Algumas lições para o futuro

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Wladimir Pomar
25/10/2010

 

A última semana da campanha eleitoral será como era de se esperar. A direita, já sem bandeiras, em virtude da contra-ofensiva política da candidatura Dilma, jogará nas ruas toda a baixaria de seu arsenal de armas sujas, com a participação escancarada de Veja, Globo, Folha e outros órgãos que se consideram os intocáveis da grande imprensa.

 

De todo modo, qualquer que seja o resultado do segundo turno, será necessário que a esquerda, em geral, e o PT, em particular, extraiam dessa campanha algumas lições essenciais para o futuro, se quiserem ter papel saliente no processo de transformação da sociedade brasileira.

 

Talvez a primeira, e mais evidente, é que a popularidade e o apoio explícito de Lula não carimbam passaporte para a vitória de outros candidatos do PT e da esquerda. O papel de Lula é importante, mas na disputa pela conquista dos corações e mentes dos eleitores é fundamental ter propostas econômicas, sociais e políticas que correspondam a suas necessidades e expectativas, e sejam entendidas como propostas para valer.

 

Se isto não acontece, a diferenciação não se dá. E aparecem fenômenos como os do Tiririca; das derrotas em regiões onde Dilma venceu, mas seus candidatos a governador e a senador perderam; da emergência de uma suposta terceira via, com a candidatura Marina mascarando a disputa de projetos opostos; e a imposição de um segundo turno.

 

Portanto, estar na direção do governo não isenta a esquerda de fazer política. Ao contrário, exige que ela se empenhe ainda mais em conhecer as reivindicações e expectativas das grandes camadas populares e da classe média, tanto as antigas que não foram satisfeitas quanto as novas, e responder a elas com propostas concretas e os correspondentes apelos de mobilização.

 

O governo pode e deve fazer propaganda de suas conquistas, como a redução da miséria e da pobreza. Mas tanto ele quanto a esquerda não podem e não devem cair no conto da emergência de uma nova classe média e do tudo bem. O Brasil ainda possui muita pobreza, muita falta de saneamento, muitas doenças quase endêmicas, estruturas educacionais e de saúde com muitas falhas, e há muito a fazer. Se não respondermos a essas necessidades e nos contentarmos com a suposta classe média C, inclusive esquecendo que há um abismo entre as classes médias C e B, corremos o risco de sermos abandonados até mesmo pelos que se beneficiaram.

 

Outra lição que salta à vista é que o fato de o governo democrático e popular aplicar políticas que beneficiem as camadas populares não significar, de antemão, a percepção popular de que a melhora de suas condições de vida, como emprego, salários e aumento da renda, são resultados diretos daquelas políticas.

 

Tal percepção pode ficar ainda mais nublada numa situação como a brasileira, em que o foco principal é o desenvolvimento das forças produtivas. O que significa, queira-se ou não, uma melhoria ainda maior da lucratividade das empresas e da burguesia e a manutenção das grandes diferenças de renda.

 

Por não haver compreendido que essa contradição não pode ser abolida administrativamente, mesmo que tivesse ocorrido uma revolução popular vitoriosa no Brasil, uma parte da esquerda transformou-se em oposição ao governo Lula e o acusa, assim como ao PT, de haverem se tornado "capitalistas".

 

De outro lado, grande parte da esquerda que apóia o governo se deitou no berço esplêndido da enorme popularidade de Lula. Abandonou o trabalho político árduo de discutir tais questões com as camadas populares e a classe média e de elaborar novas propostas de avanço nas reformas que o Brasil necessita, inclusive numa perspectiva socialista.

 

Desse modo, deixou inclusive que algumas de suas bandeiras tradicionais fossem levantadas como armas de combate contra ela própria. Para complicar ainda mais, acreditou que a burguesia estava satisfeita com o desenvolvimento da economia e viria em bloco no apoio ao candidato que Lula apontasse. E subestimou a capacidade de articulação política do setor burguês de oposição ao governo democrático e popular.

 

Ou seja, por um lado alimentou ilusões de que a luta de classes acabara e, por outro, foi arrogante em relação ao inimigo. Tais concepções levaram essa parte da esquerda a não entender que as alianças com uma parte da burguesia não significam apenas unidade em torno do desenvolvimento das forças produtivas, mas também luta, com razão e com limite, pela maior participação popular na política, por melhores salários e melhores condições de trabalho e de vida, e por outras reivindicações populares.

 

Aquelas concepções também contribuíram para que parte da esquerda não atentasse para a necessidade de aprender a combinar a defesa do governo democrático e popular com a direção prática das lutas dos trabalhadores e das camadas populares, seja para forçar o governo de coalizão a avançar no atendimento das reivindicações populares e democráticas, seja para forçar a burguesia a dividir parte de seus lucros.

 

Em outras palavras, aquelas concepções obscureceram a necessidade de praticar unidade e luta, tanto dentro do governo, quanto na sociedade. Se a esquerda que está no governo houvesse praticado essa combinação política, pelo menos durante o segundo mandato do governo Lula, as condições políticas para a campanha eleitoral seriam diferentes.

 

Como não o fez, continuou acreditando que estava totalmente certa e, ainda por cima, cometeu uma série de erros estratégicos e táticos durante a campanha Dilma do primeiro turno. É certo que a superação parcial desses erros no segundo turno pode levar à vitória. O que, se ocorrer, reforçará ainda mais a necessidade de avaliar e discutir em profundidade as lições desse período.

 

Wladimir Pomar é escritor e analista político.

 

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