Mãe de todas as lutas

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Paulo Metri
23/02/2012

 

Os mais maduros certamente lembram-se da propaganda de meados do século passado, das “pílulas de vida do Dr. Ross”. Era um simples laxante vendido como sendo a cura milagrosa para problemas de uns três órgãos e do sangue, além de trazer paz ao espírito. Com exceção de eventual “paz de espírito” advinda do desaparecimento da prisão de ventre, era uma propaganda enganosa. Mas tão enganosa que o remédio era chamado de “pílulas de vida”, insinuando que tiravam da morte iminente quem as tomasse.

 

“Democracia”, da forma como é pregada desde muito tempo atrás, é a pílula de vida enganosa da humanidade, pois seria a solução para quase todos os seus problemas, desde o desenvolvimento econômico até a distribuição de renda, além de pretender acarretar um alto índice de bem-estar social. Entretanto, este modelo, da forma como implantado mundo afora, não traz o propalado bem-estar.

 

Só um louco seria contra a verdadeira democracia. Contudo, temos aí somente os plágios permitidos pelo capital. São cópias tão bem camufladas que podem até enganar os inadvertidos, mas, se eles prestarem bastante atenção, descobrirão que são ditaduras de poderosos, grandes usufrutuários dela. A bem da verdade, democracia não é um bem que só possa ser classificado de duas formas: “existente” e “não existente”. Os países têm graus de democracia diferentes, o que ocorre, também, com muitos outros valores.

 

Em muitas das proclamadas democracias existentes, há dominação das informações que chegam aos cidadãos pelos meios de comunicação de massas. Elas chegam filtradas e manipuladas, conforme o interesse de grupos econômicos e políticos, e não há democracia quando só há informações truncadas para as tomadas de decisão dos cidadãos.

 

A falta de informações confiáveis se faz presente também no processo eleitoral, uma vez que a comunicação necessária é corrompida por marqueteiros e escondida do público por quase todos os veículos: canais de televisão, rádios, jornais e revistas. Eles levam o eleitor a votar influenciado por questões acessórias, por informações erradas, por conceitos impostos por repetição, como dogmas, e nunca analisados. Assim, o eleitor vota muitas vezes contra seus próprios interesses, manipuladamente, elegendo grande número de péssimos representantes, que deverão seus mandatos somente aos financiadores das campanhas. Desta forma, a democracia eleitoral, em muitas situações, trata-se de uma farsa.

 

Em geral, o governo e a oposição buscam ganhar, por qualquer meio, a aprovação da população sobre diversos temas e, raramente, tal aprovação é obtida com todos os dados por convencimento racional. A mídia do capital sempre apresenta versões distorcidas dos fatos, com análises que pinçam partes da realidade, pois o que está em jogo é muito poder e dinheiro. Marilena Chauí, em entrevista, disse: “Não há debate público de idéias em entes privados.”

 

Por que os países colonizadores pregavam, recentemente, a luta pela democracia no Iraque, no Egito e na Líbia? E, agora, a pregam para a Síria? Sem querer defender sistemas autoritários, os países centrais pregam democracia para estes não por serem amantes dos direitos humanos, mas porque tal democracia é o melhor sistema para as forças locais serem cooptadas e suas empresas fazerem bons negócios. Existe ditadura na Arábia Saudita que nunca é recriminada, porque o ditador do país já faz grandes negócios com as empresas estrangeiras.

 

Contingentes humanos pediam recentemente, e ainda pedem, em diversas nações, por democracia. Sem esquecer seus sofrimentos, entristece-me ver quanta ilusão estão lhes passando, quando a verdade é que estrangeiros e locais mal intencionados desejam somente lucrar com os recursos naturais, os mercados e as mãos-de-obra baratas destes países, aproveitando suas inocências. Chegam notícias recentes da Líbia contando que o terror continua por lá, sendo as milícias que chegaram ao poder com a queda de Kadafi os novos aterrorizadores da população.

 

Assim, a democracia pregada por países com pretensão hegemônica faz parte do arcabouço de um sofisticado processo de espoliação dos colonizados. O máximo da ousadia do plano dos países usufrutuários é a dominação cultural, através da qual os explorados passam a achar que as coisas têm que ser assim mesmo, inclusive eles, subdesenvolvidos. Hoje, em raras situações, a dominação se dá pela força bruta, bastando as mentes dos explorados serem dominadas. Para isto, o papel da mídia não é o suficiente, mas o fundamental. Com a população iludida, sem valores e referências, crendo na predestinação do seu país ao fracasso e aceitando a cultura alienista, não se reage quando decisões prejudiciais a ela são tomadas por uma elite entreguista. Trata-se de uma situação deprimente, que só será revertida se os enganados se tornarem conscientes.

 

Sugiro a todos que queiram mudar o status quo e buscam evoluir para um melhor entendimento das questões nacionais e internacionais desligarem o interruptor que os mantém no mundo virtual, criado pelo atual sistema de mídia, exatamente para transformá-los em colaboradores alienados.

 

Devem começar por escolher criteriosamente as novas fontes de informação. Em primeiro lugar, prestar atenção que a maioria das informações que chega à sua percepção é originada nas seguintes agências de notícias: Associated Press, CBS News, France Presse, BBC News, Reuters, CNN, Bloomberg e mais umas poucas, todas atreladas ao capital. Fugir do oligopólio das agências internacionais de notícias é difícil, entretanto, existem publicações internacionais sérias.

 

No país, temos excelentes revistas e sites informativos e analíticos, se bem que temos também péssimas revistas e sites. Praticamente, não existem canais de televisão e rádios interessantes, sob o ponto de vista da comunicação confiável. As exceções que são feitas referem-se exatamente aos canais estatais, que também têm áreas de jornalismo contidas. Não opino sobre os canais de televisão e rádios, sob o ponto de vista do entretenimento, porque este não é o tema, aqui. Quanto aos grandes jornais impressos, são todos desinteressantes. Existem jornais alternativos impressos de boa qualidade.

 

Um exemplo real de como os grandes veículos de comunicação da nossa sociedade, dominados pelo capital, podem e conseguem desinformar ou mal informar os cidadãos foi dado no dia 03/02/2012, através de um grande jornal, em um artigo radical, no qual se pode ler que a Petrobrás está atrasando o desenvolvimento do Pré-sal e deveria existir pressa para esta produção acontecer, além de outras barbaridades. Se eu mandasse um artigo em que os erros conceituais de tais afirmativas fossem expostos, o tal jornal não o publicaria, por experiências passadas que tenho de situações análogas.

 

Os grandes jornais impressos só apresentam, em editoriais e em artigos, uma única posição para a política do petróleo. O tema “royalties” veio a calhar para eles, porque alguma divergência de pensamento é mostrada, quando se trata de apenas uma questão dentre tantas tão importantes do setor. Assim, os jornais tradicionais, devido às suas subordinações ao capital, principalmente internacional, não promovem um “debate público de idéias”, só dizendo meias verdades e inverdades, omitindo a verdade.

 

A falta de democracia na disseminação de informações fidedignas, parte da democracia política, leva à constituição, em última instância, do Brasil do analfabetismo funcional, da má distribuição de renda, da exploração entre classes, de um mundo político corrupto, enfim, das nossas mazelas. São muitos os conceitos errados difundidos pela mídia para possibilitar a exploração da sociedade. São tantos e repercutem tanto que não seria exagero chamar a luta pela democratização da comunicação de massas como a “mãe de todas as lutas”.

 

Paulo Metri é conselheiro da Federação Brasileira de Associações de Engenheiros e do Clube de Engenharia.

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