Correio da Cidadania

Novo festival de besteiras

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Aos poucos, vou me dando conta de que Stanislaw Ponte Preta faz uma falta enorme diante do novo festival de besteira que assola o país. Acordei para isso quando li uma manchete secundária do The Globe anunciando que João Vaccari fora judicialmente indiciado. Ao ler a matéria, me dei conta de que ela estava 99% voltada para noticiar a prisão de Renato Duque, e aproveitara o 1% restante para colocar Vaccari na roda. E lembrei que The Globe, assim como outros jornalões nativos, há muito vem praticando esse contorcionismo de pregar manchetes que pouco têm a ver com as matérias que se seguem.

 

Neste momento o besteirol está concentrado em quatro assuntos: reforma ministerial, ajuste fiscal, Lava-Jato e crise no PT. No primeiro, as notícias são de todo o tipo: “Dilma frustra mercado”; “Dilma nega”; “aliados querem”; “aliados em guerra”; “PT faz pressão”; “PT aceita o PMDB de volta ao Ministério das Comunicações”; “CNB quer Berzoini no MEC”; “Dilma não comprou a regulamentação da mídia”. No tema ajuste fiscal, a barafunda se repete: “aliados obrigam Levy a rever ajuste”; “Levy tem margem mínima”; “Levy não se abala”; “Levy obedece ao verdadeiro dirigente do país, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha”.

 

O assunto Lava-Jato não fica por menos: “BC teme risco para bancos”; “Wilson Santarosa, indicado por Lula, Zé Dirceu e Luiz Gushiken, demitido da gerência de Comunicação da Petrobras”; “Thomas Traumann no lugar de Santarosa”; “propina de Furnas respinga em Aécio”; “pagamentos a Dirceu divergem de contrato com a Engevix”; “EMS, OAS, Monte Cristalina e Ambev confirmam negócios fora do Brasil por Dirceu”; “Dirceu intermediou contato com Chávez”; “Duque nega parentesco com o ex-ministro Zé Dirceu, mas boatos indicam que são contraparentes”; “financiamento de empresas privadas iam para campanhas do PT”.

 

Convenhamos, os boatos se tornaram a prata da casa do jornalismo caboclo. Por que diabos o “mercado” estaria frustrado por Dilma não fazer uma reforma ministerial? E que “aliados” estão querendo a reforma? Desde quando a regulamentação da propriedade cruzada da mídia é igual à regulamentação da mídia? E desde quando tal reforma estaria “à venda” para ser “comprada” por Dilma? E por que cargas d’água o ajuste fiscal, há muito pressionado pelo mercado, esse ente mitológico que se mete em tudo, está colocando Levy em palpos de aranha para ser aprovado pelos “aliados”? E, quem pode provar que as doações de empresas privadas iam apenas para o PT?

 

Não deixa de ser sintomático que todas essas questões sejam tratadas com a mesma leviandade com que a mídia nativa apoiava as tropelias do regime ditatorial militar antes delas também atingirem aos oligopólios da comunicação. A mesma coisa parece começar a ocorrer com a Operação Lava-Jato. A grande mídia começa a andar sobre ovos à medida que tal operação tende a ir muito além da incriminação de apenas alguns petistas, ou pseudo-petistas, como é o caso de Renato Duque.

 

A Lava-Jato atingiu em cheio os presidentes da Câmara e do Senado, justamente os principais dissidentes entre os “aliados” do PMDB. Essa dupla e seus seguidores insinuava, antes, que o governo Dilma e o PT pretendiam “travar” as investigações. Agora os acusam de “manobrar” as investigações para atingi-los. E a Lava-Jato, além das investigações e processos que lhe dizem respeito, está incentivando o andamento das investigações sobre as maracutaias patrocinadas por parentes de próceres e dirigentes do PSDB e de outros partidos desde antes do ano 2000. O que levou FHC a declarar o absurdo de que a corrupção é muito jovem, sem receber qualquer gozação dos chargistas de plantão.

 

Por mais que altos articulistas dos jornalões tentem “provar” que os demais tesoureiros de partidos recebiam “contribuições limpas”, isso deveria ser tema dos humoristas, já que todas as contribuições de empresas privadas a campanhas eleitorais estão sob suspeição. Afinal, o que tem o nariz a ver com as calças se Dirceu manteve contatos com Chávez e se ele á parente ou contraparente de Renato Duque? O fato é que o uso de dinheiro de empresas privadas para as campanhas eleitorais de todos os partidos, como disse o novo “herói” da granfinagem, Paulo Roberto Costa, foi e é um “empréstimo” a ser pago por serviços futuros.

 

De qualquer modo, além de estar envolvido nos três assuntos precedentes, o PT ganhou um item próprio, relacionado com sua “crise”. Esse partido continua sendo o alvo preferido de inimigos e “aliados”, mas ainda tem uma militância aguerrida. Talvez por isso The Globe esteja preocupado que o Fundo Partidário seja utilizado para “reforçar a atuação do PT nas redes sociais” e não tenha pejo em dizer que “recursos públicos sustentam rede de propaganda petista”. Como sempre, o jornalão esquece de esclarecer que, da mesma forma que as “contribuições legais” das empresas privadas, os “recursos públicos” do Fundo Partidário alimentam a rede de propaganda de todos os partidos políticos. A diferença é que, ao contrário das “contribuições empresariais”, a aplicação de tais recursos é rigidamente controlada pelo Ministério Público.

 

Portanto, não adianta o senador Álvaro Dias, do PSDB, pretender distinguir “partidos “sadios” de “partidos acusados de receber dinheiro em lavagem”. As contribuições privadas contaminaram todos os partidos, inclusive o seu que, além disso, está envolvido em “lavagens” nas privatizações, em Furnas, no “mensalão mineiro” e nos trens paulistas. Mas isto é notícia de pé de página, quando não é possível ignorá-la, porque o objetivo é destruir o PT e, através dessa ação, desagregar toda a esquerda. Por isso também pululam as notícias sobre a “desagregação” do PT, embora apenas com dois destaques. Um para o senador Paim, que “pode deixar o PT, insatisfeito com mudanças nos benefícios trabalhistas... e com a intenção de Tarso Genro se candidatar ao Senado em 2018”. Outro para Marta Suplicy, que “avisou ao PSB que deixará o PT em maio” porque este partido “está acéfalo” e “não tem proposta para a nação”.

 

Embora a possível “insatisfação” do senador Paim seja deplorável e não faça jus à sua trajetória política, e Marta se gabe de estar sendo acompanhada pela fina flor da burguesia paulista, quem dera que a “crise” do PT se resumisse a isso. Um dos principais problemas do PT consiste em considerar que reconhecer seus erros não adianta nada. Grande parte de seus dirigentes e militantes parece não haver percebido que, apesar do besteirol que assola a mídia nativa, grande parte da base social petista está acreditando que tal besteirol contém nacos de verdade, em particular quando se trata de corrupção.

 

Nesse sentido, o primeiro erro crasso do PT foi considerar que podia se dar ao desplante de receber contribuições de empresas privadas, mesmo de caixa dois, como reconheceu José Dirceu durante o processo da Ação Penal 470, porque todos os partidos praticavam o mesmo expediente. Com base nesse reconhecimento, a hipocrisia burguesa tem obtido sucesso em levar boa parte da opinião pública, inclusive simpática e eleitora do PT, a acreditar que esse partido se tornou o maior ladrão já aparecido na história brasileira. Nesse sentido, a grande mídia, assim como boa parte das redes sociais, não tem economizado esforços, mesmo utilizando um vasto festival de besteirol, para transformar a Operação Lava-Jato numa operação exclusiva contra o PT.

 

O segundo erro crasso do PT, embora admitindo que essa mentira se tornou uma arma poderosa na tentativa de liquidá-lo, tem consistido em não reconhecer o primeiro erro e fazer autocrítica do mesmo. Para alguns, parece um sacrifício reconhecer publicamente tal erro. Para outros, tal reconhecimento não teria efeito algum sobre a militância e sobre os setores da base social petista que continuam fiéis. Ou seja, uns não entendem que partidos políticos de esquerda que não têm coragem de reconhecer publicamente os próprios erros estão fadados à morte. Outros não enxergam que o problema do PT não consiste em manter os fiéis, mas em conquistar as grandes massas populares e democráticas, o que será impossível se a questão da corrupção não for combatida de frente pelo PT.

 

É preciso muita coragem política para reconhecer que o partido cometeu um erro imenso ao aceitar contribuições de empresas privadas para suas campanhas eleitorais. O fato de os demais partidos serem irrigados por tais contribuições pode explicar, mas não justificar, o erro do PT. Nesse sentido, não faria mal que o PT também demonstrasse coragem política ao desculpar-se perante o povo brasileiro e tomasse a decisão pública de não mais aceitar tal tipo de contribuição de empresas privadas. É duro, mas essa é a base para superar a situação de acefalia e perda de projeto.

 

Quando um partido com o histórico de lutas e acertos do PT chegou a tal ponto, militantes comprometidos com seu histórico combatem até o último alento para superar os erros e traçar um novo projeto, ou uma nova estratégia, que corresponda à realidade mutante. Só com isso é possível eleger um comando capaz de colocar em prática tal projeto ou estratégia. O contrário é puro besteirol, na linha dos jornalões caboclos e internacionais. O que será, sem dúvida, uma tragédia não só para o PT, como para a esquerda em geral.

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Wladimir Pomar é escritor e analista político.

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