Memória comunista: 20 anos da morte de Caio Prado Jr

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Milton Pinheiro
03/12/2010

 

No último dia 23 de novembro fez 20 anos da morte daquele que é considerado o nosso maior historiador, Caio Prado Jr. Esse pensador e homem de ação marcou o debate intelectual e político brasileiro, ao tempo em que agia sobre a realidade social, como militante do Partido Comunista Brasileiro, onde ingressou em 1931, permanecendo em seus quadros até sua morte em 1990. Foram 59 anos de uma militância constante.

 

Caio Prado Jr. nasceu no dia 11 de fevereiro de 1907, na cidade de São Paulo, e sua vida pode ser sintetizada por uma frase que ele citara no seu discurso como deputado estadual do PCB, na primeira sessão da primeira legislatura de 1947, da Assembléia Legislativa de São Paulo: "É por ação que os homens se definem". Portanto, para conhecimento da história do Brasil, da luta pelo socialismo e da memória do PCB, é importante registrar a vida do camarada Caio Prado Jr., sem dúvida, o nosso maior intelectual.

 

Em 1924, Caio Prado Jr. ingressou na Faculdade de Direito de São Paulo, já em 1926 participou do primeiro congresso dos estudantes de Direito, em Minas Gerais, e, em 1927, publicou o seu primeiro artigo no periódico A Chave, intitulado "A Crise da Democracia Brasileira". Em 1928, tornou-se bacharel em Direito. Nessa mesma ocasião foi preso em São Paulo por fazer uma saudação à candidatura de Getúlio Vargas, ao se dirigir ao então candidato Júlio Prestes. Em 1930, participou da Revolução como membro de um comitê de apuração dos crimes do governo anterior.

 

Em 1932, começou a publicar artigos, já com conteúdo marxista, examinando, naquele período, a economia brasileira. Nesse mesmo ano, fundou o Clube dos Artistas Modernos (CAM) e, em 1933, viajou para a URSS e, no retorno, publicou o livro Evolução Política do Brasil – Ensaio de Interpretação Materialista do Brasil. Logo depois, em 1934, publicou URSS: um Mundo Novo e nesse mesmo ano concluiu a tradução do livro de Bukhárin, Tratado de Materialismo Histórico, fato de grande relevância histórica para a luta ideológica no Brasil, pois passávamos a ter literatura marxista entre nós. Ainda em 1934, enquanto participava de vários cursos na USP, que havia sido recentemente fundada, juntamente com vários intelectuais europeus e brasileiros, fundou a Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB).

 

O ano de 1935 se reveste de grande ebulição. São as lutas contra o governo autoritário de Getúlio Vargas e a construção de um instrumento de frente única chamado de ALN (Aliança Libertadora Nacional). Caio Prado Jr. foi eleito o vice-presidente da ALN em São Paulo e, nesse mesmo ano, passou a ser o diretor do jornal A Platea, onde escreveu e publicou o programa da ALN. O ano prossegue com grandes agitações políticas, em novembro ocorrera o levante comunista e o governo popular e provisório de três dias na cidade vermelha de Natal, logo sufocado pelas tropas de Vargas a serviço da burguesia. A partir daí, desenvolveu-se uma gigantesca repressão aos comunistas e aliancistas por todo o país. Nessa onda repressiva ocorreu a prisão de Caio Prado Jr. no Rio Grande do Sul, depois trazido para São Paulo, onde ficou preso até 1937.

 

Quando foi solto, ainda no ano de 1937, viajou para o exílio na França, onde desenvolveu intensa atividade intelectual e política. Fez cursos na Sorbonne, viajou pelo Norte e Noroeste da Europa e exerceu forte ação de solidariedade aos refugiados da Guerra Civil Espanhola. De 1937 a 1939, enquanto esteve na França, militou no Partido Comunista Francês e nele exerceu muitas atividades políticas. Durante esse período escreveu muitos textos, em especial pesquisa historiográfica, relatos de viagens, debates sobre cultura e uma discussão sobre a gênese e a evolução do socialismo.

 

No seu retorno ao Brasil, empreendeu várias viagens pelo interior do país, ficando mais tempo no estado de Minas Gerais e escrevendo textos sobre essas viagens, bem como um estudo sobre a questão urbana da cidade de São Paulo, publicado em 1941. Em 1942, foi lançada sua grande obra Formação do Brasil Contemporâneo, que tem como eixo central o estudo da formação social brasileira e a sua transformação. Assim como Marx, no Capital, para Caio Prado Jr. o estudo da realidade brasileira e sua formação social e histórica contém os elementos de suas características atuais e os elementos para sua transformação. Apesar de ser uma obra respeitada e elogiada por historiadores de todos os tempos, mais do que uma grande pesquisa historiográfica, o objetivo subjacente é o conhecimento da realidade para sua transformação revolucionária.

 

Durante o ano de 1943, Caio Prado Jr. fundou a editora Brasiliense e escreveu diversos artigos sobre historiografia, em especial o Roteiro para Historiografia do Segundo Reinado (1840-1889). No ano seguinte, o intelectual comunista resolveu fazer articulações políticas para derrubar o governo Vargas, viajando para a Argentina e o Uruguai, onde manteve contato com intelectuais; todavia, mesmo com essa intensa movimentação política, continuou escrevendo textos historiográficos sobre algumas regiões do Brasil, sobre índios, povoamento e limites geográficos.

 

No ano de 1945, com o processo de democratização do Brasil e a legalidade do PCB, Caio Prado Jr. disputou a eleição para deputado federal na lista do Partido em São Paulo, mas ficou na terceira suplência. Ainda naquele ano, foi publicado o livro História Econômica do Brasil, e, logo em seguida, ele foi eleito para a Comissão Política do I Congresso Brasileiro de Escritores. Pouco depois, lançou a coleção Problemas Brasileiros pela editora Brasiliense.

 

Em 1946, Caio Prado Jr. aprofundou seus escritos nos diários políticos que fazia e participou, no PCB, dos debates sobre as candidaturas a deputado estadual que ocorreriam no ano seguinte. Nas eleições de 1947, elegeu-se deputado estadual pelo PCB e participou intensamente dos debates no parlamento, onde apresentou emendas e projetos para a constituição paulista de 1947. Durante sua legislatura, dentre vários projetos, vale ressaltar que apresentou o projeto de criação da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), que se transformou em um dos mais importantes instrumentos de apoio à pesquisa no Brasil. Nesse mesmo ano, Caio Prado Jr. publicou no jornal do PCB, A Classe Operária, o artigo "Fundamentos econômicos da revolução brasileira", onde criticou algumas avaliações e teses do partido.

 

A luta política e ideológica se acirrou no Brasil, o registro do PCB foi cassado em 1948 e Caio Prado Jr. teve seu mandato cassado juntamente com outros deputados comunistas pelo país. Ficou preso durante três meses e, quando foi solto, viajou para a Polônia, Tchecoslováquia e França. Durante esse período, trabalhou em textos filosóficos e prosseguiu em viagens pelos países da Europa, quando participou do Congresso da Paz em 1949, realizado em Paris pelo Partido Comunista Francês.

 

Nos anos de 1950 e 1951, Caio Prado Jr. se dedicou ao estudo da filosofia e publicou, em 1952, o livro, em dois tomos, Dialética do Conhecimento.

 

Um dado importante para a memória da luta ideológica no Brasil é que, em 1954, foi fundada por Caio Prado Jr. a gráfica Urupês, que foi responsável pela publicação de farto debate sobre a realidade brasileira. Ainda nesse mesmo ano, Caio Prado Jr. concorreu à cátedra de Economia Política na USP, todavia, mesmo tendo sido aprovado no concurso de Livre-docência, não recebeu a cátedra na faculdade de Direito.

 

Em 1955, foi lançado o primeiro número da histórica revista Brasiliense e, já no número 2, Caio Prado Jr. escreveu o artigo "Nacionalismo Brasileiro e Capitais Estrangeiros". Nos anos seguintes continuou seu trabalho intelectual e, em 1957, publicou o livro Esboço dos Fundamentos da Teoria Econômica.

 

Entre 1960 e 1962, Caio Prado Jr. viajou pelos países socialistas, URSS, China, e em Cuba participou das comemorações do III aniversário da Revolução, integrando a delegação brasileira. Em 1962, no seu retorno, publicou o livro O Mundo do Socialismo.

 

Com o golpe civil-militar de 1964, saiu o último número da revista Brasiliense (51). Caio Prado Jr. foi preso novamente e passou uma semana encarcerado no DOPS. Essa nova conjuntura brasileira e suas preocupações com a transformação da realidade encontraram em Caio Prado Jr. um esforço intelectual intenso, pois em 1966 ele lançou o clássico A Revolução Brasileira. Esse livro produziu um grande impacto na esquerda em nosso país e a perseguição política da ditadura avançou. Caio Prado jr. fugiu do Brasil em 1970 para o Chile, mas foi preso ao retornar nesse mesmo ano e assim permaneceu por quase dois anos. Foi indiciado em inquérito policial-militar (IPM) e condenado. Ficou preso, primeiro na casa de detenção Tiradentes e depois no quartel de Quitaúna, quando foi solto em agosto de 1971.

 

Embora esse ano de 1971 tenha sido um ano em que ficou preso, mesmo assim publicou o livro O Estruturalismo de Lévi-Strauss – o marxismo de Louis Althusser. A partir daí, começou o processo de recolhimento de Caio Prado Jr., porém continuando em articulação com as ações do partido e produzindo intelectualmente, publicando ainda textos e livros. Em 1979, ficou doente e passou por um período muito difícil até 1982, com o mal de Alzheimer. Continuou trabalhando muito, desenvolvendo suas reflexões intelectuais e, em 23 de novembro de 1990, morreu aos 83 anos, em São Paulo. Seu corpo foi velado na biblioteca municipal Mário de Andrade e foi sepultado no Cemitério da Consolação.

 

Calava-se a voz, paralisava-se a pena do maior intelectual da história do PCB e maior historiador do Brasil. Mas suas ações e suas formulações pautaram a luta e o pensamento sobre a revolução em nosso país. Serve como marca indelével para o futuro socialista pelo qual todos nós lutamos.

 

Milton Pinheiro é professor de Ciência Política da Universidade do Estado da Bahia – Uneb, editor da revista Novos Temas e autor do livro Outubro e as experiências socialistas no século XX.

 

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