Correio da Cidadania

Continuando na base

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Em continuidade aos comentários sobre as questões suscitadas no núcleo do PT, talvez seja repetitivo dizer que o avanço nas reformas de cunho social, a aplicação de uma política mais consistente de defesa dos trabalhadores e do povo, a superação do tema da reforma agrária como um problema, o grau de relação do governo Dilma com os movimentos sociais, a possibilidade das bases serem ouvidas pelo partido e pelo governo, inclusive para fazer críticas construtivas, dependem fundamentalmente da capacidade dessas bases partidárias em acompanharem o dia a dia das lutas populares e transformá-las em mobilizações de pressão social.

 

Sem apoio e mobilização social não há possibilidade de influir nos rumos do governo, mesmo que esse governo tenha maioria de esquerda. E sem estar profundamente ligado à vida e à luta contínua das bases populares, mesmo que aparentemente pouco tenham a ver com as metas do governo para educação e combate à pobreza, com a política internacional, com a política cultural ou com a política de câmbio e juros, não é possível discutir com as camadas populares os elos reais que existem entre sua vida cotidiana e as grandes questões nacionais.

 

Sem tal trabalho de massa não será possível evitar que os núcleos partidários e os partidos de esquerda sejam apanhados de surpresa quando as massas do povo forem para as ruas expressar sua insatisfação. Além dos exemplos do norte da África, temos agora o exemplo do povo espanhol, mobilizando-se aos milhares e milhões contra a política neoliberal e de cerceamento da democracia naquele país. Um movimento cujos sinais embrionários talvez não tenham sido detectados por qualquer dos partidos políticos daquele país, nem pelos institutos de pesquisa de opinião pública. Simplesmente porque tais sinais só conseguem ser percebidos por quem está entranhado na vida do dia a dia do povo.

 

Portanto, se os núcleos do PT e de outros partidos de esquerda no Brasil quiserem evitar que haja retrocesso na política econômica, com a retomada da elevação dos juros e da compressão do consumo, que sejam reforçados os mecanismos de democracia direta, em especial nos meios de comunicação, que sejam quebrados os oligopólios da comunicação e que sejam atendidas centenas ou milhares de outras reivindicações democráticas e populares. Eles precisam se voltar de forma efetiva para a base da sociedade, para as inúmeras formas miúdas de organização e mobilização social, que aparentemente não têm efeito global, mas cujo somatório tem, certamente, grande força acumulada.

 

Para isso, talvez seja necessário romper com certos hábitos e crenças que se tornaram predominantes nos últimos anos de vida política da esquerda no Brasil. Por exemplo, que o trabalho parlamentar dos mandatos supre a demanda desse trabalho de massa, porque os parlamentares manteriam uma relação estreita com suas bases. Em outras palavras, a atividade institucional parlamentar supostamente pode substituir o trabalho cotidiano nos núcleos partidários. Isso explica, em parte, porque os núcleos perderam valor e força na organização partidária, mas não responde por que uma série relativamente grande de mandatos não consegue estabelecer ligações firmes com a base da sociedade.

 

Isso talvez se explique pelo fato de haver uma tendência, em vários mandatos de esquerda, de não se diferenciarem do estilo e dos métodos dos mandatos aliados, sejam de centro ou da própria direita, e nem dos adversários da direita. Ao justificarem certas atitudes com a afirmação de que apenas fazem o que todos os demais têm por hábito fazer, eles nivelam todos os mandatos pelo mesmo parâmetro e provocam uma apreciação extremamente negativa nas camadas populares.

 

Não podemos desdenhar a percepção da maior parte das camadas populares sobre os políticos. Essa parte majoritária da população acredita que os políticos utilizam o parlamento para tráfico de influência e como balcão de negócios, não passando de aproveitadores do dinheiro público. Em tais condições, se os mandatos da esquerda não forem firmes em se diferenciarem em relação ao que os mandatos burgueses fazem, a dificuldade que já enfrentam para substituir o trabalho de massa dos núcleos se tornará praticamente intransponível.

 

Para superar esse problema, o mais adequado talvez seja retomar os núcleos como os verdadeiros instrumentos de ligação permanente com a base das grandes massas do povo. Os mandatos podem e devem complementar positivamente o trabalho dos núcleos, municiando-os com as informações sobre os grandes temas e embates nacionais e a correlação de forças em relação a eles.

 

Essa pode ser uma das soluções para influir sobre a disputa interna no governo e para fazer frente à ofensiva desesperada da direita. Sem tal solução, é provável que os núcleos continuem ainda por um longo tempo fazendo as mesmas perguntas que o núcleo do Largo do Machado me apresentou. O que não será bom.

 

Wladimir Pomar é escritor e analista político.

 

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Comentários   

0 #5 Pés de barroPatricia Jacques Fernandes 29-05-2011 08:41
Acho que houve engano da parte do articulista ao dizer que o PT é partido de esquerda. Outro engano é dizer que o povão está se distanciando da suposta esquerda pelo fato de \"haver uma tendência, em vários mandatos de esquerda, de não se diferenciarem do estilo e dos métodos dos mandatos aliados, sejam de centro ou da própria direita, e nem dos adversários da direita\".
Só pode ser brincadeira. Não existe esquerda, não existe direita, não existe centro. Existe apenas situação, oposição e \"boquinha\". O PT já foi oposição porque queria \"boquinha\", para se tornar situação. Conseguiu a \"boquinha\" e virou situação. E quem acreditava na balela da esquerda, dançou.
Qual é a diferença dos supostos esquerdistas para os centristas e direitistas? Nenhuma, salvo RARÍSSIMAS exceções.
Quanto à parte majoritária da população que acha que os políticos só querem \"boquinha\", onde está a novidade? A grande questão que me aflige é a seguinte: Por que será que essa maioria continua elegendo os mesmos caras-de-pau de sempre?
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0 #4 Novas marchasTFP?Flávio Prieto 27-05-2011 12:08
Pomar, você deve se lembrar que nos idos de 60, alimentados pela mídia da época, financiada pelos IPES/IBADs da vida, houve marchas em nome da ética e da democracia - embora vivêssemos em plena institucionalidade. Sabemos que essas campanhas eram insufladas pelas elites de direita, com financiamento interno e externo, mas que conseguiram atingir a população submetida a baixos salários e às altas taxas de inflação da época, bem como as camadas médias da população que, na realidade, eram as que de fato se mobilizaram contra Jango. O povão estava meio sem saber pra que lado pular, mas na hora do golpe ficou inerte e, em alguns casos, até aplaudiu. Vejo com esse olhar o que hoje ocorre na Espanha, seguindo as rebeliões externamente fomentadas no Norte da África (por petróleo). Concordo com a importância do trabalho de base e com a necessidade da militância acompanhar bem de perto a conjuntura política e econômica.
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0 #3 Matheus 25-05-2011 17:23
\"Essa parte majoritária da população acredita que os políticos utilizam o parlamento para tráfico de influência e como balcão de negócios, não passando de aproveitadores do dinheiro público.\"

E sabe de uma coisa, eu concordo plenamente com essa parte majoritária da população nesse assunto. Não sou daqueles que idolatram qualquer opinião que venha do que eles chamam de \"povo pobre/trabalhador\" (sua missão histórica não se confunde com a sua \"opinião média\"). Mas, nesse ponto, é indiscutível que o \"senso comum\" coincide com o \"bom senso\".

Agora, sejamos realistas, o governo já deu sinais claros de que vai caminhar a passos largos na sua aproximação com a direita. Elevação da taxa de juros, corte de gastos com serviços públicos, ameaça de privatização aeroportos, privatização da educação via PROUNI, aprovação do liberalização do desmatamento, etc. Existem vários outros exemplos, e muito disso já vêm do governo FHC, cujo neoliberalismo e governo de coalizão suja foi continuado pelo lulismo. Tudo indica que esse governo é pura e simplesmente reacionário, que procura voltar à ofensiva de contra-reformas neoliberais. Pomar quer que o PT se mobilize para impedir que as camadas populares não se rebelem contra o governo, ou quer que o seu partido pressione o governo para a esquerda?
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0 #2 Corrigindo o meu comentário anterior ao Raymundo Araujo Filho 24-05-2011 09:57
Na verdade, a mim me bastaria ter UM TERÇO da cara de pau do Wladimir Pomar.

Vir aqui no correio dar instruções para as "bases petistas que poderão influenciar o governo" é dupla cara de pau.

Uma por, acho eu, aqui não é exatamente o lugar para isso, pois aqui tentamos fazer debates políticos e não ordem unida.

Depois, o que adianta um general sem exército clamar por táticas e estratégias.

E três, alguém precisa avisar ao Wladimir Pomar duas coisas: a) Não existe mais esta tal base petista nucleada e ativa, há pelo menos 10 ou 15 anos, estão muitos deles em cargos de governo, assessorando parlamentares ou em ONGs "amigas" ( e tratando da própria vida - mesmo que pareça outra coisa) e C)A política econômica não VAI ter retrocesso. Esta, já retrocedeu há tempos, e continuou a retroceder com Lulla e DiLLma.

Alôôôôuuu!!!!!
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0 #1 O PT faz a mesma prática da burguesia.fábio 24-05-2011 05:20
Mas o próprio PT, do qual você faz parte, se vendeu a essas práticas tornando-se igual aos partidos burgueses, como é que você ainda pede que haja diferenciação desse partido para os partidos burgueses?

Hoje, o PT é um instrumento de manutenção do capital. Aliás, desde 2002, quando se aliou a setores da burguesia e a parte da extrema-direita.
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