A crise e seus abalos

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Wladimir Pomar
20/10/2008

 

Há pensadores, à esquerda, que acreditam que a atual crise do capital abalará não apenas a hegemonia norte-americana, mas também o sistema capitalista como um todo, apontando para seu fim a curto ou médio prazo. De outro lado, há pensadores, à esquerda e à direita, que descartam a possibilidade de a crise abalar a hegemonia norte-americana e, muito menos, o sistema capitalista.

 

Nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Ainda é cedo para afirmar categoricamente o grau de abalo da hegemonia norte-americana, ou para afirmar que ela não será abalada. Por mais que essa hegemonia tenha muitas faces - financeira, industrial, agrícola, tecnológica, militar e cultural -, um tremor da magnitude da atual crise pode introduzir fissuras enormes no sistema, embora seja preciso algum tempo até que se possa medir a profundidade delas.

 

Por outro lado, a crise é, em si mesma, resultado de um processo de declínio arrastado daquela potência. Alguns economistas, quando do início da agressão ao Iraque, achavam que a guerra seria rápida, mas permitiria aos EUA retomar seu crescimento econômico, e ampliar sua hegemonia, através da reativação da indústria bélica. Enganaram-se. Não só porque há uma diferença flagrante entre derrotar exércitos e dominar povos, mas também porque os atuais custos dos materiais bélicos podem enriquecer os fabricantes capitalistas, mas ao mesmo tempo afundar seus países e seus povos.

 

A própria guerra contra o Iraque é fruto de uma avaliação desastrada, dos principais líderes do establishment norte-americano, sobre as possibilidades de implantar sua hegemonia incontestável sobre o mundo. Apenas consideraram os indicadores que, até o início dos anos 1990, principalmente com a derrocada da União Soviética, apontavam para sua potência militar, que parecia imbatível. Não levaram em conta os indicadores de uma crescente corrosão de suas bases econômicas, comerciais, políticas e culturais, que se expressavam nas tendências multipolares em curso.

 

Desdenharam o fato de que, enquanto nos anos 1970 e 1980, o comércio entre os países em desenvolvimento representava apenas 5% do total mundial, essa situação mudou radicalmente no início do século 21, com o comércio dos países emergentes passando a representar mais de 30% do total. Nesse mesmo período, o pólo do desenvolvimento industrial transferiu-se dos EUA e da Europa para a Ásia do Pacífico, fazendo ressurgir, nessa região, uma classe operária em escala muito superior à que antes existira no ocidente.

 

Ao lado disso, muitos ainda pensavam que os EUA continuariam ditando suas ordens na ONU, na OMC e em outras instituições multilaterais. O que se assistiu, porém, foi a uma crescente participação dos países em desenvolvimento, obrigando os EUA e outros países centrais a discutirem pautas que não pretendiam ver sobre a mesa.

 

Embora haja pensadores que desprezam iniciativas como Mercosul, Ibas, Asean, Apec, G20 etc., elas são exemplos de uma tendência objetiva que mina a hegemonia norte-americana. Portanto, se os países emergentes, como Brasil, Rússia, Índia, China e outros, suportarem a presente crise mundial capitalista sem grandes danos, é possível que a hegemonia norte-americana saia combalida da atual crise financeira, embora ainda suficientemente poderosa para provocar estragos pelo mundo.

 

Wladimir Pomar é analista político e escritor.

 

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