IPI e industrialização

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Wladimir Pomar
28/09/2011

 

 

Para ser franco, minha vontade foi colocar como título deste comentário, que tem como gancho a elevação do IPI para os importados da indústria automobilística, algo como ‘Me engana que eu gosto’. Só não o fiz por respeito a um governo que eu apóio e desejo que tenha sucesso.

 

A enganação começa com a suposição de que existe uma indústria automobilística nacional. Nós não temos qualquer indústria verdadeiramente nacional no setor. As que existiam, como a Gurgel, foram quebradas pela concorrência imposta pelas multinacionais aqui instaladas. Os trabalhadores são brasileiros, grande parte dos técnicos e executivos também, mas o capital e os lucros são estrangeiros e enviados para suas matrizes no exterior.

 

Outra enganação consiste em supor que a concorrência dos importados vai quebrar tais indústrias e causar desemprego. No caso do setor automobilístico, o único fator realmente ameaçador dos importados é que estes forcem as montadoras estrangeiras presentes no Brasil a baixarem seus preços e, portanto, seus lucros e suas remessas disfarçadas para as matrizes. Em contrapartida, a redução dos preços contribuiria para a queda das taxas de inflação. Suas ameaças de demissão não passam de chantagem pura.

 

Enganação não menos evidente reside na idéia de que, com a lista das exigências para conquistar a isenção do IPI, as empresas asiáticas dispostas a investir na instalação de plantas de fabricação no Brasil não desistirão de seu propósito. Nenhum capital que se preze como tal vai se arriscar a investir num país que diz querer atrair investimentos externos e utiliza medidas negativas diante de empresas que estão testando o mercado.

 

Na verdade, o governo, ou parte dele, aceitou as versões enganosas do cartel multinacional de veículos automotivos. Este adora falar em livre concorrência, mas entra em pânico quando tem que enfrentar a competição do mercado. O governo poderia ter resistido à pressão lobista do setor e aproveitado a ocasião para quebrar esse oligopólio.

 

Tinha condições de apresentar uma pauta positiva para a instalação de novas fábricas de veículos, em especial dos voltados para o transporte de carga, de modo a aumentar a competição interna, reduzir os preços e, paralelamente, criar uma indústria nacional do setor.

 

Aproveitando a experiência chinesa e de outros países, o governo poderia exigir que os novos investimentos no setor, mesmo das empresas já instaladas no Brasil, fossem realizados em joint-venture com empresas brasileiras. É lógico que nós não temos empresas automobilísticas de capital nacional, mas temos indústrias de autopeças e de manutenção que poderiam ser estimuladas a enfrentar esse desafio e que poderiam evoluir, mais tarde, para indústrias autônomas.

 

Desse modo, ao invés de criar barreiras para a entrada de importados, o governo poderia agir em sentido positivo, oferecendo vantagens para que esses exportadores estrangeiros se transformassem, rapidamente, em fabricantes no território brasileiro. E, como complemento, contribuíssem para o surgimento de um setor automotivo nacional.

 

O governo também poderia, com os instrumentos que possui, orientar tais investimentos para as áreas que mais interessam ao desenvolvimento econômico nacional, como aquelas relacionadas com o transporte de carga. O tempo para reconstruirmos e ampliarmos substancialmente a rede ferroviária brasileira não será curto. Nessas condições, uma das formas para reduzir mais rapidamente o Custo Brasil da logística nacional pode ser a fabricação de caminhões mais econômicos e mais baratos, capazes de reduzir o preço dos fretes.

 

Se as multinacionais instaladas no Brasil continuarem sendo protegidas da competição internacional, elas vão continuar abusando de sua condição oligopolista, mantendo preços elevados tanto dos caminhões fabricados aqui quanto daqueles que importam e mascaram com algum conteúdo nacional. Continuarão contribuindo, portanto, para manter os custos logísticos de transporte bem acima dos custos internacionais.

 

O governo não deveria vacilar em substituir o aumento do imposto por uma série de políticas ou medidas que, ao contrário, rompam o cartel, forcem a redução dos preços, aumentem a oferta de empregos e ingressem na construção de uma indústria automotiva de caráter nacional. Essa é a maneira mais certa de trilhar o caminho da industrialização e, politicamente, evitar que o PSDB e o DEM se arvorem como batalhadores contra a elevação dos impostos, protetores dos compradores brasileiros e defensores do sistema legal.

 

Wladimir Pomar é escritor e analista político.

 

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