2010: afinal, o que estará em disputa?

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Wladimir Pomar
06/01/2010

 

Há uma análise recorrente que procura convencer a todos que não há diferenças significativas entre os possíveis candidatos à presidência em 2010. Ciro Gomes, José Serra e Dilma Roussef teriam perfil idêntico. Todos teriam um histórico de esquerda, seriam executivos, ativos no campo administrativo, mas neófitos no campo da política, diferentemente de FHC e Lula, animais políticos.

 

A diferença estaria em Marina Silva, com perfil ético e ambiental, mas sem condições de debater os temas que terão mais força na campanha eleitoral, como o desenvolvimento econômico e social, o papel do Estado como indutor desse desenvolvimento e a integração física da América do Sul. Em vista disso, a agenda posta para a campanha seria aquela determinada pelo grupelho que monopoliza a economia do país, constituído pelo agronegócio, sistema financeiro e grande indústria.

 

Diferentemente dos anos 1950 e 1960, quando a questão nacional teria se relacionado com a questão popular, e ocorrera disputa entre ambas pela hegemonia, hoje esta hegemonia estaria nas mãos dos grandes potentados. Estes estariam em condições de impor o que quiserem em relação ao desenvolvimento, ao Estado e às relações com os demais países. O que tenderia a transformar a campanha de 2010 numa batalha entre marqueteiros.

 

Por outro lado, os autores dessa previsão não conseguem negar que Lula conseguiu impor ao agronegócio a questão ambiental e o convívio com a agricultura familiar, elevando 30 milhões de pessoas a um novo patamar de consumo e enfrentando a questão social como um todo. Nem se deram conta que só isto bastaria para colocar em dúvida a análise de que o grupelho que monopoliza a economia do país determinaria a agenda nacional.

 

Porém, para fugir dessa armadilha que eles mesmos armaram, ao admitir que o governo Lula impôs ao agronegócio, ao sistema financeiro e à grande indústria algo que não lhes passava pela cabeça, realizando uma harmonização entre contrários, os autores dessa análise concluem que tal harmonização não poderá persistir por muito mais tempo.

 

Porém, não porque os potentados irão se insurgir contra ela, forçando o governo a voltar atrás, ou a enfrentá-los com o apoio dos milhões de beneficiados pelas políticas sociais. Nada disso. Tal harmonização não persistirá, afirmam, principalmente porque Dilma não estaria vocacionada para tanto. Ela pensaria o desenvolvimento e a questão nacional de forma tecnocrática e desvinculada da sociedade civil e dos movimentos sociais, o que seria perigoso, por fortalecer o Estado burguês.

 

Assim, essa análise aparentemente neutra consegue dizer que Serra e Dilma possuem o mesmo perfil, mas conclui que apenas Dilma estaria vocacionada a fortalecer o Estado burguês, por ser incapaz de relacionar a questão nacional com a questão popular. Ou seja, ela estaria fadada a sucumbir nos esforços para manter a harmonização entre contrários, que o animal político Lula teria conseguido.

 

Implicitamente, a esquerda estaria cometendo um erro brutal se optar por ela. O mesmo erro em que incorrerão os movimentos populares se não considerarem que Dilma, embora em condições de participar do debate sobre os grandes temas nacionais e sociais, tenderia a ficar atrelada à agenda predeterminada pelos potentados do agronegócio, do sistema financeiro e da grande indústria.

 

Esse certamente será o núcleo do ataque a Dilma, seja do esquerdista Serra ou Aécio (é impressionante como ainda há gente que divulga que os tucanos são de esquerda), seja da ambientalista Marina, partindo-se do pressuposto de que Ciro talvez não dispute a presidência. No tema social, os tucanos, sempre aliados aos demos, se esforçarão para demonstrar que a continuidade do campo político que apóia o governo Lula somente beneficiará aos potentados.

 

Eles já vêm praticando esse discurso, cada vez mais parecido com o discurso de Collor em 1989. Citam a lucratividade do sistema financeiro, do agronegócio e da grande indústria, e comparam isso às migalhas que os programas sociais do governo Lula supostamente distribuem entre os pobres. Continuam dizendo que o governo gasta muito e presta poucos serviços, e mal. E denunciam, a toda hora, o mensalão e casos de corrupção envolvendo petistas e seus aliados, como se tucanos e demos fossem o exemplo supremo da ética pública.

 

Aproveitam-se, e muito, do discurso de uma parte da esquerda, que acusa os planos de desenvolvimento da infra-estrutura como parte daquela subordinação à agenda dos grandes grupos econômicos. Embora com dificuldade, incorporam a seu ideário a agenda ambientalista, a exemplo do que já vem sendo feito por um grupo considerável de empresários, que fala muito na defesa do meio ambiente, está ingressando no PV, mas pratica a poluição desbragada.

 

Na questão nacional, acusam a política externa brasileira de ideológica. Ela esqueceria os interesses nacionais ao ajudar governos de esquerda e ditatoriais (realizar plebiscitos ou referendos populares teria se tornado uma tendência ditatorial), estimulando negócios escusos com governos condenados pela comunidade internacional.

 

Olhando em perspectiva, as eleições de 2010 tendem a ser extremamente polarizadas. Elas podem até ter quatro ou cinco candidatos. Porém, muito mais do que em 1989, 2002 e 2006, devem estar em contraposição dois projetos. A direita e parte da esquerda se esforçarão para demonstrar que são elas, e não Dilma, Lula e o PT, que estão do lado das camadas populares. Contam com que Lula não consiga transferir a totalidade ou a maior parte de seus votos para Dilma, e que esta não esteja mesmo vocacionada para levantar com firmeza a bandeira popular.

 

A grande questão consiste, então, em saber se Dilma e seus apoiadores, tendo o PT à frente, mesmo sem perder a ternura, serão ou não capazes de esclarecer o projeto que os diferencia de seus opositores.

 

Wladimir Pomar é escritor e analista político.

 

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