Correio da Cidadania

Precisamos construir outro projeto de país, longe dos governistas

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Há uma mudança de qualidade na crise política do país, que evolui de forma nítida para uma crise de governabilidade e da institucionalidade vigente. Os fatos das últimas semanas envolvendo as denúncias contra o financiamento da campanha de Dilma em 2014 e especialmente contra o ex-presidente Lula (incluindo os desastrados pedidos de prisão pelo MP de São Paulo ou o de condução coercitiva da Operação Lava Jato) tornam as próximas semanas decisivas sobre o futuro do atual governo.

 

Mas as razões de tamanha crise não se limitam “apenas” às movimentações da Operação Lava Jato e denúncias de corrupção que atingem agora o próprio ex-presidente Lula. Até porque o esquema Petrobrás-empreiteiras-PT/governo não é obra de ficção ou conspiração, gostem os governistas ou não.

 

O agravamento da crise econômica e social atinge em cheio a classe trabalhadora e os setores mais empobrecidos da população e estão sendo fatores decisivos para pulverizar a base de apoio do lulismo e aos seguidos governos do PT.

 

De outro lado, setores da classe dominante, como por exemplo, parte do mercado financeiro e da grande mídia corporativa chegaram a conclusão de que é preciso substituir Dilma para que a economia e os negócios saiam da paralisia.

 

O principal responsável por se chegar a essa situação é o governo Dilma e a agonia de um modelo de desenvolvimento aplicado pelo lulismo (baseado numa economia agroexportadora extrativista, que combinou uma muito parcial política de distribuição de renda sem tocar nos lucros e privilégios do capital financeiro). O esgotamento foi de tal monta que o ajuste neoliberal e uma política econômica recessiva foram os remédios escolhidos para enfrentar a crise desde o início do segundo mandato da atual presidenta.

 

O ataque ao seguro-desemprego ano passado, a manutenção de uma alta taxa de juros, os seguidos cortes anunciados no Orçamento da União, o anúncio de uma reforma da previdência para atacar os direitos à aposentadoria, a sinalização do fim do reajuste real no salário mínimo, a maior abertura do pré-sal para as multinacionais predadoras do petróleo, são todas políticas deste governo, que evidenciam uma completa falta de compromisso com a defesa do emprego, da renda, dos direitos e da soberania.

 

Uma rendição que não tem limites, pois enquanto o mercado financeiro vira as costas para o governo, Dilma veta a auditoria da dívida pública.

 

A direita hipócrita e autoritária não quer mais “intermediários”

 

A grande contradição deste cenário é que a direita tradicional - com seus partidos, seus meios de comunicação (com a Rede Globo à frente) e parcelas do Judiciário – é quem avança para capitalizar, de forma hipócrita e com métodos pouco democráticos, o fim do ciclo lulista-dilmista.

 

Não devemos deixar de denunciar a evidente manipulação seletiva de aprofundar as investigações da Lava Jato apenas sobre o PT quando sabemos que os amplos esquemas da Petrobrás-empreiteiras não foram inventados pelo PT, quando sabemos que até a família Marinho foi flagrada “beneficiando-se” dos mesmos favores e esquemas que estão no centro da investigação sobre Lula, ou ainda quando sabemos que Aécio Neves é frequentemente citado nas delações premiadas.

 

Mais importante, não podemos deixar de denunciar a utilização de métodos que ferem completamente premissas do próprio Estado de Direito, como foi a condução coercitiva contra Lula, que se passar como um tipo de jurisprudência dos setores mais autoritários do Poder Judiciário e Policial podem mais à frente serem ainda mais utilizados em larga escala contra os movimentos reivindicatórios dos explorados e exploradas.

 

Devemos exigir investigação para todos os envolvidos de partidos, setores empresarias, corruptos e corruptores sejam quais forem, sem que isso seja utilizado para uma ação política específica que é a busca do impeachment da Dilma e da liquidação de Lula como candidato às próximas eleições.

 

A Nova República apodrece na corrupção

 

Mas lembremos que mais de 50% dos parlamentares eleitos em 2014 foram financiados por empreiteiras - pelos mesmos que estão presos - e que apenas o PSOL conseguiu eleger deputados sem um centavo deste dinheiro podre. Essa Nova República vem apodrecendo e merece ser investigada sem parcialidades.

 

Ao aceitar ser parte do modus operandi do poder no Estado Brasileiro e da Nova República, o PT apodreceu como instrumento de mudança e transformação. Mas nos termos como as coisas estão sendo conduzidas, tampouco deve ser reconhecida legitimidade nos PSDBs, PMDBs, Cunhas e em determinados setores do Poder Judiciário, que só sabem mirar em uma direção, para tocar um processo de impeachment.

 

Não é apenas o pacto de conciliação de classes estabelecido pela Carta ao Povo Brasileiro por Lula em 2002 que ruiu. As instituições da Nova República e o modus operandi da relação do poder “democrático” com o grande capital também encontram-se em uma profunda crise de credibilidade.

 

Tese do golpe: uma cortina de fumaça para defender o indefensável

 

Mas a arbitrária condução coercitiva contra Lula e agora o atabalhoado pedido de prisão preventiva pelo MP de São Paulo deram o argumento para amplos setores governistas amplificarem, com algum peso, a tese do golpe de Estado em andamento. Por mais que a condução da Operação Lava Jato seja questionável, não há no país um cenário do golpe de Estado. Não está em andamento um processo para colocar partidos na ilegalidade, fechar sindicatos e movimentos sociais, proibir a liberdade de expressão, matar e exilar dissidentes políticos. A ligeireza como se utiliza a expressão e as analogias com 1964 são irresponsáveis.

 

Há uma luta encarniçada entre dois setores dominantes, um deles com origem no movimento operário e popular, que ainda tem hegemonia na maioria dos sindicatos e movimentos, mas que hoje já opera em sólida e orgânica relação com frações do grande Capital, como é o caso evidente das empreiteiras e setores do agronegócio. O lulismo opera como uma fração burguesa, e nem mesmo a pirotecnia do discurso de Lula após o seu depoimento na Polícia Federal, recorrendo a uma retórica de luta, conseguiu esconder o quão lobista das empreiteiras o próprio é. Seu discurso não deixou de ter um aspecto bem patético ao assumir que recebeu mesmo presentes e favores, que iria em outras mansões se convidado...

 

Aceitar a tese do golpe poderá ser um suicídio político, pois caso exista o impeachment de Dilma pelos caminhos constitucionais, setores do movimento poderão ser levados à desmoralização. O possível fim do governo Dilma nas circunstâncias que se prepara o impeachment não é uma vitória do movimento, mas tampouco pode ser encarado como uma derrota. Afinal, o crescimento das lutas sociais e greves tanto no setor público como privado nos últimos anos, a luta de massas pela moradia entre outras, são expressões de resistência ao efeito da política econômica antipopular deste governo. A reforma agrária foi congelada pelos seguidos governos petistas em prol de uma aliança muito privilegiada com o agronegócio.

 

A propósito, na dura luta que enfrentamos diariamente contra a repressão policial e o extermínio de jovens e negros na periferia das grandes metrópoles, e que tem nas polícias militares seus principais executores, o governo Dilma deu recente e inestimável contribuição para piorar esse cenário ao enviar o projeto de Lei Antiterrorismo, aprovada recentemente na Câmara dos Deputados.

 

Não estamos diante de um governo que enfrentou o capital financeiro, as multinacionais, o imperialismo, que expandiu direitos, avançou na reforma agrária e por isso enfrenta a ira do Capital e da direita.

 

Um outro caminho a ser trilhado desde já

 

Nas próximas semanas vai se intensificar a polarização entre a oposição de direita e o governo. As manifestações do dia 13 de março deverão ser massivas, mas tão massivas quanto reacionárias, pois estão ali os que silenciam com a corrupção dos tucanos, da Rede Globo e não são capazes de levantar uma só bandeira progressista de defesa de direitos sociais ou democráticos.

 

De outro lado, não cabe a uma esquerda socialista fazer coro às manifestações que serão sequestradas pelos aparatos governistas para defender o governo e Lula.

 

Não há como, nesta conjuntura, estarem ao mesmo lado em uma manifestação os que estão na oposição frontal à política econômica e entreguista do governo Dilma, os que não aceitam a desmoralização para as ideias de esquerda que a degeneração dos governos petistas trouxeram para a própria esquerda. Com os que defendem esse governo, silenciam sobre a corrupção, sobre o enriquecimento de dirigentes e lideranças populares e reduzem o balanço desta tragédia à tese do golpismo.

 

Um projeto de transformação social, de ruptura com a desigualdade produzida pelo capitalismo; uma esquerda que verdadeiramente preza os valores da igualdade social, da solidariedade entre os explorados e exploradas para mudar a sociedade não é compatível com projetos de ascensão social e tríplex no Guarujá. Isto não merece ser defendido.

 

No cenário atual da conjuntura, as manifestações como a do 31 de março convocadas por reivindicações justas como derrotar a reforma da Previdência do governo Dilma serão ainda mais sequestradas pelos setores governistas. Os mesmos já estão anunciando isso. Está na agenda de manifestações em defesa do governo e de Lula. Já romperam com qualquer respeito à própria convocatória da marcha do dia 31 que formalmente não tem nada ali escrito a respeito “de defender os 13 anos de avanços” (como está no site da CUT como mote para os atos de 18 e 31 de março) ou defender o “melhor presidente do Brasil”, ou “sair às ruas contra o golpe”.

 

Como mínimo, por prudência, não é hora de misturar-se oposição de esquerda com situação. Uma nova esquerda que esteja em sintonia com o desapego das novas gerações, que não se identificam mais com as representações tradicionais do poder, que esteja em sintonia com a decepção de amplos setores da classe trabalhadora com a política econômica que os penaliza, não deve se misturar e perder mais tempo com os que se venderam à ordem para agora serem descartados como bagaço, quando não são mais úteis para garantir os negócios do capital.

 

Nosso caminho deverá ser outro. Será o da reconstrução de um bloco histórico dos explorados e oprimidos, a partir de apoiar todas as lutas sociais e movimentos de resistência contra os efeitos desta brutal crise econômica e social que afunda o país.

 

Pode ser que ainda não seja a hora de uma nova esquerda socialista de massas, mas nunca será se ficarmos aprisionados nas velhas âncoras que podem nos levar juntos ao fundo mar.

 

Será preciso lutar contra os muros da fragmentação entre os setores combativos e começar desde já uma nova caminhada, por mais longa que pareça, para reconstruir a ideia do socialismo nas novas gerações e um bloco de classe e setores explorados capaz de polarizar a sociedade e recolocar no horizonte um autêntico projeto de transformação social no país.

 

 

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Fernando Silva é jornalista e membro do Diretório Nacional do PSOL

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