Onde foram parar todos os Punks da classe trabalhadora na exposição ‘Chaos to Punk’ do Metropolitan?

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Gregorio Carboni Maestri, de Nova York/Detroit, para o Correio da Cidadania.
30/08/2013

 

 

A Maçã Suja e a Cidade De(s)truída. Heróis de classe média, fábricas, recessão, desemprego, orgulho. O entusiasmo da classe trabalhadora sonhando em férias que nunca terá. Pessoas que trabalham o ano inteiro dentro de uma máquina tão precisa quanto um relógio suíço. Mas a década de 1950 acabou. O Sonho Americano e sua concepção do pleno emprego estão morrendo aos poucos. O sorriso daquela perfeita, maravilhosa sociedade, está começando a amarelar. O consenso dos conservadores está se partindo.

 

Era o início do fim dos rolling anos 60; a fase derradeira da década em que uma America amarga chegava à sua dramática conclusão e, com ela, a sua trilha sonora, um comercial  rock’n roll sem alma.

 

Em algum lugar em New York e Detroit, numa garagem, em alguns bares pobres, estava nascendo uma música que era algo mais do que o rock’n roll. Era mais radical, mais louca, mais indignada. Era um novo movimento; era o punk... Finalmente, os rebeldes, os sujos, os pobres e até mesmo os ratos tinham agora sua trilha sonora oficial. Iggy and The Stooges, MC5, The Ramones foram algumas das primeiras bandas.

 

Desde ali, como provavelmente sabem, o movimento Punk propagou-se através dos Estados Unidos e, logo, os europeus também ficariam interessados pelo que estava acontecendo do outro lado do Atlântico. E o movimento Punk explodiu em Londres, abraçando as causas da classe trabalhadora daquele país, nos anos mais quentes de sua história, quando havia greves e mais greves. A crise do capitalismo estava mordendo a carne dos trabalhadores e seu sangue despejava-se como rios urbanos nos canais dos subúrbios ingleses. Os jovens filhos dos velhos militantes do partido trabalhista e dos sindicatos, que bebiam chopes para esquecer a depressão que estava chegando com a derrota de sua classe, puseram-se a cantar aquela “raiva contra a máquina”. O movimento Punk era a alma daquela cólera.

 

F***-se o sistema! F***-se a rainha! F***-se o capitalismo; o dinheiro; a direita; a burguesia!

 

O movimento Punk estava crescendo. Desde os pequenos bares, garagens, bairros pobres de New York, havia se tornado maior, tão maior! Milhares de conjuntos usavam agora suas letras como armas artísticas contra o consenso. E junto com este movimento musical, havia novos artistas, pintores, novos modelos gráficos e, sobretudo, uma nova maneira de se vestir – porque a roupa era a maneira mais fácil e mais barata dos jovens da classe trabalhadora expressarem-se. F***-se a Moda!

 

No movimento Punk, não havia propriamente uma moda. Nem havia estilistas. Cada militante era estilista de si mesmo(a); cada um(a) representando uma interpretação deste movimento de rebelião contra o sexismo e o sistema. O cabelo rosa, as peças de roupa em couro com pontas de metal...  Barato e urbano. Mesmo assim, uma militante do Movimento percebeu por onde o vento estava assoprando e, com um certo faro para os negócios, ficou rica e famosa.  Era Vivienne Westwood. Tornou-se a mais endinheirada expressão do Movimento. Seu fashion establishment. Sua representante mais bem sucedida. Mas, paradoxalmente, ela foi também a menos punk de todos e, certamente, a mais contraditória, já que se afastara dos princípios ideológicos básicos do Movimento.

 

O ciclo completara-se. O movimento Punk expressava-se agora através de milhares de ramificações.

 

De volta ao mundo de hoje, o mundo de Apple, das vítimas dos estilistas milaneses e de tantas pessoas maçantes. De volta a New York, onde tudo começou. O menos punk e o mais entorpecido de todos os museus da cidade decidiu organizar uma exibição chamada Punk: Chaos to Couture [Punk: do Caos à Alta Costura]. Foi inaugurada em maio deste ano e no gala de abertura encontrava-se a nata do capitalismo internacional, os mais ricos entre os ricos.

 

Todos estavam lá, de Madonna a Beyoncé. Mas o que essa gente tem a ver com o Movimento Punk?

 

Nada….

 

Isto é, procure imaginar um punk cantando “Like a Virgin”!  Claro que, ao menos, Madonna é cantora. O que realmente não entendi foi o que Donatella Versace estava fazendo neste party e, sobretudo, desde quando ela é uma “líder” da cultura Punk em Milão?

 

Mesmo assim, eu estava curioso para ver a exposição, porque sempre admirei o movimento Punk. Fui vê-la quando cheguei em Nova York, vindo da Espanha. Após esperar numa longa fila de turistas, debaixo de um terrível aguaceiro, entrei no museu. Esperava ouvir boa música, ver boas imagens, inclusive, quem sabe, algo mais exclusivo vindo de algum arquivo, algum material original recolhido nos quatro cantos do mundo. Afinal, era o Metropolitan, com todo o seu prestígio, sua cultura científica! Uma instituição tão séria iria fazer o melhor numa exibição dedicada ao movimento Punk através do tempo!

 

Na entrada, havia somente vestidos da Vivienne Westwood. Não havia nenhuma música. Nenhuma imagem de arquivo. Nenhum contexto histórico que pudesse explicar aos jovens o que fora o movimento, como nascera.

 

Nada...

 

Pensei: “Legal, por que não iniciar com Vivienne”? Afinal, o título da exposição referia-se à moda. Provavelmente seria apresentada a moda forjada nas ruas pelos militantes do Movimento.

 

Aí, caiu a ficha! Porque, à medida que eu ia avançando nas salas, a situação piorava. A exposição tinha tanto a ver com o movimento Punk quanto eu com o Tea Party.  Do movimento Punk em si, a exposição não mostrava absolutamente nada. Não havia a menor alusão a ele. Nem mesmo à sua música (nem às assim chamadas trilhas sonoras que eles criaram). Não havia uma única imagem da rebelião; do contexto histórico; dos filmes da época ou, quem sabe, do clima underground dos subúrbios londrinos, entre o radicalismo político e as tensões sociais daquele momento. Não havia nenhuma referência à correlação artística. Nada. Apenas um falso banheiro falsamente sujo, cheio de tags.

 

Tudo bem! Agora, o que é que Dolce & Gabbana, Armani, Versace — expressões do que há de pior na direita milanesa  (mesmo que talentosa, mas não é disso que se trata) – têm a ver com o movimento Punk?  E Dior? E Yves Saint-Laurent? Nada! Então, alguém poderia me explicar o que a alta costura tem a ver com os Punks? Só porque alguns destes estilistas plagiaram seus estilos, como tecidos rasgados de vários milhões de euros?

 

Mas a falta maior naquela exposição foi aquilo que era mais essencial no Movimento Punk: a Política. O Movimento Punk não consistia em pintar o cabelo de rosa ou rasgar as roupas, cantando “Yeah f*** ohhhhhhhoooooo.” Antes de mais nada, era um movimento ideológico, de esquerda, progressivo, radical, cultural, relacionado a uma crítica direta dos paradigmas econômicos de um sistema baseado no dinheiro. E organizar uma exibição chamada Punk sem mostrar uma única imagem da referência política daquele movimento é como fazer uma exposição sobre a reprodução humana sem mostrar nenhuma representação, mesmo se de modo esquivo, da anatomia humana.

 

O puritanismo e o conservadorismo do Metropolitan não quiseram expor um pênis ou uma vagina chamados ideologia e política. No meu entendimento, devem ter pensado: “Não queremos evocar a política porque queremos mostrar a influência de uma ‘sub’-cultura na ‘alta’-cultura e porque somos uma instituição oficial e, a este título, temos que acolher todo tipo de público, de esquerda e de direita”.

 

Entendo. São uma instituição respeitável que não pode expor certos conteúdos porque devem acolher todo tipo de público. Entendo, Sr. Metropolitan.  No entanto, se quisessem usar o poder de atração do movimento Punk para seduzir os visitantes (e seu dinheiro) e, a seguir, falar sobre valores opostos – como a alta moda exclusiva dos ricos –, poderiam não ter feito uma exposição sobre este tema específico, porque constitui uma falta de respeito para com os milhares de músicos, conjuntos, artistas e militantes que iniciaram aquele movimento  e o mantiveram vivo. Ou então, poderiam não ter chamado esta exposição de “Punk”. Porque, no dia em que fui vê-la, tive que tomar três linhas de metro mais um ônibus, para chegar desde os subúrbios punk do Brooklyn até o bairro chique do Metropolitan, sob uma chuva intensa. Aí, sob aquele aguaceiro, tive que esperar horas para poder entrar, além de gastar todo o dinheiro que tinha. Então, estava tão indignado que me senti Punk. E se soubesse que a exposição seria sobre “Algumas roupas muito caras feitas por famosos estilistas para pessoas muito importantes”, teria ficado em casa ouvindo Four-Skins ou I Spy.

 

As exposições têm uma razão de ser, social e didático-cultural. Elas devem “permitir o acesso” a algo, “explicá-lo” às pessoas, torná-lo acessível para que seja compreendido e instigue o debate; e não utilizá-lo para arrecadar recursos. Esta exposição não permitia tal diálogo, nem qualquer melhor entendimento do que havia sido o movimento. Pior ainda, criou confusão sobre o que ser punk significa realmente. A exposição é uma mistura de algo que nunca realmente aconteceu, até mesmo no que diz respeito a Vivienne Westood.

 

A exposição fechou no dia 14 de agosto. Poderiam estar se perguntando por que escrever sobre uma exposição que já terminou. É uma espécie de vingança, em honra do nome e da memória dos punks da vida real que, ao verem este fashion show, devem ter ficado revoltados ou se revirando nos seus túmulos.  Por isso vocês estão aqui, lendo um artigo sobre uma exibição que não poderão ver. Melhor ouvir a boa música do MDC ou do Blackfire!

 

E se quiserem ver algo sobre moda, sugiro que visitem outra exposição bem mais interessante e surpreendente, que acontece na porta ao lado, sobre Civil War and American Art [A Guerra Civil e a Arte Americana], de 27 de maio a 2 de setembro de 2013. Nesta mostra, mais completa, inteligente e complexa, terão oportunidade de contemplar lindas roupas de época, ao lado de pinturas, fotografias e objetos magníficos. Ali, poderão “entender” plenamente um período histórico, suas tendências culturais no contexto dos sofrimentos que aquela guerra determinou, em plena formação nacional americana. Ali, o Metropolitan cumpriu seu papel sociocultural. E mesmo que poucos falem dela e que Madonna não estivesse na sua inauguração, esta mostra, apesar de mais modesta, realmente abala e comove o visitante. Como se diz aqui em Nova Iorque, ela “rock”! 

 

Gregorio Carboni Maestri é arquiteto, artista e escritor. Atualmente é doutorando-pesquisador em Teoria da Arquitetura na Universidade de Palermo e na Academia Brera de Milão, na Itália. E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

 

© Copyright TheStarkLife.com, Nova Yorque, 2013.

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