Correio da Cidadania

Gibran Khalil Gibran: “o americano árabe do Líbano”

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Nascido na localidade de Bsharre, Líbano, em 1883, viveu em seu corpo as marcas da história de seu povo, inserido dentro de um contexto econômico político que determinou o comportamento imigratório de libaneses, palestinos e sírios nos últimos anos do século 19 até os primeiros anos do século 20.

Com doze anos de idade, Gibran emigrou para os Estados Unidos da América em 1895, acompanhando a mãe e os irmãos. Tentativa corajosa de uma mulher que buscou na expansão da América a realização da potência reprimida de seu povo.

Amargava o povo do Crescente Fértil a consequência do então domínio do Império Otomano, e, potencialmente visado como polo de negociações dos interesses internacionais que destilavam as divergências internas das diferenças nacionais árabes, usadas como argumento para dar consistência a outros projetos que a Europa e América necessitavam orquestrar e executar.

A moderna história imigratória do povo árabe, seja ele libanês, palestino ou sírio coincide com o nascimento da trajetória de Gibran Khalil Gibran, enquanto imigrante e poeta.

Ao mergulhar na obra e contribuição artística de Gibran, estamos decifrando o inconsciente coletivo de um povo que clama pela liberdade, pela justiça e pela busca de realização de sua potencialidade recalcada e reprimida por séculos de usurpações que remontam ao século 12 quando da decadência árabe na Europa e consolidada no século 15 com a ascensão do Império Otomano, que estancou o pouco de sangue e vitalidade que ainda irrigavam as veias da região árabe da Síria de então, incluindo nelas os atuais Estados do Líbano, Palestina e outros.

Gibran foi o emergente psíquico, a voz poética, a sensibilidade artística, o livre pensador cujas raízes estavam fincadas no velho mundo, e cujas asas o conduziam ao futuro, à América.

Em suas veias corria o sangue de uma multiplicidade de culturas como a fenícia, aramaica, assíria, pérsica, grega, árabe e outras.

Ao imigrar e atravessar o Atlântico transportava em sua bagagem a tradição e a história do mundo antigo, deixando para trás suas divergências, suas mágoas e seus nós mal resolvidos.

Na amplitude do espaço e riqueza americana, encontra o habitat ideal de expansão e de desenvolvimento de suas potencialidades, que lhe eram negados no velho continente.

Na América, descobre outra riqueza cultural, resultante do intercâmbio de raças e culturas que por milênios transitaram entre Ásia, África e Europa. A bagagem científica, tecnológica, política e administrativa do velho mundo fora uma valiosíssima aquisição que a América acabara de receber e que antes desconhecia.

Este período não reservou apenas farturas e riquezas; doenças, epidemias, revoltas e inúmeras dificuldades foram vividas, tanto pela população autóctone como pelos colonizadores e imigrantes. Da mesma forma que a mãe natureza atrai e irradia vida e plenitude, ela também expulsa e rejeita muitos de seus filhos.

O poeta e livre pensador Gibran Khalil Gibran desenvolve sua obra na mesma medida do desenvolvimento e aperfeiçoamento do seu Eu. Seus biógrafos coincidem em posicionar os diferentes períodos que marcaram sua produção artística e literária.

No início de sua obra encontramos o Árabe Libanês Gibran que escreveu no seu idioma natal os seus dois primeiros períodos, o “Romântico” e o “Revolucionário”.

É o Americano Árabe, Gibran, já amadurecido, mais fecundo e universal que vai escrever em inglês, e assim internacionalizar a sua produção nos outros dois períodos denominados de o“ Filósofo Desiludido” e o “ Sábio Supremo”.

No “Filósofo Desiludido”, Gibran, produziu “ O Errante”, “ O Louco”, “ O Precursor”, “ Os Deuses da Terra” entre outros. Neste período Gibran em seu próprio ser, ver, sentir, pensar e fazer, decifra a essência humana. Ao atingir o âmago da essência do ser, ele delata e expõe a outra face do humano; Gibran se revela como sujeito, humaniza-se, escreve sua literatura com o amargor sentido pelo seu próprio corpo e com sua alma filosófica; inspirado em Nietzsche, o filósofo alemão e na imagem de Zaratustra, o “super-homem” nietzschiano.

É durante este período universal do “Filósofo desiludido” que Gibran atinge o mais profundo do Ser; ao delinear a cartografia da alma humana e se aprimorar em sua essência nos revela a natureza sem artifícios e sem máscaras. Ele despoja o ser humano daquilo que cultura e civilização lhe infligiram e resgata a sua potência, sua natureza primeira, viril e dionisíaca.

O resultado desta experiência foi o período áureo conhecido como “O Sábio Supremo” que nos legou “ Areia e Espuma”, “ O Jardim do Profeta”, “ Jesus, o filho do Homem” e “ O Profeta”, a obra mestra, traduzida para mais de dez idiomas, a mais vendida em todo o mundo, livro de cabeceira de milhões de pessoas.

Gibran, o americano árabe libanês de Bsharre, inundou as livrarias, as almas e o espírito de milhões de leitores, influenciou gerações com textos poéticos que são a base da psicanálise de Freud. Quem leu com atenção “os filhos”, “o Matrimônio”, “ o trabalho” e outros de seus textos de “O Profeta”, certamente terá captado o profundo teor psicanalítico de sua obra.

Gibran foi o feliz encontro entre Oriente e Ocidente, e foi o fruto maior da contribuição árabe ao mundo americano. Graças a sua experiência como imigrante, que tivemos a oportunidade de colher os saborosos frutos desta vivência. Vivência que o conduziu a unir este privilegiado nível de atualização a uma sabedoria milenar.

Esta maravilhosa química é o resultado do intercâmbio de raças e culturas que a moderna história imigratória dos povos árabes do velho continente trouxe a este maravilhoso mundo da América.

Nota: Este texto foi traduzido para o espanhol e apresentado em Buenos Aires, em 9/2/1993. Por ocasião da inauguração do monumento a Gibran Khalil Gibran construído por Fearab América e a Fundación Los Cedros durante a presidência do saudoso Dr. Horácio Munir Haddad.
 
Claude Fahd Hajjar é psicóloga, psicoterapeuta e pesquisadora de temas árabes e imigratórios, autora do livro: Imigração Árabe 100 anos de Reflexão. Atualmente ocupa o cargo de vice-Presidente da Fearab América (Federação das Entidades Americano Árabes).

Retirado de Oriente Mídia.

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