Correio da Cidadania

O teatro (des)humano

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“[...] (Ô, ô...)
Minha terra brasileira,
Ouve esta canção ligeira
Que fiz quase louco de saudade...
Brasil!
Tange as cordas dos teus violões
E canta o teu canto de amor
Que vai fundo nos corações!”
(ARY BARROSO, Samba: Rio de Janeiro [Isto é o meu Brasil], 1944).

I - ATO

No mundo a cena
Principal
Um homem
Corre
Para não ser
Morto por
Outro...
Em ato contínuo
O princípio
Da primeira cena
Traz barbárie
Entrando e tomando
Todos os lugares...
Só resta saber
Para onde
Vão os
Seres humanos...
Já que o mundo
Deveria ser a
Casa de todos nós...

II – ATO

No teatro humano
A segunda cena enlaça
A desordem do princípio
E os seres humanos
Irreconhecíveis comandam
Violência premeditada,
Rasgam dignidades
Numa arena destrutiva;
Queimam a própria espécie
Como se ela fosse eterna
E sua natureza não
Comportasse fragilidades,
Temporais efemeridades.
O desespero toma conta;
Só há o choro
Lavando a alma despedaçada...
A esperança aguarda
O próximo passa
Que vamos dar...

III – ATO

No terceiro ato
Já no meio da cena
Um homem
Mata outro...
Um tanto de gente
Chora no funeral,
Outro tanto não
Compreende a violência
Do matador...
Outro tanto,
Nem conhecimento
Dos fatos
Quis tomar...

A vida vai criando contradições
Grandes e miúdas,
Insignificantes
Ou humanitárias
Corroendo os vínculos
Da espécie.
Só não descobrimos
Outros modos
De fazer diferente:
O homem nasce para ser gente
E para isso existe outros
Não menos que ele
Também querem viver
No mesmo teatro mundano;
Só não entenderam ainda
Que há cenas e atos;
Nem por isso há que
Se desesperar...
Pois o maior teatro
É o mundo
E há lugar cativo
Para cada um vivo
E depois morto,
Cada um tem garantido
Seu posto privativo
Na cena final.

É a decadência
Da razão
Em cena que
Não acaba...
O desalento
Deixou o tempo
Nublado,
Mas o sol
Pode nascer
Amanhã...

IV – ATO

No quarto ato
Em cena rastejante
Seres desesperados,
Barulhos, gritarias,
Correrias, fumaça,
Velocidades, poluição,
Doenças e mortes,
Violências de toda
Ordem...
Reformas insanas,
Esterilizações existenciais
E divagações irracionais
Perambulam pelos recintos.

No canto da sala
Um grande caixão
Com vários mortos;
A multidão chora
Outros tocam a vida...
Outros ainda
Não sabem do
Que se trata
Enquanto a frágil
Existência persiste...
No outro canto
Da sala do ato,
Perplexos os visitantes
Recebem o cartão
Funerário...
Feliz o coveiro
Vindo do alto escalão
Ficava na entrada
Do cemitério
Sorridente
Sem dizer nada
Só repetia frases
Publicitárias que
Não trazem acalentos,
Depois dava um passo e
Acenava para a cova....

V – ATO

No quinto ato
Os seres cansados
De tanta injustiça
Promovida...
Seres semelhantes
Resolvem mudar
A cena e lembram
Que governos
Não sonham nada,
São os seres que sonham.

Depois deste movimento,
Pedem para os atores
Irem embora, fechar
O teatro e perguntar
Ao público presente
Uma solução precisa...
Dois dias depois
Ninguém mais queria
Ir ao teatro, e
O mundo
Fechou as portas
Quase parou...

VI – ATO

No sexto ato
A cena do teatro
Vazio...
Deixou milhões
Comovidos...
Pois não havia
Chefes nem ator
Principal...
Muitos queriam
Retomar os
Caminhos,
Meditar
Sobre os dias
E depois de
Uma noite dormida,
Não sonhar mais
Sonhos aflitivos.

Depois de uma
Noite de insônia
O sono chega
Devagar, mas
Exigente não
Deixa ninguém
Dormir...

A cortina
Vai fechando
Bem devagarinho...
Para que se
Possa ver
Que não havia
Mais ninguém
No teatro?...
Ninguém ficou
Para as palmas...


VII - ATO

No sétimo ato
Os seres andam
Pelas ruas, dormem
Nas calçadas, pessoas
Vendem seu suor,
Perambulam...
Outros desabrigados,
Sem suas casas
Para morar
Ou trabalho
Vegetam...

Outros querem ainda,
Depois de tanta evolução
Civilizatória,
Lugares agradáveis
Para viver, escolas,
Coisas básicas...
Para uma vida
Digna e viável...

Nada muito complexo e
No meio da cena final,
Toca um sino...
Lentamente o sino toca...
Já a multidão segue
Em passos lentos
E no alto alguém grita
Repentinamente
Durante a caminhada:
Nossos dias serão suficientes
Para que possamos
Continuar andando
Rumo à saída...
Porque a nossa largada
Foi no ponto da
Primeira chegada...
Será que
Conseguimos
Continuar andando
Sem que os sinos
Toquem nos chamando
Para contemplar
Que somos mortais
E por isso somos
Apenas seres humanos?...
E que a vida é curta,
Por mais longos
Que sejam os caminhos!

A multidão
Retorna e retoma
Seus lugares...
O teatro fica lotado;
Dispensam o coveiro
Que sorria tristemente,
Pois o funeral não vai
Mais continuar.
A multidão levanta
Encerra o ato
E decidem que a saída
É ladrilhar pedregulhos
Até o caminho
Ficar livre
Para a vida carregar...
Os sonhos não morrem
Porque fazem
Parte da vida e sempre
Por mais desvios e interdições...
Os sonhos podem estar
Mais adiante na beira
Do caminho,
Ao lado da esperança,
Esperando por nós...

Roberto Antonio Deitos é poeta e professor da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE.

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