Reflexões sobre a guerrilha do Araguaia - 1

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Wladimir Pomar
05/08/2009

 

O major Curió, oficial do exército que atuou diretamente na repressão à guerrilha do Araguaia, ocorrida entre 1972 e 1974, entregou à imprensa, há pouco, novos documentos sobre a repressão a esse movimento armado. Por um lado, seus documentos comprovam as denúncias, feitas há muito, sobre o fuzilamento de prisioneiros pelas tropas do exército. Por outro, eles têm servido para novas reflexões a respeito desse episódio histórico.

 

Por exemplo, parece ser consensualmente reconhecido que o PC do B transferiu das zonas urbanas para uma região ao sul do Pará e às margens do rio Araguaia, a partir de 1966, cerca de 60 militantes e dirigentes partidários, com o objetivo de dar início a uma guerra popular prolongada. Até 1972, esses militantes e dirigentes dedicaram seus esforços para desenvolver atividades econômicas e sociais, integradas à realidade local, através das quais granjearam uma ampla simpatia da população com que conviviam.

 

A partir desse reconhecimento consensual, os demais fatos e interpretações sobre as ações daqueles militantes e dirigentes se embaralham. Alguns supõem que, após serem atacados pelas tropas do exército, eles teriam não só iniciado a resistência armada, como também empreendido um amplo trabalho político, através da União pela Liberdade e Democracia do Povo (ULDP). Isto seria a comprovação de que aquela resistência não teria constituído qualquer tipo de "foco".

 

O trabalho político, realizado após o início da resistência armada, não teria conquistado a adesão de apenas 11 camponeses, como afirma o relatório de Ângelo Arroio, assassinado pelas forças policial-militares durante o massacre da Lapa, em dezembro de 1976. Os documentos do major Curió teriam ampliado esse número para 20 habitantes locais, além de acrescentarem a informação de que a guerrilha teria contado com 98 combatentes (não 69, como afirmara Arroio), e o suporte logístico de 158 moradores.

 

Teria havido, pois, um trabalho político prévio entre os camponeses, que garantira uma forte simpatia aos jovens guerrilheiros e o "apoio de 90% da população local à luta armada". Na prática, portanto, os guerrilheiros teriam seguido firmemente as exigências da guerra popular. Isto é, forjado sólidos vínculos com as massas, formulado suas reivindicações e conhecido o terreno. Este, por suas condições geográficas, teria sido favorável às forças revolucionárias e desfavorável às do inimigo.

 

Infelizmente, essa apreciação não explica por que as condições geográficas acabaram por se mostrar desfavoráveis para os guerrilheiros. Foram os militares que conseguiram mobilizar, mesmo à força, os grandes conhecedores das condições geográficas locais, os índios suruís e os mateiros.

 

Afora isso, essa apreciação também reduz apenas à guerra popular a necessidade de forjar vínculos sólidos com as massas e saber formular suas reivindicações. Na verdade, esta é uma exigência geral para o trabalho de qualquer partido popular, ainda mais revolucionário, em qualquer situação, conforme debatemos em comentários anteriores.

 

Se isto é verdade, o que se deve perguntar é se atividades sociais, como participar de puxirões ou de trabalhos econômicos de ajuda mútua, ou demonstrar solidariedade diante de doenças e outras dificuldades, representam trabalho político. Ou até que ponto tais atividades contribuem para o aprendizado político.

 

Que se saiba, atividades sociais são uma das bases sobre a qual a atividade política pode se desenvolver. Mas, simpatia social e adesão política são coisas diferentes. Confundi-las, na luta política e, mais ainda, na luta militar, pode levar a tragédias.

 

Portanto, se aqueles militantes e dirigentes só começaram a realizar o trabalho político da ULDP após serem atacados pelas forças armadas do regime, na impossibilidade de desenvolverem uma ação abertamente política entre 1966 e 1972, na prática isto representa uma inversão da teoria política. Segundo esta, a guerra é a continuação da política por meios armados.

 

Sem os camponeses haverem passado pelo aprendizado da luta política dos diversos meios pacíficos, e chegado à conclusão de que não poderiam viver como até então, seria pedir demais a eles que aderissem à forma extrema dos meios armados por mera simpatia social.

 

Wladimir Pomar é escritor e analista político.

 

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