Correio da Cidadania

PM determina: favelado não tem direito a lazer

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"Podem me prender

Podem me bater

Podem até deixar-me sem comer

Que eu não mudo de opinião

Daqui do morro

Eu não saio, não"

("Opinião", Zé Keti)

 

Freqüentemente recebo mensagens me cobrando posicionamento tão incisivo contra a ditadura e as torturas do presente quanto os que eu assumo em relação às dos anos de chumbo.

 

Quem viveu aquele período de arbítrio e atrocidades, sabe que a barra pesava muito, muitíssimo mais.

 

Mesmo assim, é chocante que, depois de tanta luta para trazermos o Brasil de volta para a civilização, o cidadão comum continue tão impotente para influir nos destinos do país, a imprensa tão blindada contra versões/interpretações alternativas e os direitos civis tão impunemente atingidos (ainda mais quando a vítima é a população carente).

 

Assim, a imprensa na terça-feira, 14, noticiou que a Polícia Militar do Rio de Janeiro vai impedir pela força a realização de bailes funk nas favelas. Alega que não consegue coibir o tráfico de drogas sem pisotear o direito dos favelados ao lazer.

 

Como motivo imediato, apresenta um episódio que evidencia, isto sim, abuso de autoridade e incompetência criminosa de sua parte: desencadeou uma operação repressiva para prender traficantes em meio a um baile no Morro dos Macacos (lá na Vila Isabel do saudoso Noel) e acabou travando tiroteio com eles, no último sábado.

Saldo: três mortos e seis feridos. Quem não tinha culpa no cartório pegou as sobras, como sempre. Caso de uma moradora de 35 anos.

 

Se o preço para prender traficantes é colocar inocentes em risco, a PM jamais, JAMAIS!, deve fazer tal opção.

 

A intervenção policial em meio a uma multidão de civis só se justifica quando há violência sendo cometida. Meras detenções podem ser deixadas para depois, pois a vida dos inocentes é SEMPRE o valor supremo a ser respeitado.

 

Só autoridades extremamente tacanhas e despreparadas para atuar numa democracia podem supor que a proibição do lazer, além de juridicamente aberrante, traga algum benefício concreto.

 

"O que radicalizou o funk foi a proibição, nos anos 90, de os clubes terem festa. O baile foi para dentro da comunidade, e a favela passou a falar para a favela: as pessoas falam sobre o que vivem. O preconceito é com o funk, como antigamente o sambista era preso. A favela não pode se expressar", queixou-se, com inteira razão, o presidente de uma associação funkeira. E uma ex-vereadora completou: "O que vão fazer 20 mil pessoas que não têm direito a lazer?".

 

Se depender da PM, ficarão escondidas em seus barracos, pisando em ovos para não despertar a ira dos fardados, exatamente como os judeus viviam nos guetos em que os nazistas os confinavam.

 

Celso Lungaretti é jornalista e escritor, mantém os blogues http://naufrago-da-utopia.blogspot.com/ e http://celsolungaretti-orebate.blogspot.com/.

 

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Comentários   

0 #4 Paulo 14-09-2009 13:16
Sou da periferia (ou subúrbio) e não me sinto "representado" pelo funk que com suas letras pornográficas e violentas só fazem piorar a relação com as autoridades. A minha resposta não foi a revolta e sim estudar, mesmo trabalhando desde moleque, fazendo cursos gratuitos e buscando conhecimento pelas bibliotecas cidade afora. A minha "revolta" era pensar:"EU VOU SAIR DESTE LUGAR!"
Estranho não?! Por que será que todos que conheço que buscaram este segundo caminho (Incluindo eu), sairam da favela, tem hoje sua casa própria, seu carrinho, filhos bem criados? Por que será que os "revoltadinhos" que seguiam a maldita cultura hip-hop e enchiam a cabeça com a porcariada pregada pelo funk continuam lá na m... vivendo de subempregos e do assistencialismo (os que não viraram bandidos) e cheios de filhos desnutridos, um de cada mãe. Por que será, héin???
Ah sim! Lazer por lazer, eu preferia pegar um cinema, passear no parque, um barzinho quando sobrava uma grana...
Quem quer ser tratado com civilidade não deve agir como um selvagem...
Um abraço!
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0 #3 Lazer disciplinadoPaulo 12-09-2009 20:05
Caro Celso Ungaretti esta história de que "A intervenção policial só se justifica quando há violência sendo cometida" é conversinha de sociólogo. A intervenção policial se justifica SIM!, onde há apologia ao crime, à violência, às drogas e tudo o mais que incite os jovens à tais práticas. Esses bailes funks são verdadeiros barris de pólvora que entopem a cabeça de porcariada... Não sou à favor da total proibição dos bailes mas acho que tem que haver limites, afinal não somos selvagens, somos seres civilizados, coisa que os tais bailes funks nos moldes em que estão, não parecem...
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0 #2 A violência e o Funk.Evaldo de Abreu Vieira Filho 10-08-2009 19:17
Em primeiro lugar é bom acertarmos que a atuação do poder público nas \"favelas\", (surgidas a partir de fins do século XIX), não é satisfatória, muito menos para os moradores destas comunidades. Quando falo em poder público, estou considerando saúde, educação, transporte, infra-estrutura e segurança. Aliais, seria ótimo se pudéssemos ao menos parar com toda e qualquer forma de crescimento desordenado nas cidades. Bairros e condomínios ricos estão incluídos quando falo de crescimento desordenado, mas, as comunidades pobres na cidade do Rio de Janeiro, de topografia acidentada, sem dúvida, beneficiam o tráfico de drogas.
Não acredito que a proibição dos bailes resolva a questão do tráfico de drogas. Mas é notório que estes bailes, são no mínimo, interessantes para o tráfico, já que se representam um importante ponto de venda e consumo de drogas.
É preciso uma ação ampla e conjunta, com as diversas frentes do poder público e suas esferas. Enquanto isso não acontecer, nos contentaremos com as possíveis medidas paliativas representadas por políticas assistencialistas e repressão policial.
Quanto ao Funk, fico realmente indignado com a forma como se referem a esta manifestação da cultura de massa. Chegam a compará-lo ao samba das primeiras décadas do século XX. E mais, dizem que o Funk é a voz dos favelados, os quais através do Funk falam da sua realidade.
O samba falava da realidade dos moradores de favelas e subúrbios cariocas, mas não vejo esta propriedade no Funk. Se é que meus ouvidos não me enganam, o que escuto é, na esmagadora maioria dos casos, a apologia à promiscuidade sexual, ao tráfico de drogas e suas armas e ao uso de drogas, no mais, temos aqueles inofensivos e até ajeitadinhos que falam de amor, e aqueles que ao repetirem um refrão sem sentido, não dizem absolutamente nada.
Não creio que esta seja a voz dos favelados! Acredito na capacidade, no bom gosto e no bom senso destas populações que realmente têm muito o que dizer sobre sua realidade. Talvez o pessoal do Hip-hop seja um exemplo disso hoje em dia, assim como foi o pessoal do samba em outras épocas.
Parece muito claro que se um dia o Funk foi uma manifestação espontânea das populações das periferias excluídas, hoje, não passa, exceto por alguns de seus representantes, de cultura de massa, industrial, comercial, vazia e de mau gosto. O que dizem ser uma manifestação do pobre, me parece ser imposto a ele e a nós, assim como a situação de abandono que vivemos.
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0 #1 Favelado não tem direito a lazerPercio 21-07-2009 07:39
Esse tipo de ação não vai reduzir em nada o tráfico de drogas, seja em favelas, seja em qualquer outro lugar. A ação se justifica somente se houver perturbação da ordem pública, ou seja, deve-se respeitar o direito dos demais moradores. Quanto à promiscuidade propalada (com certa hipocrisia), devemos lembrar também que algumas ceitas religiosas, que circulam livremente por todos os rincões deste país, promovem lavagem cerebral tão perniciosa em seus membros, que se comparada ao FUNK, este seria oração de Madre Teresa de Calcutá.
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