

 ------------

    28

    28

 -------------

PREMIUM I **

  1.128

  1.128

 ------------

 -------------

  1.128

 --------------

PREMIUM II **

    319

    319

 ------------

 ------------

    319

  -----------------

OUTROS

    981

      6

    210

    148

    364

    617

TOTAL

 23.459

 14.481

  2.499

  2.771

 19.751

  3.708

(*) UFN – Unidade de Fertilizante Nitrogenado  (**)  Foram baixadas no 3º trimestre de 2014

Tabela 2: Baixas contábeis por imparidade, Petrobras (2014-2016)


Portanto, ativos imobilizados considerados “não produtivos”, retirados do balanço, somaram US$ 19,75 bilhões. Nesse artigo não objetivamos avaliar criticamente as premissas e as decisões gerenciais que resultaram na desqualificação desses ativos, mas registramos que há muito que pode e está sendo questionado.

Esclarecemos que não consideramos os “impairments” das reservas de petróleo, já que são resultado da variação do preço do barril no mercado internacional e não tem relação com a baixa de ativos ditos improdutivos.

Como do total de investimentos entre 2009 e 2014 (252,02 bi US$) 31,11% foram cobertos com financiamentos, do investimento em ativos “não produtivos” US$ 6,15 bilhões (0,3111 x 19,75) foram financiados.

Concluímos que do total da dívida existente no final de 2014 (US$ 136,04 bilhões), 4,5% corresponde aos ativos ditos “improdutivos”.

Importante constatar que não ocorreram “impairments” nos investimentos diretos no pré-sal (E&P). Os principais “impairments” foram feitos nas refinarias e petroquímica, empreendimentos que, caso corretamente conduzidos, podem agregar valor ao petróleo e gás natural do pré-sal.

Os investimentos diretos no pré-sal já produzem resultados. Quase 50% da produção brasileira vem do pré-sal, com destaque para o campo de Lula, cuja produção supera 800 mil barris de petróleo equivalente por dia (6).

 
Gráfico 4: Produção de petróleo total, pós sal e pré-sal brasileiros (7)

Destaque também para o campo de Libra, que vai demandar elevados investimentos e cujo Teste de Longa Duração (TLD) está prestes a ser iniciado. A previsão é de que a produção do campo de Libra alcance 1,4 milhão de barris dia (8).

2)    Impacto da corrupção nos resultados e na dívida da Petrobras

Segundo estudo do Tribunal de Contas da União (TCU) (9):

9.1.1. o “valor mais provável” do potencial prejuízo causado na Petrobras na redução dos descontos nas licitações, no período de 2002 a 2015, em razão da existência dos cartéis na Diretoria de Abastecimento, é de 17% em relação à estimativa das licitações tomando por base metodologia econométrica e dados de regressão consagrados internacionalmente e fartamente aceito pelas cortes americanas (Harkrider e Rubinfeld – 2005; e Korenblit – 2012) e brasileiras (Supremo Tribunal Federal (STF), RE 68.006-MG);

9.1.2. o “potencial prejuízo” informado refere-se ao chamado overcharge, assim denominado como a diferença entre o valor cobrado por um determinado produto em um ambiente monopolizado e o valor que deveria ser cobrado caso este produto fosse vendido em um ambiente competitivo;

9.1.3. o parâmetro suprarrelacionado, na ausência de dado mais robusto, em presunção juris tantum, servirá de base para a avaliação de legalidade e legitimidade dos eventuais acordos de leniência que venham a ser pactuados com base na Lei 12.846/2013 (Lei Anticorrupção), nos termos da IN-TCU 74/2015, especificamente no que se refere aos contratos executados na Diretoria de Abastecimento da Petrobras em que participaram as empresas investigadas na “Operação Lava Jato”;

9.1.4. o overcharge em 17 pontos percentuais então estudado, considerando a massa de contratos no valor total da amostra de R$ 52,1 bilhões (valor corrigido pelo IPCA), apontam uma redução do desconto nas contratações de, pelo menos, R$ 8,8 bilhões, em valor reajustado pelo IPCA até a data da conclusão do estudo que ora se apresenta;

9.1.5. se ampliado o escopo dos estudos para além da diretoria de abastecimento (em exata sincronia de critérios utilizados pela Petrobras em seu balanço contábil RMF-3T-4T14, peça 13), o prejuízo total pode chegar a R$ 29 bilhões;

A corrupção, segundo o estudo do TCU, pode ter gerado prejuízo total de R$ 29 bilhões, o que afeta o resultado da empresa nos seguintes aspectos:

a) Maior depreciação pelo aumento no valor do investimento;

b) Maior despesa com juros por aumento na necessidade de financiamento;

c) Menor pagamento de Imposto de Renda por redução dos lucros;

d) Menor pagamento de dividendos por redução dos lucros;

e) Menor pagamento de Participação de Lucros e Resultados por redução dos lucros.

Normalmente, as empresas industriais depreciam seus investimentos de forma linear dentro dos limites autorizados pela Receita Federal, ou seja: veículos 5 anos, equipamentos 10 anos e edificações 20 anos.

Entretanto, na Petrobras, os investimentos relacionados à produção de petróleo e gás são depreciados levando em consideração as reservas provadas existentes e a produção do ativo, conforme as notas explicativas dos balanços.
Como o dado não é divulgado, para estimar o prazo médio de depreciação na Petrobras nós avaliamos dois parâmetros:

1)    Reservas totais provadas de óleo e gás em dez/2016 de 9,5 bilhões de barris. Produção média diária de óleo e gás em 2016 de 2,387 milhões de barris.

Assim nós temos:

- 2,387 x 365 = 871,25 milhões de barris (produção anual)
- 9,5 / 0,87125 = 10,86 anos (prazo médio de depreciação)

2)    Divisão imobilizado pela depreciação anual:

- R$ 571,87 bilhões / R$ 48,54 bilhões = 11,78 anos (prazo médio de depreciação).

Vamos considerar, conservadoramente, que o prazo médio de depreciação na Petrobras é 12 anos. Sendo assim o resultado da companhia é afetado em R$ 2,42 bilhões (29/12) anualmente por efeito de uma depreciação maior.

Sabendo que o prazo médio de amortização da dívida está em torno de 7,5 anos (um prazo total de amortização de 15 anos) e assumindo juros médios de 8% ao ano (a.a.), podemos considerar gastos a mais com juros de 4% a.a., uma vez que os juros (8%) são pagos sobre o saldo devedor.

Sabendo que 31,11% dos investimentos da Petrobras são financiados, a parcela da corrupção financiada seria de R$ 9,02 bilhões (29 x 0,3111). Os juros médios incidentes sobre esta parcela seriam R$ 361 milhões por ano (9,02 x 4%).

Teríamos, portanto, um valor de R$ 2,78 bilhões (2,42 + 0,36) afetando anualmente o resultado da companhia como resultado da corrupção.

Para avaliar o efeito da corrupção na dívida da Petrobras, vamos adotar o mesmo conceito utilizado para determinar a influência dos ativos improdutivos. A diferença é que vamos utilizar dados em reais, moeda base do cálculo do TCU. Como já vimos, o período de crescimento da dívida foi de 2009 a 2014, período também onde se concentraram os investimentos.

A dívida da Petrobras que em 2009 era de R$ 99,59 bilhões no final de 2014 era de R$ 351,04 bilhões, uma elevação de R$ 251,51 bilhões. O estudo do TCU indicou a potencial perda total por corrupção nos contratos da companhia de R$ 29 bilhões. Como vimos no cálculo dos ativos improdutivos 31,11% dos investimentos foram financiados, vamos então considerar que R$ 9,02 bilhões (29 x 0,3111) da corrupção foi financiada. Podemos então estimar que 3,6% (9,02 / 251,51) da dívida seria originária da corrupção.

Concluímos que do total da dívida existente no final de 2014 (US$ 136,04 bilhões), 3,6% corresponde aos efeitos da corrupção.

Considerações finais

Há redundância se somarmos os efeitos na dívida dos ativos “improdutivos” e da corrupção, 4,5% e 3,6% da dívida de 2014, respectivamente. Uma parte da improdutividade dos ativos se deve ao superfaturamento dos contratos pela corrupção. Em outras palavras, os investimentos ditos improdutivos (impairments/baixas) no valor de US$ 19,75 bilhões podem ter sido, em parte, fruto de corrupção.

Se, no caso extremo, considerarmos que todos os ativos reavaliados por imparidade sofreram o efeito da corrupção teríamos uma perda por corrupção de US$ 3,36 bilhões (17% dos 19,75 bi). Este valor (US$ 3,36 bi) teria de ser deduzido da perda total da corrupção estimada pelo TCU (R$ 29 bilhões) para efeito de cálculo da depreciação afetando o resultado, uma vez que estes valores já foram baixados dos ativos e não fazem mais efeito no resultado. Ou seja, haveria uma redução de cerca de 1/3 da perda estimada na conta da corrupção por já ter sido contabilizada na imparidade. Mas como nós não temos como apurar, com razoável precisão, quanto do valor dos ativos baixados estavam envolvidos na corrupção, deixamos para que o leitor exercite a sensibilidade que desejar.

Em síntese, concluímos que do total da dívida existente no final de 2014 (US$ 136,04 bilhões), 4,5% correspondem aos investimentos ditos “improdutivos” e 3,6% correspondem aos efeitos da corrupção. Ressaltamos que os dois efeitos não podem ser somados porque existem efeitos redundantes pelo impacto da corrupção na “improdutividade” dos ativos.

A corrupção viabilizou o interesse dos empreiteiros cartelizados, por meio de executivos de aluguel e de políticos corruptos que se apropriaram privadamente de parte da renda petroleira gerada pela Petrobras. A Petrobras foi lesada e precisa ser ressarcida e fortalecida institucionalmente para evitar a reincidência. Os corruptos e corruptores precisam ser punidos e devolver o produto do roubo.

A privatização transfere o petróleo e os ativos através dos quais são geradas toda a renda petroleira em favor dos interesses privados das multinacionais, controladas por bancos e fundos de investimento internacionais, ou das estatais de outros países.

Quem acredita que a corrupção e os "maus investimentos" foram as principais causas da elevação da dívida da Petrobras; que a dívida se tornou tão grande a ponto de a Petrobras ficar praticamente quebrada; que a redução da dívida é imperativa e que não há alternativa senão privatizar os ativos da estatal para reduzir a sua alavancagem; bem, quem pensa assim está sendo enganado. É vítima da construção da ignorância sobre a Petrobras (9) que objetiva a apropriação privada dos seus ativos e do petróleo brasileiro a preços de liquidação.

Os erros do passado não podem ser usados para justificar os erros do presente. Os crimes do passado não podem ser o álibi para encobrir atos lesivos ou criminosos que são praticados contra a Petrobras atualmente.

 
Referências:

(1) http://correiocidadania.com.br/economia/12574-o-mito-da-petrobras-quebrada  
(2) http://correiocidadania.com.br/economia/12625-a-principal-meta-da-petrobras-na-gestao-parente-e-temeraria    
(3) http://www.investidorpetrobras.com.br/pt/apresentacoes/plano-de-negocios-e-gestao
(4) https://felipecoutinho21.files.wordpress.com/2016/10/existe-alternativa-para-reduzir-a-divida-da-petrobrc3a1s-sem-vender-seus-ativos_rev0.pdf
(5) http://www.investidorpetrobras.com.br/pt/destaques-operacionais/investimentos
(6) http://www.anp.gov.br/wwwanp/images/publicacoes/boletins-anp/Boletim_Mensal-Producao_Petroleo_Gas_Natural/Boletim-Producao_abril-2017.pdf
(7) http://www.brasil.gov.br/governo/2013/10/nota-sobre-o-pre-sal-e-o-campo-de-libra
(8) https://contratospublicos.com.br/tcu-estudo-econometrico-sobre-o-valor-estimado-do-dano-causado-ao-erario-por-conta-de-atuacao-de-cartel-em-licitacoes-encaminhamento-do-trabalho-a-diversos-orgaos-de-controle-juntada-de-copia-da-p/jurisprudencia
(9) https://felipecoutinho21.wordpress.com/2017/02/19/a-construcao-da-ignorancia-sobre-a-petrobras/ 

Cláudio Oliveira é economista aposentado da Petrobras.
Felipe Coutinho é engenheiro químico e presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobrás (AEPET).

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