PM determina: favelado não tem direito a lazer
- Detalhes
- Celso Lungaretti
- 18/07/2009
"Podem me prender
Podem me bater
Podem até deixar-me sem comer
Que eu não mudo de opinião
Daqui do morro
Eu não saio, não"
("Opinião", Zé Keti)
Freqüentemente recebo mensagens me cobrando posicionamento tão incisivo contra a ditadura e as torturas do presente quanto os que eu assumo em relação às dos anos de chumbo.
Quem viveu aquele período de arbítrio e atrocidades, sabe que a barra pesava muito, muitíssimo mais.
Mesmo assim, é chocante que, depois de tanta luta para trazermos o Brasil de volta para a civilização, o cidadão comum continue tão impotente para influir nos destinos do país, a imprensa tão blindada contra versões/interpretações alternativas e os direitos civis tão impunemente atingidos (ainda mais quando a vítima é a população carente).
Assim, a imprensa na terça-feira, 14, noticiou que a Polícia Militar do Rio de Janeiro vai impedir pela força a realização de bailes funk nas favelas. Alega que não consegue coibir o tráfico de drogas sem pisotear o direito dos favelados ao lazer.
Como motivo imediato, apresenta um episódio que evidencia, isto sim, abuso de autoridade e incompetência criminosa de sua parte: desencadeou uma operação repressiva para prender traficantes em meio a um baile no Morro dos Macacos (lá na Vila Isabel do saudoso Noel) e acabou travando tiroteio com eles, no último sábado.
Saldo: três mortos e seis feridos. Quem não tinha culpa no cartório pegou as sobras, como sempre. Caso de uma moradora de 35 anos.
Se o preço para prender traficantes é colocar inocentes em risco, a PM jamais, JAMAIS!, deve fazer tal opção.
A intervenção policial em meio a uma multidão de civis só se justifica quando há violência sendo cometida. Meras detenções podem ser deixadas para depois, pois a vida dos inocentes é SEMPRE o valor supremo a ser respeitado.
Só autoridades extremamente tacanhas e despreparadas para atuar numa democracia podem supor que a proibição do lazer, além de juridicamente aberrante, traga algum benefício concreto.
"O que radicalizou o funk foi a proibição, nos anos 90, de os clubes terem festa. O baile foi para dentro da comunidade, e a favela passou a falar para a favela: as pessoas falam sobre o que vivem. O preconceito é com o funk, como antigamente o sambista era preso. A favela não pode se expressar", queixou-se, com inteira razão, o presidente de uma associação funkeira. E uma ex-vereadora completou: "O que vão fazer 20 mil pessoas que não têm direito a lazer?".
Se depender da PM, ficarão escondidas em seus barracos, pisando em ovos para não despertar a ira dos fardados, exatamente como os judeus viviam nos guetos em que os nazistas os confinavam.
Celso Lungaretti é jornalista e escritor, mantém os blogues http://naufrago-da-utopia.blogspot.com/ e http://celsolungaretti-orebate.blogspot.com/.
{moscomment}
Comentários
Estranho não?! Por que será que todos que conheço que buscaram este segundo caminho (Incluindo eu), sairam da favela, tem hoje sua casa própria, seu carrinho, filhos bem criados? Por que será que os "revoltadinhos" que seguiam a maldita cultura hip-hop e enchiam a cabeça com a porcariada pregada pelo funk continuam lá na m... vivendo de subempregos e do assistencialismo (os que não viraram bandidos) e cheios de filhos desnutridos, um de cada mãe. Por que será, héin???
Ah sim! Lazer por lazer, eu preferia pegar um cinema, passear no parque, um barzinho quando sobrava uma grana...
Quem quer ser tratado com civilidade não deve agir como um selvagem...
Um abraço!
Não acredito que a proibição dos bailes resolva a questão do tráfico de drogas. Mas é notório que estes bailes, são no mínimo, interessantes para o tráfico, já que se representam um importante ponto de venda e consumo de drogas.
É preciso uma ação ampla e conjunta, com as diversas frentes do poder público e suas esferas. Enquanto isso não acontecer, nos contentaremos com as possíveis medidas paliativas representadas por políticas assistencialistas e repressão policial.
Quanto ao Funk, fico realmente indignado com a forma como se referem a esta manifestação da cultura de massa. Chegam a compará-lo ao samba das primeiras décadas do século XX. E mais, dizem que o Funk é a voz dos favelados, os quais através do Funk falam da sua realidade.
O samba falava da realidade dos moradores de favelas e subúrbios cariocas, mas não vejo esta propriedade no Funk. Se é que meus ouvidos não me enganam, o que escuto é, na esmagadora maioria dos casos, a apologia à promiscuidade sexual, ao tráfico de drogas e suas armas e ao uso de drogas, no mais, temos aqueles inofensivos e até ajeitadinhos que falam de amor, e aqueles que ao repetirem um refrão sem sentido, não dizem absolutamente nada.
Não creio que esta seja a voz dos favelados! Acredito na capacidade, no bom gosto e no bom senso destas populações que realmente têm muito o que dizer sobre sua realidade. Talvez o pessoal do Hip-hop seja um exemplo disso hoje em dia, assim como foi o pessoal do samba em outras épocas.
Parece muito claro que se um dia o Funk foi uma manifestação espontânea das populações das periferias excluídas, hoje, não passa, exceto por alguns de seus representantes, de cultura de massa, industrial, comercial, vazia e de mau gosto. O que dizem ser uma manifestação do pobre, me parece ser imposto a ele e a nós, assim como a situação de abandono que vivemos.
Assine o RSS dos comentários