Correio da Cidadania

Os “Desplazados” Ambientais

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No Fórum Social Mundial de 2004, durante o Fórum das Migrações, a temática que me passaram para refletir era a “migração por causa da água”. Àquela época, seguindo a lógica do aquecimento global, já falávamos nos que migrariam por falta de água e nos que migrariam por excesso de água. Afinal, com o derretimento das geleiras das montanhas e dos pólos, com a conseqüente elevação do nível dos oceanos, mega cidades inteiras, como Lima no Peru e Recife no Brasil, teriam que ser mudadas. Uma depende das águas dos Andes e outra vai ser coberta pelo mar em sua maior parte.

 

Hoje, os ecologistas de última hora já falam que a “humanidade terá que se adaptar às mudanças climáticas”. A expressão vem eivada de toda forma de crueldade. Sinaliza uma candura sórdida. Parece que mais de um bilhão de pessoas em todo o planeta terá facilidades de mudar, como se fosse apenas um final de semana na praia. É sempre aquela racionalidade técnica, estatística, como se, atrás de cada número, houvesse coisas, não pessoas, não comunidades, não nações inteiras que perderão seu território, sua cultura, sua história, todas as referências de vida, sem saber inclusive se irão sobreviver.  São essas expressões dos homens do poder, os técnicos, economistas, políticos, até ecologistas, com cara de vampiro, com aquela frieza cadavérica, repetindo receitas como se fosse uma voz computadorizada.

 

O que já começou a acontecer com os moradores da comunidade de Cabeço, na foz do rio São Francisco, ou das ilhas já inundadas da Ásia, é aterrador, indescritível, macabro. Essas pessoas não irão fazer um fim de semana em outras terras, elas estarão definitivamente expulsas de seu território. Jamais retornarão. Para a esmagadora maioria não haverá adaptação. Os donos do poder se beneficiarão de seu dinheiro, sua ciência, sua tecnologia, seus exércitos. Os pobres terão que se adaptar biologicamente, viver do mínimo do mínimo, reproduzirem-se como ratos e baratas.

 

Em português não existe uma expressão apropriada para caracterizar a situação dessa população. “Refugiados ambientais” é apenas uma palavra adocicada para ocultar sua trágica realidade. “Desterrados ambientais” tem mais força, mais ainda comporta o retorno, o que não será o caso dessas populações. Talvez a expressão mais correta seja a utilizada em espanhol, “desplazados”, porque indica uma fuga sem retorno, mas também sem direção, sem lugar de fixação, sem acolhimento, sem cultura, sem qualquer referência ou estabilidade, com vida curta e má pela frente. Adaptação, numa situação como essa, é mero eufemismo. Para os “desplazados ambientais”, só nascendo de novo.

 

 

Roberto Malvezzi, o Gogó, é coordenador da Comissão Pastoral da Terra.

 

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