Correio da Cidadania

Apontamentos no calor dos acontecimentos

0
0
0
s2sdefault

 

 

 

 

 

1. A FIESP em São Paulo lidera, na prática, o movimento pelo impeachment. Usa sua pirâmide como totem eletrônico para exigir a renúncia de Dilma e fazer a estética patrioteira e despolitizante, incluindo a grotesca figura de um pato gigante amarelo que simboliza (para a FIESP) a exigência de que as empresas paguem menos impostos.


2. A massa que se reúne, no entanto, rechaçou Paulo Skaf, presidente da FIESP e do PMDB. Escorraçou o secretário da Segurança, aos gritos de "fascista". Nenhuma figura política profissional conseguiu se expressar em São Paulo. Aécio e Alckmin foram impedidos de comparecer no grande ato de domingo. E na quinta à noite se assistiu a uma das cenas mais surrealistas: o grupo mais direitista dos três que convocaram os atos, o tal do Revoltados e seu líder, foi expulso da Paulista e teve de sair escoltado pela PM, sendo acusado de... "petista" e "comunista" por populares exaltados!

3. Embora haja de fato grupos fascistas, integralistas e até monarquistas levando faixas, a verdade é que não há nenhuma organização real entre esses setores que estão indo às ruas contra o governo. Recebem filé mignon da Fiesp, têm sua audiência multiplicada pela Globo, mas há um elemento de revolta popular espontânea, mesmo que esse "popular" se refira às classes médias. É uma revolta popular, mas de direita, não resta dúvida. É racista, elitista, homofóbica, identificando-se em ideais ideológicos difusos, mas muito conservadores.

4. Começa a haver também, no entanto, expressões de rebelião social mais plebeia, tanto em greves como a da educação que cresce no Rio de Janeiro como em fábricas.

5. A ascensão de Lula ao terceiro mandato, como eminência não parda, mas com brilho maior que a presidenta, é uma última saída que acelera e polariza mais a crise.

6. Ele vai tentar, mais uma vez, sua façanha bifronte: apelar para o que já foi em relação ao povo, chamando a uma mobilização limitada, e, por outro lado, oferecer-se ao mercado e à institucionalidade como a garantia de segurança na retomada da ordem e da estabilidade, afiançando, assim, a continuidade da execução do projeto lulista de associar-se com um setor da grande burguesia, ou seja, os bancos, as construtoras, as mineradoras e o agronegócio. Por isso, não ocorreu nenhuma guinada à esquerda, como desejam os viciados em ilusão, e se algo ocorrer será milimétrico.

7. O desmascaramento de Aécio, com conta em Liechtenstein, e o descrédito total do PMDB, especialmente de Cunha e Renan, fazem com que não haja nenhum plano da oposição de direita sobre o que fazer.

8. A classe dominante está dividida, o Judiciário está dividido, o PT está dividido, a esquerda socialista está dividida, a extrema-direita está dividida. Não há nenhum "golpe" em curso, no sentido clássico de uma ação coordenada entre setores empresariais e militares para uma tomada do poder. Uma parte da grande burguesia está presa, e o banqueiro André Esteves ainda nem ocupou o centro das denúncias.

9. O poder está em crise, numa situação de descontrole. O governo, esquizofrenicamente, é acusado de esquerda, mas governa para a direita. No fundo, não há nenhum debate real de diferenças políticas. A austeridade fiscal, o ataque à Previdência, o endurecimento da repressão com a lei antiterrorismo (que Dilma sancionou no mesmo dia em que dava posse a Lula), os megaprojetos de hidrelétricas para o agronegócio com extermínio indígena e destruição da floresta são patrimônio comum do PT, do PMDB e do PSDB.

10- O descrédito geral do sistema político e dos partidos pode abrir caminho para caudilhos aventureiros, mas também pode abrir caminho para uma enorme mobilização social. O país está sendo chamado a discutir política intensamente. Todos precisam sair da rotina e opinar. É hora de aumentar a luta social, a defesa de reivindicações populares e as greves.

 

 

 

Leia também:


A política na toada do mercado: o fundo é mais em cima


Lula na Casa Civil: o que muda para a esquerda?


‘Brasil derrete em meio a dois clãs em disputa pelo aparelho de Estado’

 

"Lula e o PT há muito se esgotaram como via legítima de um projeto popular"

 

Não é por Dilma e Lula

 

Lula ministro

 

"Lula e o PT há muito se esgotaram como via legítima de um projeto popular"

 

‘O governo está encurralado e dificilmente sairá do atoleiro em que se meteu desde o começo’

 

Crise política: o que fazer?

 

É possível a recuperação econômica na conjuntura atual?

 

Precisamos construir outro projeto de país, longe dos governistas

 

“A Operação Lava Jato ainda não deixou claro se tem intenções republicanas ou políticas”

 

“O Brasil está ensandecido e corre risco de entrar numa aventura de briga de rua”

 

 

Henrique Carneiro é ativista e professor da USP.

0
0
0
s2sdefault