Correio da Cidadania

A mão invisível do mercado

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Diante da questão sobre os motivos pelos quais as taxas de investimento indispensáveis para o desenvolvimento econômico e social brasileiros não crescem, tenho procurado resposta em diversos economistas que trabalham em instituições governamentais. Eles reconhecem que, nos últimos 25 anos, essas taxas se mantiveram abaixo de 20% do PIB e suas teses principais sobre esse fato histórico talvez possam ser resumidas da seguinte forma:

 

1) Os setores que concentram projetos de longo prazo de construção e de valor elevado, como as indústrias de transformação e infraestrutura, não têm encontrado a estabilidade econômica e o arcabouço institucional necessários para realizar seus investimentos;

 

2) O ambiente inflacionário dos anos 80 e parte dos anos 90, em especial, foi um dos fatores que mais dificultou o planejamento empresarial de longo prazo e os cálculos prospectivos de retorno dos investimentos;

 

3) A presença de juros elevados foi outro limitador das inversões, principalmente nas indústrias de transformação, levando as empresas a se concentrarem em projetos cuja atratividade superasse a combinação de liquidez, segurança e a devida rentabilidade do overnight;

 

4) Foi esse cenário de instabilidade que levou as empresas a preferirem investir em modernização das plantas existentes ao invés de fazerem inversões em novas plantas produtivas;

 

5) As restrições externas em escassez de divisas também foram fatores críticos, em especial porque resultaram em rígidas políticas de ajuste macroeconômico, acompanhadas por restrição ao crédito e redução da capacidade de investimento do Estado, redução que foi acentuada pelo fato de o Brasil haver aceito as imposições do FMI, em 1982 e 1998, de restrições à inversão do setor público;

 

6) A solução para essas reduções e restrições na capacidade de investimento do setor público consistiu em privatizar empresas estatais e fazer com que o setor privado assumisse a liderança nos investimentos em infraestrutura, embora o arcabouço institucional continuasse entravando esses investimentos.

 

Em geral, tudo parece ser culpa de Adam Smith e da mão invisível do mercado. Ela teria produzido a instabilidade econômica, com ambiente inflacionário, que obrigou a adoção de juros altos. A inflação e os juros, por sua vez, teriam desestimulado os planejamentos de longo prazo e levado os empresários a preferirem especular no overnight. Isto teria criado uma situação que obrigou o Estado a aceitar as imposições do FMI, reduzindo os investimentos públicos e privatizando as estatais para, supostamente, aumentar sua capacidade de investimento.

 

Dessa forma, culpando Adam Smith e mantendo acesa a chama do neoliberalismo de Hayek e Friedman, nossos economistas passam a borracha sobre a responsabilidade das políticas governamentais dos anos 80 e 90, e também sobre a história, e não ajudam o governo, do qual fazem parte, a elevar as taxas de investimento.

 

Simplesmente desconsideram o grau de concentração e centralização da economia brasileira e o papel que isso desempenha no mercado, seja pressionando para a manutenção da perversa combinação de juros altos e preços altos, que permite às corporações empresariais, principalmente estrangeiras, altas taxas de lucro, seja impedindo, por meios nem sempre legais e econômicos, que médias e pequenas empresas, mesmo com grande capacidade de inovação, participem no mercado e compitam com elas.

 

Historicamente, as instabilidades econômicas e o arcabouço institucional que permitiu o distorcido processo de concentração e centralização da economia brasileira se acentuaram após a abertura indiscriminada da economia às multinacionais, durante o governo JK, nos anos 1950, e ganharam vulto durante a ditadura militar, entre os anos 1960 e 1980, e durante os governos neoliberais dos anos 1990. Por outro lado, enquanto a ditadura militar criou novas empresas estatais, mesmo que apenas para permitir ao Estado construir a infraestrutura para a implantação de novas plantas fabris das multinacionais, os governos neoliberais, ao invés de saneá-las, reformá-las e utilizá-las como contraponto àquela concentração e centralização corporativa, sanearam-nas para serem vendidas a preços irrisórios, principalmente para as multinacionais, num processo que chegou ao limite da irresponsabilidade, como chegou a admitir um ministro de Estado.

 

Desse modo, as privatizações não foram uma imposição da necessidade de recuperar a capacidade de investimento do Estado, mesmo porque os passivos continuaram pesando como chumbo ao erário público. Foram uma decisão política, justamente para reduzir ainda mais a capacidade de investimento do Estado, o mesmo tipo de decisão que levou ao desmantelamento do aparato estatal de planejamento e de elaboração de projetos, à desregulamentação indiscriminada do arcabouço institucional e do mercado e à transformação do país num paraíso de altos juros para a jogatina dos investimentos de curto prazo. Decisões que levaram a um processo de desindustrialização até então desconhecido pela economia brasileira, e a um aumento incomensurável da pobreza e da miséria e, portanto, à redução drástica do mercado interno.

 

Além de parecer nada disso enxergarem, nossos economistas não explicam por que as taxas de investimento não cresceram mesmo após o governo Lula haver reduzido substancialmente a instabilidade econômica, mantido a inflação sob controle, melhorado o arcabouço institucional, ampliado o mercado interno através do consumo, recuperado em parte o aparato estatal de planejamento e elaboração de projetos, iniciado a redução dos juros, e haver aproveitado uma situação internacional que permitiu ao Brasil não só obter superávits comerciais vultosos, como enfrentar a crise de 2008 com razoável sucesso.

 

Em outras palavras, os entraves ao crescimento das taxas de investimento talvez estejam em fatores que nossos economistas não consideram. Por exemplo, que papel desempenha um superávit primário de mais de 3% do PIB para deixar o sistema financeiro tranquilo, quando poderíamos garantir melhor o pagamento das dívidas se esses recursos fossem direcionados para investimentos produtivos? Por que o maior valor emprestado pelos bancos estatais se direciona para empresas capitalizadas, inclusive multinacionais, ao invés de ser orientado para empresas médias e pequenas com grande capacidade de inovação, mas pouco capitalizadas? Por que os órgãos estatais relacionados com o desenvolvimento econômico não formam grupos de trabalho para a elaboração de projetos de empresas médias e pequenas, que poderiam contribuir para adensar as cadeias produtivas mais importantes, mas não possuem os recursos necessários para isso?

 

Dizendo de outro modo, talvez os economistas das instituições governamentais precisem descer à terra e começar a descobrir esses e outros problemas macro e microeconômicos que realmente empacam o crescimento das taxas de investimento.

 

Wladimir Pomar é escritor e analista político.

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