Correio da Cidadania

A modernização conservadora

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Os críticos do governo Lula reiteram, sem pestanejar, que Lula não teria rompido com a modernização conservadora. Reconhecem, porém, que houve algum tipo de ruptura ao optar por um modelo de desenvolvimentismo que privilegia o capital nacional. Daí a tese deles de que Lula estaria reorganizando o capitalismo brasileiro, mesmo não sendo avesso ao capital transnacional.

 

Alguns acreditam que, sob o governo Lula, o capitalismo brasileiro se tornou um global player, levando o país a um desenvolvimento que vai reiterar as mais doces expectativas acalentadas pela esquerda e pelos progressistas nos anos 1950 e 1960. O problema residiria na verticalização e centralização do Estado, capaz de esvaziar o debate público, a única forma de impedir que os mercados interno e externo se transformem no monopólio de um grupelho.

 

Reclamam, então, que Lula não atacou nem feriu de morte a hegemonia dos poderosos do agronegócio, das finanças e da grande indústria, permitindo que eles, ao se aninharem no interior do Estado, possam se apropriar das riquezas que serão geradas pelo desenvolvimento do capitalismo brasileiro. Postulam então que esse capitalismo seja organizado numa social-democracia avançada, com um Estado forte, mas sob controle da sociedade.

 

Com isso, a montanha crítica consegue, no máximo, parir um rato. Não discute, sequer, se nas presentes condições brasileiras, seria possível ter uma modernização não-conservadora. Isto é, uma modernização impulsionada por um Estado que ousasse combinar a construção de instrumentos de propriedade social (estatais e públicas) com a democratização da propriedade capitalista, evitando a formação de monopólios e oligopólios e utilizando mecanismos diferenciados para desenvolver as forças produtivas em combinação com uma constante e progressiva redistribuição de renda.

 

A história demonstrou que os Estados de bem-estar da social-democracia só conseguiram combinar a construção de instrumentos de propriedade social com a democratização da propriedade capitalista, assim como manter uma razoável redistribuição de renda, em condições históricas muito especiais. Isto é, enquanto podiam dominar mecanismos econômicos e políticos que lhes permitia transferir riquezas dos países dependentes da periferia, e enquanto estavam sob a pressão comparativa dos países socialistas europeus.

 

Quando essas condições se reduziram ou deixaram de existir, e o capitalismo se reestruturou em corporações transnacionais, a social-democracia teve que se transformar em social-liberalismo. Tornou-se incapaz de gerir um capitalismo que, ao mesmo tempo em que se desenvolvia, permitia que se redistribuísse a riqueza gerada de uma forma menos desigual. Assim, as sociais-democracias européia e brasileira não mudaram sua natureza por maldade, mas pela imperiosidade das novas condições do capital.

 

Por outro lado, o socialismo voltou à pauta. Porém, mais pelo fracasso do neoliberalismo e pelas contradições do capital do que pela ação dos socialistas. Portanto, deduzir que o retorno da problemática socialista à pauta social represente a criação imediata das condições para a transformação radical da sociedade brasileira é não só um sonho, mas um desejo voluntarista de primeira ordem.

 

Além disso, não devemos esquecer que, em nosso país, o capitalismo se desenvolveu tendo por base grandes empresas estatais e privadas, estas últimas também com o apoio do Estado. Ao contrário de outros países, em que o capital criou uma massa considerável de pequenos capitalistas, com força social e política, aqui isso não ocorreu.

 

Na verdade, a democratização da propriedade capitalista sempre foi vista como uma ideologia comunista, por paradoxal que isso possa parecer. A reforma agrária, de conteúdo essencialmente burguês, sempre foi tratada como uma reivindicação comunista.

 

As mobilizações sociais ocorridas no Brasil nos últimos 60 anos foram incapazes de impor a democratização da propriedade da terra e a democratização da propriedade capitalista. Nas zonas rurais, hoje o Brasil corre o risco de ver os remanescentes do latifúndio improdutivo serem transformados em grandes explorações agrícolas capitalistas, ou o chamado agronegócio, ao invés de ver ampliadas as explorações camponesas.

 

A tendência é de que as explorações camponesas sejam engolidas pela rápida expansão do agronegócio, transformando os lavradores autônomos em proletários rurais, operários industriais ou lumpensinato. Em outras palavras, as pequenas-burguesias industrial e agrícola no Brasil continuam sem ter força social suficiente para impor seus interesses próprios.

 

Nessas condições, a proposta de romper com a modernização conservadora pode ser muito bonita e teoricamente ideal, mas sua execução prática demandaria não apenas um governo como o de Lula, mas também um Estado suficientemente forte para realizar uma modernização democrática e popular. Nesse sentido, um Estado social-democrata, pela mudança da natureza da social-democracia, romperia com a modernização conservadora por seu lado pior. Isto é, liquidando a modernização, a exemplo do que fez FHC, mesmo que seu candidato fale em Estado ativo.

 

Nas condições presentes, para não paralisar a modernização, a pretexto de que ela é conservadora, talvez a política mais adequada resida em introduzir modificações que permitam reforçar a participação do capital estatal no pacto com os capitais privados nacionais e estrangeiros, ampliar significativamente a presença do pequeno capitalismo (ou capitalismo democrático) na sociedade e criar condições favoráveis para a participação democrática e popular nas decisões do Estado.

 

Ou seja, no contexto atual, o que pode realmente introduzir mudanças na modernização conservadora é o desenvolvimento da musculatura das empresas estatais, da força econômica da pequena-burguesia urbana na indústria e nos serviços e da pequena-burguesia rural na agricultura, e da força social dos trabalhadores assalariados urbanos e rurais na sociedade e na participação política.

 

Wladimir Pomar é analista político e escritor.

 

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Comentários   

0 #6 sem intenção de aplicar carapuças em ninRalf Rickli 04-04-2010 10:07
Prezado Raymundo,

apesar de meu comentário ter sido publicado depois do seu, o seu ainda não havia sido publicado quando escrevi o meu. Portanto escrevi inspirado unicamente pelo texto do Pomar, e nada do que eu disse se referia às suas posições, que eu desconhecia. Se você encontrou razões para se sentir aludido, aí são outros 500...

Gostaria muito de PODER comentar os seus comentários detalhadamente, como você pede. Absolutamente não tenho como, no momento. Com o temo pretendo construir mais tempo e poder escrever sistematicamente sobre estes temas. Mas não foi essa minha intenção ao deixar meu breve comentário ao artigo do Pomar; foi apenas sinalizar com um polegar levantado, contrinuindo para gerar uma imagem representativa, ainda que superficial, da gama das posições existentes sobre o tema.

Enfim, também acredito que o debate é necessário - ou melhor, o diálogo. Creio que ninguém exalta melhor a noção de diálogo do que Paulo Freire (chamo sua posição de radicalismo dialógico ou dialogismo radical), mas quem explicita bem a distinção entre diálogo e debate é um certo texto do físico David Bohm. Infelizmente o que chamamos de debate, que tem a intenção de provar a superioridade da posição que já trazemos) costuma ser estéril; é o diálogo que é o sexo do pensamento, capaz de gerar renovação.
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0 #5 Idealismo é aceitável hipocrisia nãoLuiz Motta 03-04-2010 11:51
Excelente o texto do WLADIMIR POMAR. principalmente este trecho "Portanto, deduzir que o retorno da problemática socialista à pauta social represente a criação imediata das condições para a transformação radical da sociedade brasileira é não só um sonho, mas um desejo voluntarista de primeira ordem."

Complemento com um trecho do comentário de um leitor do artigo do Ildo Sauer : "O Lula assumiu a presidência do País pelo voto, mas cobram dele um programa como se ele tivesse assumido pelas armas!"

Complemento com meu comentário:" o Governo de Lula(esquerda pragmática)-coligação (maioria centrista conservadora)de 2002 a 2006 , foi um governo de paralizar e recuperar as perdas das mínimas estruturas estatais portanto um governo pisando em ovos uma grande expectativa popular de melhorias (mas ninguém sabia como) , não era hora nem de pensar em confrontar os poderes estabelecidos , qualquer passo em falso o governo seria devorado pelos poderes econômicos privados(poupança nacional e internacional)o estatal já estava totalmente debilitado com o governo fhc. No segundo governo foi possível crescer um pouco a estrutura estatal, mas, junto com a poupança privada nacional e internacional muito longe ainda de ter forças para confrontá-los

Mudanças profundas estão acontecendo em favor da sociedade mas um estado forte com real capacidade de confronto só vira com mais tempo e se não houver retrocesso com a volta do PSDB/DEM com o Serra .

Lembrando que durante todo o tempo nos dois governos a Mídia esteve em campanha contra os governos Lula e os avanços sociais conseguidos .
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0 #4 O Debate é necessárioRaymundo Araujo Filho 21-03-2010 13:20
Pelo que li aqui no comentário do leitor Ralf Rickli, sinto-me obrigado a estender meus "parabéns também a ele. Mas, falando sério e certamente não sendpo encarada como ofensa esta brincadeira leve, estas sim permissíveis no bom debate, gostaria que Ralf, já que falou em "dialogar com a realidadade, enquanto "nosotros" apena falamos clicês irreais", gostaria que ele explicasse, onde faltou dado de realidade na minha crítica ao Pomar, onde é que não dialogo com a realidade, apenas faço isso croticamente, o que aprendoi com minha família e excelentes cidadãos e professores que tive, senão me engano anunciada como "materialismo dialético". Acho que Wladimir Pomar, se é que não esqueceu, deve ter uma vaga lembrança que é isso.

No mais, fico no agurdo, não de eslogansd, mas de argumentos,. com o eu me esforço em fazer, a patir da simples leitura dos próprios dados do governo, do BNDES e do próprio IPEA. São9 as melhores fontes de informação, se souberes fazer a leitura crítica, e não "ovelhesca".

Prerfiro muito mais a argumentação do pessoal do IASE que, mesmo admitindo todas as limitações do governo Lulla, dizem que "assim mesmo o apoiamo9s, por aindaacharmos que poderá haver espaço pra ukma polpítica social institucionalmnte forte. Discordo, mas acho uma defesa muito mais digna, do que estes maquiadores da realiddae, em um inexplicável "Tudo Por Lulla".
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0 #3 Fogo FátuoRaymundo Araujo Filho 19-03-2010 10:20
Inicio este comentário sobre mais um artigo do Wladimir Pomar, treplicando um comentário feito por Luiz Paulo Santana, abaixo do meu, sobre o último artigo do WP (Harmonização de contrários), onde o Luiz, talvez na falta de argumentos políticos, passa a tentar me achincalhar nomeando-me Raivoso, em vez de Raymundo. Poderia eu ir nesta mesma onda, corrompendo o seu nome Paulo Santana, mas não vou. Tenho muitos argumentos para comentar criticamente o principal, não ocupando no espaço nobre e generoso com não famosos, ceido pelo Correio, para me ater a achincalhes pessoais.

Apenas lembro da crítica a minha maneira de grafar o nome do presidente como Lulla, e não Lula. É um direito que me assiste, e representa uma técnica gráfica para identificar as políticas do presidente atual, com as de Collor de Mello que, aliás, em recente entrevista, foi todo elogios ao Lulla, dizendo que as macro políticas de hoje, foram agendadas por ele, em 1990, como as privatizações, importações liberadas, exportações de comodities, entrega do petróleo, entre outras. E ainda acrescentou que Lulla está ótimo, e quem mudou foi o presidente "não eu", afirmou Collor.

Lemnbro também que nos últimos 10 dias, grandes apoios ao Lulla e a Dilma foram dados: Collor, Tuma e Abílio Diniz (e muitos mais virão, inclusive com doações ocultas), por exemplo. Poderia eu chamar o Lulla da Silva, de Tuma que Silva, mas não vou...

Mas, o importante é o artigo do WP que, novamente, chama preto de branco, e confunde, a meu ver, Porco no Rolete, com Tolete de Porco.

Vamos ao Telão:

1)São críticos meia boca e equivocados, estes que, segundo WP, reconhecem que Lulla "estaria reorganizando o capitalismo brasileiro".
Em primeiro lugar, porque não sabia que estes e WP não sabem ainda que NÃO existe "capitalismo brasileiro". Existe sim CAPITALISMO, e hoje, mais do que nunca está totalmente internacionalizado, com alto grau de rapinagem de economias e recursos naturais dos países periféricos, além de super exploração da mão de obra, o Brasil em destaque. Se precisarem de exemplos, me solicitem, por favor.

2)Não sei a que críticos se refere o WP, quando faz as afirmações contidas no segundo e terceiro parágrafo de seu artigo. Ou melhor, sei sim. São aqueles que de tão pífias e insustentáveis as suas teses, que WP e os Lullo Petistas escolhem pra contestá-los, como faz no quarto parágrafo, deixando de contestar articulistas como Leo Lince, Ruda Ricci (um dos melhores analistas da atualidade), Paulo Passarinho, Waldemar Rossi, Reinaldo Gonçalves, entre outros.

3) Então, contestando o que não existe como fato político verdadeiro, WP passa a esbanjar sapiência metodológica, analisando a vida econômica e social do Brasil, sem levar em conta que, em 2002, como já afirmei aqui várias vezes, tivemos um evento político-social com a campanha eleitoral de Lulla, que foi carregada nas costas, pelo produto de 20 anos de articulações pós ditadura, colocando as bases dos movimentos sociais, sindicais e populares, nas ruas, galvanizando consensos com setores da classe média e até da pequena burguesia, sem coragem de refutarem a necessidade das profundas Reformas anunciadas nos planos econômicos, social e no "modus faciendi" da política, palanqueadas por Lulla. Eu disse a base, pois as direções já estavam cooptadas, em um processo que descrevi com elementos factuais no artigo Lulla e Stanley Gaceck: Ligações Perigosas (acessável em portais de busca).

4)Nesta toada, WP vai rosetando a mula manca, até concluir, mais uma vez, que nada mais seria possível fazer o que este quase nada que Lulla fez (Bolsa família = 5% do serviço anual da dívida), e ainda encontra o lado "moderno" das Reformas privatizantes de FHC. Fiquei pasmo!

5)Pelo visto, poucos notam que WP insiste em chamar a entrega para as corporações empresariais oligoplizadas e desnacionalizadas, a execução de serviços básicos à população e de infra estrutura, extração de riquezas naturais e outras, de "modernização", internalizando o jargão neoliberal para não ter de usar a palavra real que é DESNACIONALIZAÇÃO.

6) Por fim, jogando a toalha, mais uma vez, insiste na MENTIRA que está havendo algum fortalecimento da musculatura de empresas estatais, da pequena burguesia rural e urbana, contrariando TODOS os indicativos do IPEA, que apontam para a concentração ou subjugação funcional elas, aos interesses estranjeiros, a começar pelo pré sal, e a terminar pelo encaixe da agricultura familiar como fornecedora de matérias primas para as grandes agroindústrias lucrarem horrores, consumindo uma tonelagem de fertilizantes industriais contaminantes e venenos, "como nunca d'antes neste país", além da maquiagem de estado Forte, mas verdadeiras "joint ventures internacionais" onde, por exemplo, no mínimo 50% do Petróleo será entregue aos estrangeiros que nada gastaram para descobrí-lo e operacionalizá-lo, com pagamento em moeda forte, o Óleo. Até o oresidente da AEPET e o pessoal do SINDIPETRO-RJ já "descobriram" isso...

7) Por fim, recebe um baita elogio do comentarista e leitor Maurício, que do alto de sua "sapiência" sobre o óbvio, lembrou-me de uma piada que descreve uma família budista da Índia que, após conseguirem tirar o bode que tinham, de dentro de sua casa, onde sujava tudo, viram que a casa estava limpa, mas continuavam pobres. Foram ao Guru, e este mandou que colocassem o Bode dentro de casa. Fizeram. Seis meses depois, foram reclamar das péssimas condições da casa e recebrem do Guru a ordem "Tirem o Bode da sala".

Sarney, FHC, Serra, Collor, Tuma, Jucá, Barbalho, Delfim, Gedel, Helio Costa, e tantos outros Bodes, foram tirados da sala em 2002, pelo Povo Brasileiro, elegendo Lulla sob um discurso, mas ganhando um presidente a executar o contrário.

Parabéns WP! parabéns Maurício! Parabéns Luiz Paulo Santana! Cês são o Máximo (do mínimo).

Com uma "esquerda" destas, prá que Direita?
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0 #2 Parabéns pela peça de PENSAMENTO VIVORalf Rickli 19-03-2010 10:00
O melhor deste artigo é mostrar que ainda há PENSAMENTO VIVO na esquerda à esquerda do governo, capaz de deixar a realidade falar e aí interagir com ela, e não meramente repetir velhos clichês acreditando que são mais reais que a realidade! Valeu, Pomar!
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0 #1 Maurício 18-03-2010 06:28
Considero seus textos profundos e sensatos. É impressionante sua análise de conjuntura economica e social do nosso País. Quando leio tenho a convicção de nossa realidade e me pergunto porque várias lideranças como Heloísa Helena, Marina e outros não conseguem pensar essa conjuntura!!!!
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