Correio da Cidadania

Conflito perpétuo no Oriente Médio

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Uma nova crise de violência eclode no conflito entre palestinos e israelenses. Os atos de brutalidade em si são tão marcantes quanto a desproporcionalidade e a irresponsabilidade dos agentes internacionais. A paz perpétua, descrita por Kant, parece inconciliável, mesmo como utopia, com o futuro do Oriente Médio. Neste sentido, nos perguntamos por que, afinal, o conflito no Oriente Médio, assim como o conhecemos, entrou na sua sexta década sem uma solução à vista? Qual a origem da insolubilidade deste conflito?

 

Origens históricas

 

O conflito em si é muito antigo e possui raízes históricas para a compreensão de sua atualidade: o papel desempenhado pelas antigas potências coloniais, França e Grã-Bretanha, e pelos Estados Unidos, ao moldar o mapa do Oriente Médio durante as negociações de Paz de Paris em 1919. No jogo das afirmações nacionais e da autodeterminação, contidos no discurso idealista do presidente norte-americano Woodrow Wilson, a Palestina tornou-se exceção no remapeamento do Oriente Médio após a Grande Guerra.

 

Primeiro, o governo britânico havia se comprometido a estabelecer ali um lar nacional para os judeus e optou por seguir sua promessa com a Declaração de Balfour de 2 de novembro de 1917. Na esteira dos eventos que sacudiam o mundo após a Primeira Guerra e com o desmonte dos Impérios, milhões de judeus tentavam deixar a Rússia e Áustria.

 

Amparado neste quadro, Chaim Weizmann deu início ao périplo político de criação do Estado de Israel, no final de 1919, apelando ao Conselho Supremo formado pelas potências vencedoras da guerra. O sionismo como luta por uma pátria para os judeus com segurança e dignidade. Outra figura importante era a de Theodor Herzl, jornalista de Viena, que organizou o primeiro congresso sionista e emplacaria a idéia de compra de Uganda pelos ingleses a fim de lá se criar um Estado judeu.

 

Segundo, os Estados Unidos se abstiveram de implementar a solução preconizada pelo relatório Craig-Kane, encomendado por Wilson para averiguar a real situação das antigas possessões do recém-extinto Império Otomano. O relatório era enfaticamente contrário ao programa sionista e desaconselhava veementemente a criação do Estado judeu. Como aponta o historiador judeu Eric Hobsbawn, "essa seria outra relíquia problemática e não esquecida da Primeira Guerra Mundial".

 

Em seguida, a invenção do Estado de Israel, em 1948, após a 2ª. Guerra Mundial, ofereceu um "direito de retorno" a qualquer judeu do mundo. O novo Estado vinha sendo moldado desde o fim da Primeira Grande Guerra pela imigração maciça e a recolonização, intensificada como política de Estado após 1948, gerando um Estado judeu com dimensões maiores do que o previsto pela partilha britânica com os aliados de guerra. A resultante direta foi a expulsão de 700 mil palestinos não-judeus e o abandono da idéia de criação de um Estado palestino. Como conseqüência, originam-se os movimentos fundamentalistas de afirmação nacional que alimentaram tanto o terrorismo quanto as crises constantes entre os diferentes atores regionais.

 

Campanha 2008-2009

 

Enquanto Israel tornava-se uma potência tecnológica e militar na região, alcançando o poder nuclear na década 1970, os palestinos passaram a viver em uma situação de apartheid e diáspora dentro das fronteiras ampliadas de um Estado de Israel inventado.

 

Neste processo, a relação especial estabelecida com os EUA foi decisiva para suportar os objetivos de afirmação nacional israelense. Cercado por nações árabes, Israel elege a segurança absoluta como parte de sua grande estratégia de política externa. Na crise atual, o planejamento de longo tempo ficou evidente e se aproveitou das lições aprendidas há dois anos atrás no conflito contra o Hizbollah no Líbano. Assim, a força terrestre seria necessária para garantir a segurança da população israelense que circunda a faixa de Gaza e a aniquilação do poder de fogo do Hamas tornou-se condição sine qua non para a abertura das negociações diplomáticas. Dessa forma, o nível de sucesso da campanha terrestre pode trazer de volta a reocupação de Gaza como um elemento de segurança pretendido como parte dos objetivos israelenses.

 

As ferozes ações de Israel alimentam um ciclo de violência que perpetuam ações e reações dos grupos armados palestinos. A campanha militar israelense de 2008-2009, que levou a uma crise humanitária e a carnificina de milhares de mortos e feridos, fez com que a população local perdesse gradativamente suas cores políticas. Com isso, uma ação coordenada entre Hamas e Fatah é facilitada e pode levar a uma onda duradoura de terror contra Israel. Ao mesmo tempo, o envolvimento da Síria, do Líbano e do Irã torna-se inevitável tanto para contrabalançar as ações israelenses quanto para preservar a segurança e estabilidade regionais.

 

Com a operação em Gaza em andamento, a mídia internacional foi responsável por apontar as atrocidades do conflito. Aquilo que não tinha sido mostrado no Afeganistão e no Iraque passou a ser noticiado pelas agências internacionais de comunicação. Imagens e notícias estarrecedoras o suficiente para sensibilizar a opinião pública acerca das barbaridades da guerra. Em contraposição, o governo de Israel viu-se impelido a calibrar seu discurso e garantir a legitimidade de suas ações. A justificativa reside no fato de os israelenses combaterem uma organização terrorista como forma de exercer seu direito de autodefesa. Entretanto, os apelos e discursos, muitas vezes contraditórios, obscurecem o entendimento do conflito e dificultam o acesso às possíveis verdades.

 

Recorre-se então à memória, mas ela também prega truques: é a memória do longínquo que encontra a memória do recente e com elas residem ressentimento e ódio, perpetuando-se a intolerância e a irresponsabilidade. Destarte, árabes e judeus não podem ser acusados e responsabilizados pela perenidade do conflito no Oriente Médio. A história não permite julgamentos, mas ensina lições que precisam ser aprendidas. A responsabilidade sistêmica de lidar com os problemas estratégicos internacionais urge como eixo da política global do século 21. Precisamos estar cientes que um sistema de spill over negativo afeta toda a sociedade global.

 

Logo, a persistência da solução de força por parte dos israelenses se junta à reatividade palestina, à relutância norte-americana, à inoperância das Nações Unidas e à incapacidade de britânicos, franceses e da União Européia em resolver por definitivo a situação judaico-palestina. Em suma, as causas da não-solução do conflito no Oriente Médio são múltiplas, complexas e têm origens remotas. Certamente abalam a estabilidade da ordem internacional, mas não podem ser vistas pelo prisma fatalista da inevitabilidade.

 

Nós fazemos com que o conflito seja perpétuo... Mas não precisa ser assim para sempre!

 

Thiago Gehre Galvão é professor do departamento de Relações Internacionais da Universidade Federal de Roraima e doutorando em Relações Internacionais do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília.

 

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