Correio da Cidadania

O império retoma o ataque

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Segundo notícias recentes, porta-vozes do sistema financeiro internacional estão alertando seus acionistas de que o mercado de ações brasileiro estaria formando uma bolha, a economia do Brasil estaria aquecida e o real supervalorizado. Em outras palavras, parece estar findando a lua de mel entre o sistema financeiro internacional e a política de crescimento do governo brasileiro, embora tal sistema tenha sido um dos que mais lucraram nos últimos anos.

 

O desconfiômetro deve nos conduzir a uma análise mais cuidadosa do assunto, de modo a descobrir se há razões reais para o alerta, ou se se trata de jogada política, tendo em vista possíveis mudanças na política monetária brasileira. O Banco Central se apressou a tranqüilizar o sistema financeiro internacional, afirmando que o Brasil pode adotar medidas que impeçam um crescimento superior a 2% ao ano, desde que retire os incentivos fiscais e aumente a taxa Selic, a taxa básica de juros.

 

Ou seja, o Banco Central, numa penada, mudou toda a perspectiva de crescimento do país. Por um lado, avisou ao governo que a política monetária deve manter tranqüilos os acionistas dos bancos internacionais. Por outro, informou aos empresários que não devem investir na ampliação de sua capacidade produtiva. Primeiro, porque isso pode causar fricções com o sistema financeiro internacional. E depois porque vale mais a pena aplicar no jogo de ações da bolsa de valores, que lhe garante um rentismo certo.

 

Estranhamente, essa encenação entre o sistema financeiro internacional e o Banco Central brasileiro ocorre no momento em que o PT acena para a possibilidade, com a continuidade do governo democrático e popular, de adotar medidas para reduzir de forma mais consistente os juros e a especulação financeira, estimular os investimentos produtivos para aumentar a oferta e continuar estimulando a demanda através do crédito.

 

Em outras palavras, o sistema financeiro e o Banco Central comunicaram à candidatura Serra que podem dizer publicamente que os planos de crescimento da candidatura Dilma não passam de euforia sem base na realidade. Algo, aliás, que já vem fazendo parte da campanha da oposição e da grande imprensa a respeito da implementação do PAC. Portanto, as notícias parecem ter mais motivação política do que econômica e financeira.

 

É evidente que a redução do ritmo de crescimento e a elevação das taxas de juros podem ter um efeito perverso sobre o emprego, a renda dos trabalhadores, o endividamento das famílias, o mercado interno. Ou seja, tudo que já se conhece da política levada a cabo, por vários anos, pelos governos Collor e FHC. A posição a adotar, num caso como esse, seria pressionar o governo para manter firmeza em sua política de crescimento, rebaixamento dos juros e enquadramento do sistema financeiro em seu papel de financiador da produção.

 

Apesar disso, intelectuais às voltas com a crise de ideais preferem atacar a política de crédito do governo, concordando com o sistema financeiro internacional quanto à possibilidade de uma bolha na venda a longo prazo. Além de a admitirem, para demonstrá-la utilizam o famoso método do absurdo, argumentando que ela pode estourar, se o emprego e a renda dos endividados não crescerem e se os investimentos produtivos voltados para o mercado interno não ocorrerem. Em outras palavras, se o pára-quedas não abrir, o saltador se esborrachará; se o freio não funcionar, o caminhão baterá; se o trilho abrir, o trem descarrilará. O absurdo pode ir ao infinito.

 

A política de crédito tem por base justamente as políticas de investimentos produtivos, rebaixamento dos juros, crescimento do produto interno, crescimento dos empregos, ampliação da renda e do mercado interno, configurando um novo projeto nacional que combine o desenvolvimento das forças produtivas, com distribuição de renda e ampliação dos direitos democráticos. Nesse processo, a disputa entre os interesses populares e os interesses capitalistas se manterá em tensão permanente, sendo difícil prever por quanto tempo tais interesses poderão ser harmonizados num projeto comum.

 

De qualquer modo, a intelectualidade tem um papel fundamental na análise do desenvolvimento desse processo, colocando-se firmemente ao lado dos interesses populares e buscando as táticas que os ajudem a evitar as armadilhas que o capital financeiro, em especial, vai antepor para tentar romper o projeto comum. Se algum dia o projeto se romper, a única forma de conservar a razão e ganhar a maioria do povo será fazer com que a responsabilidade por tal rompimento seja clara e totalmente dos interesses capitalistas.

 

Para tanto, a intelectualidade de esquerda necessita voltar a enxergar sua existência como uma expressão da divisão social, da divisão de sociedade em classes. Procurar se referenciar à classe ou às classes que representa, consciente ou inconscientemente. Ela não pode intervir nos rumos da História sem compreender e representar interesses e necessidades históricas de classe, sem aderir a tais interesses, nem ligar-se organicamente a eles.

 

Pela ausência de uma análise de classe mais acurada da sociedade brasileira, e pela ação da síndrome do manual, há entre nós uma miríade de intelectuais que não conseguem enxergar a realidade como ela é, nem os desvios que ela impõe à política para alcançar os objetivos estratégicos. Com isso, como vimos, podem negar-se a si próprios e a seus interesses de classe, e argumentar como os liberais e os neoliberais. O que pode ser dramático, nos momentos em que o império contra-ataca.

 

Wladimir Pomar é escritor e analista político.

 

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Comentários   

0 #3 Marcelo Lima 14-06-2010 01:19
Uma coisa e' certa: trata-se da economia (“is the economy, stupid!!!” como se dizia nos EUA não faz muito tempo) e das mudanças que a economia ao se desenvolver impõe à estrutura de poder no pais. De certo modo vivemos um novo 1964 ( com todas as ressalvas e qualificativos necessarios !!!) e nos vemos frente a uma escolha entre caminhos possiveis do desenvolvimento da economia de mercado no Brasil– mais ou menos autonoma, mais ou menos distribuida, mais ou menos “civilizada”. Neste ponto eu acho que o Wladimir Pomar tem razão. O diabo e’ que transformar a necessidade da mudança em mudança de fato, irreversivel no fundamental , vai implicar, creio eu, numa forma de lideranca e organização popular distinta da do “lulismo” e alem da capacidade (e vontade) do PT realmente existente. A direita que Serra representa tem que ser derrotada nesta eleição, isto e’ claro. O maior merito de Lula e’ ter vislumbrado uma “alternativa” modesta, limitada , e não obstante potencialmente crucial, ao fundamentalismo neo liberal. Mas e’ o neo liberalismo que ainda dita as regras como observa o autor. Nisto o lulismo mostra seus limites e, ao meu ver, de modo dramatico. Oxala’ eu esteja errado!
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0 #2 Carlos de MoraisCarlos de Morais 10-05-2010 15:37
O Paulo Henrique mostra muito bem como vai ser a campanha do PSDB contra a Dilma. Será mesmo "doses exageradas de ingenuidade" desejar ou prometer coisas possíveis e viáveis. Desde que se acredite nelas, a redução dos juros e da especulação financeira podem ser perfeitamente controladas. O Paulo Henrique na certa não acredita na economia chinesa ou indiana ou coreana etc. Acredita em que?
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0 #1 Aqui pensando...Paulo Henrique 05-05-2010 21:01
O autor mescla a escrita de um bom texto com doses exageradas de ingenuidade que provocam o leitor. Afinal, acreditar na adoção em breve "de medidas para reduzir de forma mais consistente os juros e a especulação financeira, estimular os investimentos produtivos para aumentar a oferta e continuar estimulando a demanda através do crédito" é quase uma piada (de bom gosto talvez).
Um abraço cordial, Paulo Henrique
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