Correio da Cidadania

O valor do controle da BR Distribuidora

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A Petrobrás declarou, em fato relevante de 22 de julho de 2016, que alterou o modelo de alienação da sua participação na BR Distribuidora, sua subsidiária integral. Encerrou o processo de venda vigente, no qual recebeu três propostas que julgou não atenderem aos objetivos da companhia. Iniciando o novo processo, com novas regras para maximizar o valor do negócio.

 

Segundo a nota, “o novo processo buscará parceiros com os quais a Petrobras compartilhará o controle da distribuidora... De forma que a Petrobras fique majoritária no capital total, mas com uma participação de 49% no capital votante”. Ainda segundo o fato relevante, questões estratégicas - não definidas explicitamente no comunicado - seriam asseguradas pela “estrutura da parceria”.

 

Trata-se de vender o controle com o objetivo de elevar o preço pelo negócio. É razoável avaliar quais motivos levariam os potenciais sócios privados a elevarem suas ofertas dado o acesso ao controle da BR. Este prêmio deve ser recuperado mediante a sua gestão do ativo, segundo a mais elementar lógica empresarial. Sendo assim, é legítimo perguntar: este valor adicional, a ser capturado pelo sócio privado, virá de onde? Fluirá de qual outro agente econômico para o novo sócio controlador da BR Distribuidora?

 

A possível nova estrutura de propriedade e controle da BR Distribuidora levará a uma redistribuição do valor gerado pela atividade da maior distribuidora de combustíveis do país. Para entender as mudanças que estão em jogo, listamos as prerrogativas que, provavelmente, serão utilizadas pelo controlador privado para recuperar seu investimento para assumir tal função societária.

 

1. Gestão para a cobrança da dívida com a Eletrobrás

 

A BR Distribuidora é credora de R$ 5,4 bilhões que são devidos pela Eletrobrás, referentes ao fornecimento de combustíveis para a geração de energia elétrica.

 

A efetiva cobrança da dívida pela via judicial, mas também pelo lobby político, pode permitir a captura deste valor pelo controlador privado. Em detrimento dos cofres da Petrobrás e da União, em contradição com o interesse público.

 

2. Controle dos preços dos combustíveis e lubrificantes

 

O controlador terá a liberdade para ditar os preços dos seus produtos, livre da ingerência governamental. A flutuação dos preços não será influenciada por políticas públicas de amortização da oscilação dos preços internacionais, controle da inflação ou compromissos de abastecimento de regiões remotas e economicamente menos rentáveis. Os consumidores dos combustíveis, diretos e indiretos, perdem e o valor que hoje recebem, a ser capturado pelo novo controlador privado. Neste caso, a Petrobrás está vendendo um valor que sua subsidiária transfere aos consumidores diretos e indiretos de seus produtos.

 

3. Escolha dos fornecedores de derivados refinados e importação

 

O controlador pode maximizar o resultado da atividade de distribuição adquirindo derivados importados, em detrimento do resultado corporativo da Petrobras e da balança comercial brasileira. Haverá prejuízo decorrente da capacidade ociosa nas refinarias brasileiras e a sociedade pode arcar com as consequências da desvalorização do real, diante da maior procura por dólares para importação de derivados. Neste caso, o valor capturado pelo controlador privado deixa de ser percebido pela Petrobrás e pela sociedade brasileira.

 

4. Adoção de engenharia financeira para evasão fiscal

 

Para aumentar o lucro, o controlador privado pode adotar novas práticas de engenharia financeira para minimizar o pagamento de impostos estaduais e federais. Enquanto estatal, os compromissos fiscais são assumidos sem maiores contradições. Neste caso, o valor capturado privadamente é desviado dos governos estaduais e federal e dos usuários dos seus serviços públicos.

 

5. Maximização do resultado de curto prazo

 

A gestão privada pode priorizar a geração de valor para os acionistas, com metas de curto prazo de pagamento de dividendos e de valorização das ações. Para recuperar o investimento no menor prazo, questões estratégicas e do risco para o negócio são relegadas ao segundo plano. Neste caso o valor capturado decorre dos riscos empresariais e do abastecimento nacional assumidos. É um valor de médio e longo prazos, antecipado e desviado da sociedade para o agente privado controlador.

 

6. Precarização do trabalho e terceirização

 

A gestão de Recursos Humanos pode aumentar a exploração da mão de obra, aumentando a extração de valor dos trabalhadores e tornando mais precárias as condições de trabalho. Neste caso, captura de valor da força de trabalho.

 

7. Aperto das condições de pagamento

 

A BR Distribuidora fornece combustíveis para diversos entes públicos, são municípios, estados e governo federal, seus corpos de bombeiros, polícias e hospitais. As condições de pagamento muitas vezes são mais flexíveis, notadamente em relação aos prazos, com a garantia do suprimento para continuidade dos serviços públicos. O controlador privado provavelmente irá rever tais condições e capturar este valor, desviado dos entes federativos, em prejuízo da população usuária dos serviços públicos.

 

8. Revisão de patrocínios e programas culturais

 

O corte em programas de patrocínio da cultura, do esporte e que reforçam a presença da marca BR nas comunidades onde atua podem ser outra medida para captura de valor. Neste caso, perdem os artistas, esportistas, as comunidades e toda a sociedade com o empobrecimento sociocultural. Perde também a Petrobrás, pelo prejuízo em relação ao valor de sua marca diante dos consumidores.

 

9. Fontes indiretas para captura de valor

 

A BR Distribuidora, enquanto subsidiária integral da Petrobrás, permite que a estatal conheça e regule toda a cadeia de valor. Com domínio sobre a estrutura de custos, é possível garantir que o mercado seja competitivo. Com a alienação do controle da BR, aumenta o risco de formação de cartel com a extração de valores excedentes dos consumidores. Condição para a captura privada do valor antes destinado aos consumidores diretos e indiretos pelo mecanismo da competição.

 

A repetição do mantra “não há alternativas”

Na tentativa de construir o senso comum de que não há alternativas ao plano de privatizações - que alcança cerca de um terço do patrimônio da Petrobrás – repete-se que não há outra opção para lidar com a dívida de US$ 125 bilhões. Apresentam-se indicadores dogmáticos e limites proféticos para o endividamento. Também afirmam que a decisão de vender ativos seria técnica e de natureza científica, enquanto na realidade se trata de opção empresarial cuja ordem é política.

 

No artigo Alternativas ao “Entreguismo apresento medidas para preservar o patrimônio da Petrobrás com a garantia do investimento requerido para a segurança energética brasileira.

Em 20 de janeiro de 2016, eram necessários 4,16 reais para comprar um dólar. Em 8 de agosto de 2016, a cotação era de 3,14. Apenas a queda de 1 real na cotação reduziu a dívida da companhia em cerca de R$ 125 bilhões. Montante de quase um terço da atual dívida bruta da companhia que tem ainda cerca de R$ 100 bilhões em reservas.

 

A produção bate sucessivos recordes com o pré-sal alcançando quase 50% da produção nacional. A integração corporativa permite resultados positivos mesmo diante da desvalorização do petróleo, com a maior fatia da receita sendo transferida da Exploração de Produção (E&P) para a área de Abastecimento (refino, logística, distribuição e comercialização). Em 2015, do lucro bruto de R$ 98,5 bilhões, o Abastecimento e a BR Distribuidora responderam por R$ 46,02 bilhões e R$ 8,41 bilhões, respectivamente.

 

Privatizar e ceder o controle da BR Distribuidora para aumentar o preço da sua venda é transferir valor da Petrobrás e da sociedade brasileira para um agente privado, com sérios riscos à integridade corporativa da companhia, ao seu fluxo de caixa futuro e à segurança energética do Brasil.

 

 

Leia também:


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Felipe Coutinho é presidente da Associação de Engenheiros da Petrobrás (AEPET)

http://www.aepet.org.br/

https://felipecoutinho21.wordpress.com/

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