Correio da Cidadania

Zelito Viana, a atualidade de Avaeté e uma mostra de cinema imperdível

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Um dos grandes cineastas do país, Zelito Viana foi destaque da abertura da 6ª Mostra Ecofalante de Cinema Ambiental, que exibe 300 filmes até 14 de junho nas salas de São Paulo, todos gratuitos. Na conversa com o Correio da Cidadania, ele fala da infeliz atualidade de sua obra Avaeté, Semente da Vingança, e da importância de mostras de cinema que ajudem a escoar a produção mais crítica e reflexiva.

“Fico muito triste porque vejo que o filme continua muito atual, podia ter sido feito hoje. Um massacre promovido em 1972, filmado em 1984 e que em 2017 se repete, como acabamos de ver no massacre dos índios gamela no Maranhão. O tema segue atual. A denúncia continua igual. É muito triste”.

Zelito, 79 anos de idade e partícipe de produções seminais do cinema brasileiro, também elogia o atual nível das produções audiovisuais nacionais, ainda que carreguem as contradições de um país um tanto imaturo para sustentar políticas culturais de grande alcance.

“O cinema brasileiro está vivendo uma contradição interessante. Nunca se teve tanto dinheiro pra fazer filme como hoje. É impressionante a quantidade de dinheiro injetada no setor audiovisual. Ao mesmo tempo, nunca foi tão difícil mostrar um filme ao público. É uma contradição que tem de ser resolvida”, afirmou.

A entrevista completa com Zelito Viana pode ser lida a seguir.


Foto: Divulgação

Correio da Cidadania: O que você comenta da 6ª Mostra Ecofalante de Cinema Ambiental, levando em consideração o atual momento que vive o Brasil?

Zelito Viana: É importante, pois mostra um tema fundamental a toda a humanidade, não só o Brasil, que é a sobrevivência do planeta. No nosso caso, tem o dobro de importância, por conta da biodiversidade imensa e a responsabilidade que temos neste tema.

Ao mesmo tempo, somos um país que contribui desbragadamente com o desmatamento da Amazônia, que ocorre numa velocidade impressionante, construímos hidrelétricas sem necessidade e matamos índios até hoje, em pleno século 21.

Portanto, a discussão desses temas é importante de maneira geral e para nós em particular, que somos um país muito sensível a tal problema.

Correio da Cidadania: Como olha para o seu filme, realizado em 1985, e sua temática em um diálogo com os dias atuais? É decepcionante demais o Brasil de 2017?

Zelito Viana: Fico muito triste porque vejo que o filme continua muito atual, podia ter sido feito hoje. Um massacre promovido em 1972, filmado em 1984 e que em 2017 se repete, como acabamos de ver no massacre dos índios gamela no Maranhão. O tema segue atual. A denúncia continua igual. É muito triste.

O lado gratificante é ver sua obra continuar viva, mas ao mesmo tempo é triste porque seria bom que não estivesse viva, que o Brasil já tivesse resolvido todo o problema e fosse considerado um filme de época, que retratou uma situação sem mais chance de se repetir.

Correio da Cidadania: Como enxerga o atual momento do cinema brasileiro?

Zelito Viana: O cinema brasileiro está vivendo uma contradição interessante. Nunca se teve tanto dinheiro pra fazer filme como hoje. É impressionante a quantidade de dinheiro injetada no setor audiovisual. Ao mesmo tempo, nunca foi tão difícil mostrar um filme ao público. É uma contradição que tem de ser resolvida, é preciso cuidar do lado da exibição. Não adianta produzir filme sem parar e não ter como mostrar ao público.

Também por isso um festival como o Ecofalante é importante, pois é um meio de escoar e permitir ao público ver o filme. Mas precisamos de um sistema de distribuição melhor. O cinema brasileiro sofre com isso. Está muito mais fácil fazer um filme, porém, mais difícil mostrá-lo.

Ao menos tem as novas mídias para que as pessoas vejam, coisa que não havia no tempo do Avaeté. Tem internet, youtube, ferramentas a que as pessoas têm muito acesso.

Correio da Cidadania: Essa dificuldade, se comparada com a quantidade de filmes comerciais que se exibe, digamos enlatados, inclusive de fora do país, não seria uma faceta menos notória a dar conta de uma sociedade ainda infantilizada?

Zelito Viana: Olha, de certa maneira sim, mas não sou contra os chamados blockbusters, os filmes dirigidos especificamente para a diversão. Sempre vai existir, é normal. O que falta é o escoamento do filme reflexivo, que pensa mais a sociedade, discute mais com o público, mesmo sendo de assimilação mais difícil, menos imediata.

Esses filmes é que hoje estão com acesso praticamente zerado. Não se consegue saber quando está em cartaz. Entra, passa dois ou três dias numa sala multiplex e vai embora. Isso é muito ruim. Não temos diversidade, não conseguimos oferecer ao público uma alternativa. Os outros, de divertimento, entretenimento, sempre vão estar lá, é normal, as pessoas sempre vão gostar. Porém, acho que a TV já cumpre um papel suficiente nesse aspecto, já me parece bom o bastante.

Correio da Cidadania: Já que você destacou que, apesar das dificuldades, se faz filmes como nunca, poderíamos afirmar estarmos diante de um momento grandioso em termos de obras críticas, que marcam um tempo histórico?

Zelito Viana: Acho que sim. Não vemos todos, mas creio que estão sendo feitos. Se garimparmos, observamos os festivais, vemos coisas interessantes, filmes legais, empenhados.

O importante é a diversidade, é isso que precisa ser mantido. Não é só um tipo de filme, é preciso ter de todos os tipos. E acho que estão sendo feitos. Mas a gente não vê. Infelizmente, temos um acesso muito pequeno a tal tipo de produção. Só em festivais, geralmente.

O momento que vivemos é diferente. Antes, vivíamos a ditadura militar, era branco ou preto, ou você era um ou outro. Hoje está diferente, vivemos em democracia já há algum tempo, as nuances são muito maiores, são vários tons de cinza. Assim, os filmes de manifesto, denúncia, panfletários, são menores.

Além disso, tivemos 12 anos de governos do PT e PC do B, a esquerda no governo. Talvez isso tenha anestesiado um pouco as pessoas no sentido de protestar e reclamar.


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Gabriel Brito é jornalista e editor do Correio da Cidadania.

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