Correio da Cidadania

Escravidão no Brasil é tema de um documentário exemplar

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Portugal foi responsável pela maior emigração forçada da história da humanidade. De Angola chegou ao Brasil um número 10 vezes superior de escravos, comparado à América do Norte. Este documentário, sobre o passado colonial do Brasil, foi realizado em 2000 por Phil Grabsky, para a BBC History Channel. Ganhou um Gold Remi Award no Houston International Film Festival em 2001. Uma verdade inconveniente da história de Portugal.

Enquanto todo o mundo conhece a história da escravidão nos EUA, poucas pessoas percebem que o Brasil foi, na verdade, o maior participante do comércio de escravos. Quarenta por cento de todos os escravos que sobreviviam à travessia do Atlântico eram destinados ao Brasil, enquanto apenas 4% iam para os EUA. Chegou uma época em que a metade da população brasileira era de escravos. O Brasil foi o último país a abolir a escravidão, em 1888.

O documentário tem depoimentos dos historiadores João José Reis, Cya Teixeira, Marilene Rosa da Silva; do antropologista Peter Fry e outras pessoas que contam os efeitos de séculos de escravidão no Brasil de hoje. Este é um importante documentário sobre a história dos negros, história africana e estudos latino-americanos.

Trechos marcantes do documentário


 
Os portugueses tratavam a África como uma fonte de recursos. Assim, eles importavam, importavam, achando que os recursos jamais se esgotariam.

Quase todas as casas por aqui são enormes armazéns, onde os escravos são depositados e os clientes vêm comprá-los.

Gradualmente, ao final do século 16, as plantações aumentaram suas riquezas, tornaram-se capazes de comprar escravos estrangeiros e substituíram a mão de obra nativa que estava sendo usada. E o Brasil se torna uma grande colônia escravagista.

As vastas terras do Brasil ofereciam oportunidades enormes. Quantidades enormes de açúcar eram enviadas para portos como Antuérpia, Amsterdã e Veneza.

Em 1598, um viajante na Inglaterra notou o quanto os dentes da rainha Elizabeth estavam escuros de tanto açúcar. A causa dos problemas dentários da rainha era a nova fonte de riqueza dos portugueses. O açúcar era o ouro brasileiro.

Os escravos trabalhavam como carpinteiros, construtores e muitas outras ocupações. Enquanto a população negra aumentava nos EUA, no Brasil, apesar da importação maior, ela permanecia a mesma. A expectativa de vida dos que chegavam era de apenas seis ou sete anos e os escravos nascidos no Brasil viviam, em média, só até os 20 anos.

E quem eram os colonizadores? Muitos eram jovens ou ambiciosos aventureiros que se viram entronizados num mundo de riqueza, liberdade e fornicação. Muitos eram criminosos que Portugal preferia manter longe do país.
 


O cruel Domingos Jorge Velho

Se a natureza masculina da colonização portuguesa era um motivo da crueldade, o outro era econômico. Se os escravos morressem, não havia problemas para substituí-los.

A necessidade de escravos aumentou vertiginosamente quando, por volta de 1690, o ouro foi descoberto no interior.

A nova crescente prosperidade do Brasil foi canalizada para novas vilas e cidades. A integração biológica da mulher africana com homem europeu era natural. Não havia aquela exclusão étnica que era praticada nos EUA. (...) A expansão do relacionamento sexual entre senhor e escravas produziu milhares de crianças mestiças.

Centenas de igrejas foram construídas, para serem usadas pelos brancos e negros recém-convertidos. Essas igrejas eram construídas e decoradas pelos escravos.

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"Irmãos negros, a escravidão que vocês sofrem por mais dolorosa que seja, ou que pareça ser, é apenas uma meia escravidão. Vocês são escravos apenas na parte exterior, que é o corpo. Contudo, na outra e mais nobre metade, que é a alma, vocês não são escravos, mas livres! Quando vocês servem aos seus senhores, não o fazem como se fosse a um homem, mas sim, como se estivessem servindo a Deus!"
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Muitos escravos não seguiam à risca o catolicismo. Eles se esforçavam para manter suas crenças tradicionais, venerar seus próprios santos. Música e dança tornaram-se inseparáveis na identidade brasileira em desenvolvimento.

No início dos anos 1800, ocorreram algumas revoltas ocasionais. (...) Alguns escravos quebravam máquinas, outros ateavam fogo às plantações. Outros simplesmente entravam em greve.

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Zumbi e os guerreiros do quilombo de Palmares, símbolos da resistência dos negros à escravidão

Outros escravos expressavam seu descontentamento fugindo. Escravos que fugiam uniam-se a comunidades de fugitivos chamadas de quilombos. (...) Eram quase independentes. Eles eram sempre alvo da polícia, que tentava eliminá-los.

Uma das tradições que os escravos fizeram questão de manter era uma arte marcial chamada capoeira. Gangues de capoeiristas dominavam as ruas, usando suas habilidades para atacar os brancos e a polícia. A tensão subiu e então uma nova legislação foi criada (1833). Manter o controle da população de escravos estava se tornando mais difícil.

Nos anos de 1800, tabaco e café juntam-se ao ouro e ao açúcar para serem a chave de economia.

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Em 1822, o Brasil declarou independência de Portugal

Aumentou a pressão internacional para abolir a escravidão. A influência exercida pela Inglaterra na economia brasileira acabou perpetuando-se e ela colaborou com a continuação da escravidão no Brasil. Importava açúcar e café, produzidos por escravos, até o final do século 19.

Oferecer liberdade condicional aparentava ser um último suspiro contra a abolição. Durante o século 19, 1 milhão de novos escravos chegou do oeste africano ao Brasil. O contínuo confisco britânico de navios escravos e sua restrição ao comércio significava que o transporte de africanos teria de acabar. Cada vez mais escravos estavam abandonando as plantações.

Em 13 de Maio de 1888, a princesa Isabel proclamou a chamada Lei Áurea. O Brasil foi o ultimo grande país a oficialmente abolir a escravidão.

Embora fossem legalmente livres, ainda estavam economicamente ligados às terras, minas ou outras ocupações. Os negros continuam aprisionados, vivendo nas favelas, não têm empregos. Eles são escravos do sistema.


Celso Lungaretti é jornalista.
Blog: Náufrago da Utopia.

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