A necessidade e alguns desafios do socialismo

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Wladimir Pomar
24/04/2013

 


Paradoxalmente, os atentados terroristas em Boston e em outros países do mundo, como reação desesperada às crises do capitalismo desenvolvido e às ações do terrorismo de Estado imperialista, apontam a necessidade imperiosa de reerguer a bandeira do socialismo, como possibilidade de solução dos problemas que afligem os povos e enfrentar os desafios que os confrontam.

 

O terrorismo é ação individual e grupal desmobilizadora, atingindo fatal e indiscriminadamente o povo como se inimigo fosse, e dando aos inimigos a chance de parecerem amigos do povo. O socialismo, ao contrário, só pode ser ação mobilizadora social de milhões de pessoas, com o objetivo de conservar e aumentar as forças populares, enfrentar as contradições do capitalismo, derrotar o terrorismo de Estado e substituir o capitalismo por uma nova formação social.

 

O socialismo é, então, uma corrente política que, como tal, luta e procura superar o capitalismo, mesmo quando as contradições deste ainda não chegaram ao ponto de poderem ser totalmente resolvidas. Como tal, ele depende da força e da disposição de luta das classes exploradas e oprimidas pelo capitalismo, assim como dos problemas concretos colocados pela sociedade.

 

Porém, a força e a disposição de luta dos milhões de trabalhadores e outras camadas populares dos Estados Unidos e da Europa, assim como os problemas de suas sociedades, têm características próprias. Não são a mesma força, disposição e problemas, por exemplo, dos milhões de trabalhadores, camponeses e outras camadas sociais das sociedades brasileira, equatoriana, boliviana e venezuelana. Cada uma delas possui sua própria força e disposição de luta, assim como problemas diferentes.

 

O socialismo é a corrente política capaz de unificar e mobilizar grandes massas populares com o objetivo comum de realizar transformações econômico-sociais que transformem a situação do povo como um todo. Mesmo assim, aquelas diferenças obrigam o socialismo de cada povo, tanto como corrente política quanto como objetivo de transformação econômico-social, a guardar suas características próprias, nacionais.

 

O socialismo bolivariano da Venezuela não é exatamente igual aos socialismos bolivarianos do Equador e da Bolívia. Está longe de ser idêntico aos socialismos cubano, vietnamita e chinês. E, certamente, não pode ser igual ao socialismo proposto para os brasileiros. Seja em virtude das classes sociais historicamente formadas, seja porque o capitalismo se desenvolveu de forma desigual em cada um desses povos.

 

Assim, não foi por acaso que a tentativa de copiar mecanicamente a experiência socialista de alguns povos, desdenhando as próprias características nacionais, resultou historicamente em desastres ou em recuos estratégicos de diferentes tipos. Isto tanto no que diz respeito às lutas de classes realmente existentes, quanto em relação à construção de novas formações econômico-sociais.

 

Apesar disso, tem gente que mistura esses dois momentos do processo histórico – a luta de mobilização socialista e a luta pela construção socialista. E acha, então, que os momentos de disputa das classes trabalhadoras, pela melhoria de suas condições de vida sob o capitalismo, são a mesma coisa que os momentos de desenvolvimento das forças produtivas e de construção econômica e social, que conformam cada sociedade socialista.

 

As lutas por salários, maior consumo, saneamento básico, mais democracia, igualdade de gênero etc. são lutas no contexto estrutural do desenvolvimento capitalista. Pretendem apenas cristalizar as promessas burguesas de liberdade, democracia e igualdade. Mas, ao fazerem isso, agravam a contradição insanável de concentração progressiva da riqueza num pequeno número de capitalistas, e da concentração da pobreza e da miséria na maior parte da população, resultante da contradição entre a produção social do capitalismo e a apropriação privada dessa produção.

 

Mesmo existente em embrião ou numa escala pouco desenvolvida, essa contradição é a origem do surgimento e ressurgimento do socialismo no processo incessante da luta de classes no capitalismo. A rigor, o socialismo seria apenas a transformação da propriedade privada em propriedade social à medida que tal contradição se torna um absurdo social.

 

Assim, quanto mais se desenvolvem as lutas de classe no capitalismo, mais elas tendem a assumir um caráter socialista. Mesmo que essas lutas tenham um caráter de reforma capitalista, elas desempenham papel importante na elevação da consciência e na organização política das camadas populares, assim como em sua combatividade. Elas são, portanto, decisivas para a criação das condições sociais e políticas para a luta socialista.

 

Esse, porém, não é um processo linear, nem determinista. O que leva alguns a suporem que as reformas que permitem a existência de economias solidárias, indústrias de autogestão e cooperativas no capitalismo conduzirão a uma sociedade mais justa. A experiência histórica tem mostrado que isso não passa de ilusão. O mesmo tipo de ilusão que leva alguns a suporem que as sociedades anônimas e limitadas vão cair por si mesmas, ou que o imperialismo vai entrar em colapso pela crise ambiental.

 

O capitalismo só pode ser subvertido pela luta de classes, que leve os trabalhadores à conquista do poder. Por outro lado, supor que essa conquista seja suficiente para transformar toda a propriedade privada em propriedade social e construir uma sociedade socialista também não passa de uma ilusão desfeita pela história, pelo menos para as nações de pequeno desenvolvimento capitalista.

 

Em tais casos, o socialismo só pode ser uma formação econômico-social de transição. Nele ainda perdurarão muitos dos elementos do modo de produção capitalista, como o mercado e empresas de propriedade privada. A questão chave consiste em que o partido socialista hegemônico e o novo Estado tenham capacidade de construir empresas estatais e outros mecanismos de intervenção no mercado, para desenvolver as forças produtivas e orientar a economia e a sociedade no sentido socialista.

 

De qualquer modo, antes de esgotar todas as possibilidades de desenvolvimento das forças produtivas do capitalismo, não é possível superá-lo e retirá-lo sociedade e da história. Isto tem sido extremamente complexo em países capitalistas pouco desenvolvidos, cujas revoluções populares destruíram o antigo Estado, erigiram um novo Estado e ingressaram na construção socialista, combinando propriedades sociais e propriedades privadas.

 

Imagine-se então a complexidade da atual situação e dos desafios daqueles partidos socialistas que conquistaram uma hegemonia parcial em governos, mas onde o Estado continua sob hegemonia capitalista.

 

 

Wladimir Pomar é escritor e analista político.

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