Perspectivas para 2016

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Wladimir Pomar
07/01/2016

 

 

O ano que se aproxima tende a ser marcado pelo acirramento da disputa entre a direita e a esquerda sobre os rumos que o Brasil deve seguir. Está em pauta, fundamentalmente, que estratégias devem ser adotadas para realizar o desenvolvimento econômico e social soberano, ou para fazer com que o Brasil volte a ser atrelado às “cadeias produtivas globais”.

 

Embora dividida taticamente, a direita deve se manter estrategicamente unificada em torno de um projeto que visa não só destruir o PT e suas principais lideranças, mas também tornar a esquerda insignificante, fazer tábula rasa de todas as conquistas sociais e políticas inscritas na Constituição de 1988, e adotar o realinhamento subordinado e dependente ao capital transnacional.

 

Taticamente, uma parte dela continuará criminalizando a política, mesmo que para isso tenha que sacrificar alguns dos seus. Portanto, não deve haver qualquer surpresa se Eduardo Cunha e outros próceres, de centro e da direita, forem processados, julgados e presos (ou presos, processados e julgados). Outra parte continuará procurando processar a presidenta, para impedi-la de continuar à frente do governo. O processo de impedimento, instituído por Cunha no início de dezembro de 2015, pretende fazer com que Temer assuma e coloque em execução seu “projeto de futuro”. Projeto que vai muito além do neoliberalismo, pretende “limpar” a Constituição de 1988 dos “exageros democráticos e populistas” nela existentes, e eleger Temer presidente em 2018.

 

Ainda taticamente, outra parte deve trabalhar para sangrar o governo Dilma até 2018, criando as condições para enxotar o PT e Lula como alternativas de governo e de poder. Também taticamente há a “turma da bala”, que pretende a volta dos militares, agora ou mais adiante, e que é capaz de provocações de todos os tipos para um criar ambiente para isso. Assim, embora na maioria dos casos o PT apareça como o alvo predileto, na prática o objetivo estratégico da direita pretende alcançar e danificar todas as forças de esquerda, progressistas, democráticas, e parte dos setores liberais.

 

Nessas condições, é possível que tais forças, ameaçadas tanto pelas manobras táticas da direita quanto por seus objetivos estratégicos, se unam para a resistência ao golpe. No entanto, a capacidade de mobilização dessas forças, principalmente daquelas que têm as camadas populares como base social, certamente dependerá, em grande parte, do PT e da esquerda se unificarem em torno das principais questões sobre as quais estão divididas.

 

Ou seja, dependerá, em primeiro lugar, do PT e dos petistas no governo concordarem que a atual política econômica tende a criar um longo período de crise econômica e política, e deve ser mudada. Dependerá, em segundo lugar, do PT ter uma política clara e prática de combate interno e externo à corrupção. E dependerá, ainda, do PT e da esquerda se disporem a discutir francamente com as demais forças políticas um projeto comum de desenvolvimento econômico e social. Sem essas mudanças e atitudes políticas, fundamentais para reconquistar a base social que está perdendo, o PT continuará tendo dificuldades para discutir, com as massas populares e as camadas médias, assim como com aquelas forças políticas, as medidas necessárias para mobilizá-las e as levar a conquistar as ruas.

 

Mesmo porque parece haver concordância geral de que o desenlace da luta que a direita trava hoje contra a esquerda e outras forças políticas progressistas e democráticas dependerá da mobilização social de massa. O que deve ter como coadjuvante, é lógico, uma renhida disputa ideológica e política. Isto é, uma feroz disputa da opinião pública, que inclui saber explicar para as grandes massas da população o que a direita pretende (de início, acabar com os programas Bolsa Família e Minha Casa Minha Vida), e como isso vai prejudicar um amplo espectro da população. E ter como força motriz a presença de grandes massas populares nas ruas, praças e avenidas do país, como contraponto aos domingos de passeio dos direitistas endinheirados.

 

Dizendo de outro modo, talvez seja necessário um esforço extra para fazer com que as bandeiras e os slogans políticos de “defesa da democracia”, “contra o golpismo”, “fora Cunha”, “defesa dos direitos dos trabalhadores”, “reformas políticas”, “reformas estruturais” e “por outra política econômica” se tornem as bandeiras comuns de todas as forças empenhadas em fazer com que o Brasil derrote o regressismo e o retrocesso da direita, e ingresse em novo processo de desenvolvimento econômico e social.

 

Nessas condições, todos os esforços para realizar plenárias, campanhas de mobilização e atos públicos locais, regionais e nacionais, encontros amplos com liberais, juristas, intelectuais, artistas e diferentes figuras públicas, terão que se voltar tanto para a unificação contra qualquer golpe da direita, quanto para levar os setores petistas e governamentais a mudarem sua política econômica, e abrirem condições para uma discussão séria sobre os problemas estratégicos que podem unificar não somente os trabalhadores e as camadas populares, mas também os setores pequenos e médios da burguesia.

 

Afinal, o que une estrategicamente essas forças? Um desenvolvimento industrial que tenha como principais objetivos a geração de empregos, a elevação da renda da sociedade, a alteração da estrutura produtiva, com investimentos de longo prazo? Um desenvolvimento que reconstrua e modernize a infraestrutura nacional, tendo em conta o papel que o desenvolvimento social e o mercado interno devem desempenhar para suprir a população de transportes decentes e baratos, de saneamento básico, água potável, educação, saúde, energia elétrica e moradias civilizadas, e construa portos, ferrovias, hidrovias, aeroportos e geração limpa de energia?

 

Que política macroeconômica deve ser adotada para essa estratégia de desenvolvimento econômico e social? Deve-se ou não ter uma política de juros que estimule os investimentos produtivos, uma política cambial que proteja a indústria tecnologicamente competitiva, e um sistema tributário que reduza ou anule o peso dos impostos indiretos (consumo e folha salarial) e eleve o peso dos impostos diretos (renda e patrimônio)?

 

Que papel deve ser dado às empresas estatais e às empresas privadas para alavancar os investimentos em infraestrutura e inovação tecnológica? Deve-se ou não estimular a associação de capitais privados com capitais estatais para adensar as cadeias produtivas? Deve-se ou não redirecionar incentivos aos investimentos com o objetivo de alterar a estrutura produtiva de setores industriais que elevem seu padrão científico e tecnológico e/ou sua capacidade de emprego, agreguem mais valor e ganhos de produtividade, elevem a competitividade externa, revigorem e modernizem seu parque produtivo, e preservem a expansão do mercado interno com distribuição de renda e valorização do trabalho?

 

Deve-se ou não regulamentar os investimentos externos diretos, de modo a coibir investimentos de curto prazo que desorganizam as finanças nacionais e desnacionalizam empresas? Deve-se ou não atrair investimentos para a instalação de novas plantas produtivas, transferência de novas e altas tecnologias, e aumento da musculatura técnica e científica, tanto das empresas estatais quanto das empresas privadas nacionais? Deve-se ou não criar mecanismos de financiamentos de longo prazo, para apoiar e estimular o desenvolvimento de inovações científicas e tecnológicas nos processos produtivos?

 

Deve-se ou não transformar todas as estatais em orientadoras do processo industrial, com poder de realizar acordos com empresas nacionais e estrangeiras em projetos que atendam às necessidades financeiras, tecnológicas e científicas dos setores industriais estratégicos? Deve-se ou não reestruturar a engenharia nacional, paralelamente à transformação dos sistemas industriais, comerciais e de serviços monopólicos e oligopólios em sistemas concorrenciais?

 

Deve-se ou não dar apoio especial aos sistemas industriais, agrícolas, comerciais e de serviços, constituídos de micros, pequenas e médias empresas, com baixas tecnologias, mas com alta densidade de emprego? Deve-se ou não adotar uma política agrícola que tenha a elevação da produção de alimentos para o mercado interno como objetivo estratégico na luta contra a inflação?

 

Deve-se ou não considerar a infraestrutura urbana estratégica e prioritária, de modo que a reurbanização siga uma lógica de espaços abertos à utilização e ao convívio público, atendendo principalmente às grandes massas da população? Deve-se ou não realizar investimentos na produção de equipamentos, máquinas e materiais para a construção e a reconstrução urbana, e trabalhar de forma progressiva para prover serviços públicos universais, de qualidade e gratuitos, num prazo que supere os grandes déficits sociais acumulados?

 

Deve-se ou não substituir a política que subordina os direitos públicos à lógica da privatização ou da concessão de bens e serviços públicos para a gestão privada e para a obtenção de lucros desmedidos? Deve-se ou não elaborar políticas nacionais de habitação popular, saneamento e mobilidade urbana com recursos financeiros e institucionais compatíveis com os problemas gerados pelo acelerado processo de urbanização excludente ocorrido a partir de meados do século 20?

 

Deve-se ou não romper com os carteis presentes na engenharia civil, no setor automobilístico e em outros setores que resistem à implantação da mobilidade urbana por transportes realmente de massa? Deve-se ou não transformar o solo urbano em propriedade pública e palco das principais transformações nas políticas ambientais de cunho sustentável? Deve-se ou não constituir sistemas nacionais e regionais que evitem impactos ambientais negativos e implantem medidas preventivas para o enfrentamento das mudanças climáticas?

 

Deve-se ou não introduzir mudanças no Imposto Territorial Rural, de modo que o agronegócio pague a renda fundiária ao Estado e à sociedade, e seja obrigado a preservar o meio ambiente? Deve-se ou não impedir, legal e administrativamente, que as terras de pequenos e médios agricultores sejam expropriadas, mesmo através de operações mercantis? Deve-se ou não realizar a reforma agrária dos latifúndios improdutivos, que elimine a propriedade territorial improdutiva, aproveite as terras devolutas do Estado, e as parcele na forma de propriedade familiar, propriedade empresarial pequena e média e propriedade em regime cooperativo?

 

Deve-se ou não promover um modelo de desenvolvimento rural sustentável que garanta acesso ao crédito, técnicas, equipamentos, preços mínimos e seguro agrícola para as unidades agrícolas cuja produção se destine ao mercado doméstico? Deve-se ou não fomentar o papel das agriculturas cooperativa, familiar e privada não proprietária do solo?

 

Momentos de crise, que devem prolongar-se por 2016, não são apenas momentos de desespero. Também são momentos de oportunidades. O que pode propiciar às forças que se opõem ao ranço golpista da direita um bom momento para rememorar, praticamente, as grandes mobilizações públicas de um passado não tão distante, e avançar na discussão de pelo menos algumas das indagações estratégicas feitas acima.

 

 

Wladimir Pomar é escritor e analista político.

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