Correio da Cidadania

Que queriam os golpistas em 1961?

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A tentativa golpista fracassada de 1961 expressava tendências político-sociais profundas, presentes no cenário nacional desde o pós-guerra. Elas emergiriam vitoriosas em 1964, para formatar a sociedade nacional em um sentido socialmente patológico.

 

Quando do retorno de Getúlio Vargas ao governo, em 1950, o padrão de acumulação através do desenvolvimento industrial autônomo, apoiado no capital e no mercado interno (nacional-desenvolvimentismo), encontrava-se já em um claro impasse. Ele se frustrava na estreiteza do mercado interno e da poupança nacional. No Estado Novo, o latifúndio fora preservado, sem estenderem-se as leis sociais ao campo, mantendo-se imensas regiões e populações em economia semi-natural, à margem das leis trabalhistas.

 

O mercado de consumo urbano era limitado. A produção industrial nacional assentava-se na extração de mais-valia absoluta – longas jornadas de trabalho e salário em geral próximo ao mínimo necessário à subsistência. A escassa capacidade de consumo da população nacional impedia a produção em escala, com tecnologias avançadas, apoiada na produção de mais-valia relativa.

 

A continuidade do nacional-desenvolvimentismo exigia forte expansão dos investimentos e do consumo, através da destruição do latifúndio, sem indenização, e generalização das leis trabalhistas e elevação geral dos salários. Exigia, igualmente, a nacionalização do comércio exterior, para captação de recursos, e forte expansão do setor bancário público.

 

Uma crescente participação estatal no setor industrial e bancário era imprescindível à implantação de indústria nacional de bens de produção, realidade esboçada na reorientação do destino da Fábrica Nacional de Motores, fundada, durante a Guerra, para produzir motores de aviões. A revolução tecnológica mundial tornava obsoleto o parque industrial nacional, exigindo importantes investimentos nessa área e na pesquisa, possíveis de serem realizados apenas pelo Estado.

 

Essas reformas essencialmente democrático-burguesas redefiniriam a correlação de forças sociais. Elas fortaleceriam o mundo do trabalho e romperiam a associação-aliança subordinada dos latifundiários às classes industrialistas nacionais. Um processo que assustava a burguesia industrial brasileira, até então na direção indiscutível do bloco político-social nacional-desenvolvimentista.

 

A fragilidade econômica e a pusilanimidade política da burguesia industrial brasileira impediam que se completasse a revolução democrática, imprescindível a um desenvolvimento substancial, equilibrado e auto-suficiente da nação. Ela entregava, nos fatos, essa tarefa ao proletariado industrial. Nesse contexto geral, nas décadas seguintes, a burguesia nacional assumiu crescente posição de subalternidade diante do capital imperialista, ao qual optou por associar-se/submeter-se, lutando apenas para garantir as melhores posições relativas possíveis.

 

Nesses anos, o capital imperialista evoluía para padrão de acumulação e exploração apoiado fortemente na constituição, no exterior, de indústrias para a produção das mercadorias antes exportadas por suas sedes nacionais. Impunha-se, portanto, pôr fim a qualquer padrão de construção de indústria nacional autônoma. Sobretudo em um país com as dimensões do Brasil, em que uma produção industrial em escala terminaria exigindo a expatriação de seus capitais e mercadorias, em competição com os capitais imperialistas.

 

No plano político, as grandes classes industriais do Brasil optaram por governos fortes e ditatoriais, para pôr fim ao padrão nacional-desenvolvimentista, ao populismo, ao trabalhismo, ao sindicalismo. Exigiam a transferência dos parcos recursos do Estado aos segmentos industriais; o confisco de direitos e renda dos trabalhadores; a abertura do país aos capitais mundiais. O mercado internacional e não mais a população nacional, absoluta e relativamente depauperada, seria o espaço de realização prioritário da produção nacional.

 

Leia também A grande oportunidade perdida

 

Mário Maestri é professor do curso de História e do programa de pós-graduação em História da UPF.

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Comentários   

0 #1 AutonomiaLuiz Paulo Santana 09-09-2011 16:00
Minha curiosidade é inútil, porque tudo ocorreu dentro dos marcos do desenvolvimento capitalista, que balizou as soluções num quadro de livre iniciativa, de propriedade privada, submetendo a população e destruindo, mais cedo ou mais tarde, quaisquer alternativas que por ventura aparecesse.
Mesmo assim, a pergunta: seria possível um país como o Brasil desenvolver-se com autonomia, criando seus próprios meios e soluções, forjando seu próprio processo de acumulação, já que possui uma formidável diversidade de recursos?
Cuba não conseguiu, mas esse país não possui os recursos que o Brasil possui. Ainda assim, avançou em algumas áreas como na educação e nas ciências médicas.
É o que disse, apenas um exercício no vazio, um esforço de reflexão. Ou, de repente, com desdobramentos da crise geral, da questão climática, dos problemas populacionais, quem sabe ainda teremos que pensar no assunto?
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