A questão capitalista

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Wladimir Pomar
30/03/2012

 

A atual crise mundial capitalista tem suscitado crescentes esperanças de que ela seja a fase terminal desse modo de produção e formação social. Não são poucos os socialistas, em especial europeus, que acham impossível que os países capitalistas a superem, e depositam suas esperanças nos novos movimentos sociais que emergiram nos Estados Unidos e na Europa.

 

Embora fosse ótimo que essas previsões se tornassem realidade, elas sofrem, em geral, do viés eurocentrista. Em geral, desprezam o fato de que a maior parte dos povos do mundo se encontra em países de desenvolvimento capitalista tardio, nos quais as forças produtivas ainda estão longe de esgotarem todas as possibilidades de evolução do modo de produção capitalista, seja sozinho, seja em combinação com outros modos de produção, inclusive estatais.

 

Temos assim, por um lado, novas oportunidades para as empresas capitalistas realizarem uma taxa média de lucro relativamente elevada, permitindo ao capitalismo, como sistema, uma sobrevida. Por outro, temos uma desindustrialização relativa dos países centrais, um aumento da concorrência inter-capitalista, e uma redução das transferências de riquezas que os países centrais arrancavam anteriormente dos países periféricos. Além disso, mais importante ainda para os socialistas, verificamos uma intensa recriação da classe operária nesses países, embora sejam poucos os analistas da esquerda que dêem a devida atenção a esse fenômeno.

 

Esse quadro geral e contraditório do desenvolvimento capitalista, seja em termos mundiais, seja em termos locais, impõe aos socialistas de cada país uma análise mais concreta das suas perspectivas. Eles não poderão contar, de imediato, com a incorporação das novas massas populacionais, oriundas tanto das zonas rurais quanto das zonas urbanas favelizadas, à classe operária local. Ainda por algum tempo, como mostrou a experiência da industrialização no período da ditadura militar, no final dos anos 1960 e início dos anos 1970, essa nova classe operária se sentirá satisfeita com o desenvolvimento capitalista e com a possibilidade de receber salários e benefícios sociais.

 

Da mesma forma que a classe operária que surgiu no ABC naqueles anos, a nova classe operária da atualidade terá que aprender, com a própria vivência, o que é a exploração capitalista e como lutar contra ela. Para os socialistas brasileiros, por exemplo, essa situação talvez parecesse mais simples se eles não estivessem no governo. E, além disso, não fossem os principais incentivadores do próprio desenvolvimento capitalista, gerador de classe operária.

 

Esse fato novo parece ter virado um verdadeiro quebra-cabeça para uma série considerável de socialistas. Alguns acham que essa situação os colocou no céu desejado, já que melhoraram as taxas de emprego, a massa salarial, e outras condições sociais dos trabalhadores e camadas populares. Outros se sentem no pior dos mundos, consideram abominável que a esquerda no governo trate do desenvolvimento capitalista, e buscam uma nova teoria revolucionária que lhes possibilite mobilizar os movimentos sociais e empreender a revolução.

 

Ambos ignoram a nova classe operária. Não a consideram necessária para a teoria da revolução brasileira, e esquecem que essa classe é, do ponto de vista histórico e revolucionário, o produto mais importante do desenvolvimento capitalista das forças produtivas. Desse modo, a discussão sobre o desenvolvimento capitalista centra-se nas possibilidades do capitalismo poder promover ou não uma melhoria das condições de vida do povo, ser ou não dependente, segregar ou não as camadas populares, contribuir ou não para a ampliação da democracia, e ser ou não um fator positivo para a soberania nacional.

 

Em nenhum país do mundo o capitalismo foi, por sua natureza, promotor do bem-estar, do desenvolvimento social e da democracia. Onde promoveu a independência tecnológica e financeira, e sua soberania nacional, foi para explorar outros países. Todas as melhorias nas condições de vida e na ampliação dos direitos democráticos foram conquistadas através de lutas, muitas delas sangrentas, da classe operária e demais camadas populares. As sociedades capitalistas de bem-estar social só surgiram após a revolução russa de 1917 e, mesmo assim, à custa da super-exploração dos povos dos países periféricos.

 

Nessas condições, em especial em países periféricos, como o Brasil ainda é, a questão capitalista precisa ser encarada, em primeiro lugar, como uma necessidade para a criação da classe que melhor tem condições de enfrentá-la. Se a esquerda socialista está no governo, e ainda não tem força para transformar o Estado, ela não pode abdicar da tarefa de apressar o desenvolvimento capitalista, por um lado garantindo que esse desenvolvimento forje uma classe operária massiva e, por outro, recriando e ampliando o setor estatal da economia, rompendo os oligopólios privados, incentivando a competição

internacional, aprofundando a soberania nacional, impedindo a criminalização dos movimentos sociais e estimulando a participação popular na ampliação democrática.

 

Realizar essa tarefa não é fácil, principalmente se não há clareza sobre essas novas condições e desafios, seja porque são tomadas apenas em seu aspecto positivo, seja por serem consideradas incompatíveis com a natureza socialista. Se esse fosso de visões sobre a questão capitalista e, portanto, também sobre a questão socialista que surge dela permanecer como na atualidade, talvez tenhamos que esperar que, como em 1978 no Brasil, a nova classe operária mostre a que veio, e realize uma nova unificação da esquerda. Ambos os lados talvez devessem analisar melhor nossa própria experiência histórica. Nas condições atuais, repetir os mesmos erros do passado já não será uma farsa, nem um drama.

 

Wladimir Pomar é escritor e analista político.

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